domingo, 3 de agosto de 2014

Homilia do XVIII Domingo do Tempo Comum

O Evangelho que escutámos apresentava-nos o milagre da multiplicação dos pães e por isso a nossa atenção e reflexão centra-se quase sempre nesse acontecimento.
Contudo, não podemos esquecer os acontecimentos que precedem esse mesmo milagre e que nos podem dar uma outra compreensão do milagre que Jesus opera. Podemos estar diante de algo mais, de um outro milagre, de que os pães multiplicados são uma manifestação exterior.
Assim sendo, temos que olhar para a notícia da morte de João Baptista e para a atitude de Jesus face a essa notícia. Diz-nos o texto que Jesus quando soube da morte de João se retirou num barco para um lugar deserto e afastado.
Uma vez mais estamos perante um dado que nos revela não só a humanidade de Jesus, o seu sentido do perigo que corria, pois se faziam aquilo a João o que se poderia esperar que lhe fizessem, como também a verdade dos Evangelhos, que não tiveram uma vez mais pudor em nos revelar a humanidade de Jesus e aquilo que para alguns olhos pode significar uma fuga.
São estes pormenores que nos mostram que os Evangelhos não são uma propaganda vitoriosa, um engodo para apanhar adeptos, mas um relato de experiências pessoais e comunitárias com alguém em cuja humanidade se revelou a pessoa mesma de Deus.
É nesta fuga de Jesus, nesta atitude precavida, que vamos descobrir, tal como certamente também Jesus o fez, que nada nos pode separar do amor de Deus, nem a espada, nem a fome e nem o perigo. Para aquele que se sente amado por Deus em todas estas realidades e desafios sabe que sairá vencedor.
E percebemos que Jesus fez esta experiência, quando o texto evangélico nos diz que Jesus procurou um lugar deserto e sossegado, ou seja, aquele espaço e oportunidade que sempre lhe permitiu dialogar com o Pai e sair vitorioso das tentações. Esta fuga não poderá significar a experiência de uma nova tentação?
A barca de que Jesus se serve para fugir pode ter sido a oportunidade para dialogar com o Pai, para se encontrar com esse amor e protecção que o leva a compadecer-se da multidão quando chega à outra margem do lago. Do que podemos apelidar de egoísmo Jesus passa para a compaixão, descentra-se para reentrar no projecto salvífico do Pai, com tudo o que isso acarreta.
Neste sentido, a multiplicação dos pães é uma manifestação dessa adesão ao projecto do Pai, é um assumir da protecção que o Pai oferece, porque tal milagre não deixará de ter implicações, outras tentações que transparecem no desejo da multidão o querer aclamar como rei, e às quais Jesus responde com um novo encontro íntimo com o Pai na oração.
A multiplicação dos pães representa assim a entrega gratuita, a saída do egoísmo latente para a partilha e a compaixão para com o outro. Egoísmo que vemos denunciado quando Jesus manda os discípulos dar de comer à multidão e eles dizem que apenas têm cinco pães e dois peixes.
Estes pães e estes peixes denunciam o egoísmo, uma vez que eles tinham alimento para si e portanto não tinham necessidade de se colocar no movimento que solicitavam a Jesus de enviar a multidão às aldeias para comprar alimento.
O milagre da multiplicação dos pães remete-nos portanto para a necessidade de sairmos do nosso egoísmo e egocentrismo, de nos abrimos à confiança total em Deus Pai, de acolhermos a oferta de Deus expressa pelo profeta Isaías de nos aproximarmos pobres do alimento que nos sacia, o alimento da Aliança, que não é o outro que o amor.
Procuremos pois dar de comer aos nossos irmãos, nos mais diversos alimentos que necessitam, sejam o pão material ou o pão da amizade, pois dessa forma manifestamos não só a confiança que colocamos em Deus mas também o Pão do Amor com que somos alimentados.

 
Ilustração:
“Milagre da multiplicação dos pães e dos peixes”, de Ambrosius Francken, Museu Real de belas Artes de Antuérpia.

1 comentário:

  1. Estejamos disponíveis,sim, para que os que nos rodeiam e, os que necessitam da nossa amizade, possam contar connosco. É a maneira de correspondermos ao apoio de Deus, saindo do nosso egoísmo. Inter pars

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