As férias são tempo de
descanso, mas podem ser também uma oportunidade para nos dedicarmos de uma
forma mais aplicada a determinadas actividades que nos dão prazer, como a
leitura ou o desporto.
As minhas últimas
férias permitiram-me regressar a uma actividade que me dá imenso gozo e que há
algum tempo a esta parte não tenho podido realizar, a investigação histórica, o
queimar as pestanas atrás de informações que se encontram em documentos
guardados em arquivos.
Entre algumas coisas
que descobri, partilho hoje uma Carta que o Prior Provincial frei Cristóvão de
Santa Catarina de Sena dirigiu a todos os Priores e Superiores dos Conventos
Dominicanos em Agosto de 1821.
É uma reforma da administração económica dos conventos,
reforma que não deixa de ter em atenção as situações particulares de
necessidade, como os doentes, e que não deixa de implicar todos os frades na
sua prossecução, pois como diz um adágio antigo, o que é de todos deve ser
cuidado por todos.
Frei Cristóvão de
Santa Catarina de Sena, Mestre em Santa Teologia, e Prior Provincial da Ordem
dos Pregadores neste unido de Portugal etc. [sic]
Ao Reverendo Padre
Presentado Prior, e Comunidade do nosso Convento de São Domingos do Porto,
saúde e paz em Jesus Cristo.
Tendo-se introduzido
pela ordem dos tempos, vários e diferentes abusos na administração económica
dos nossos Convento, e desejando nós remediar tais abusos, e fazer cessar de
uma vez para sempre os males, que deles resultam, e promover quanto em nós é
observância das nossas Sagradas Leis, achamos, que é do nosso dever mandar
observar, como pela presente mandamos, em todos os Conventos da nossa
obediência os Artigos seguintes, que depois de um maduro exame se fizeram e já
se acham em plena execução neste Convento de São Domingos de Lisboa.
1º
É proibido debaixo de
preceito formal de Santa obediência ao Prelado do Convento, qualquer que seja a
sua denominação fazer contractos, receber dinheiros, e passar recibos, sem o
concurso e assinatura do Padre Síndico ou Procurador, e a Comunidade poderá
rescindir e reputar nulos, e de nenhum efeito tais contractos.
2º
Observar-se-á, debaixo
do mesmo preceito religiosamente a nossa Sagrada Constituição pelo que pertence
ao Depósito da Comunidade, sendo aplicada ao que infringir a Lei nesta parte, a
pena de deposição que a mesma Lei lhe impõe, logo que a Comunidade requeira
legalmente, e com provas autênticas do facto ou factos.
3º
Não poderá o Prelado
de hoje em diante mandar fazer obra alguma no Convento ou prédios a ele
pertencentes, sem que seja aprovada em Concelho de Comunidade, de que se
lavrará auto.
4º
Reduzirá o número dos
Criados ao menor número possível, e porá os seus salários, e rações em devida
proporção com os actuais preços de todos os géneros.
5º
Será o Prelado
obrigado impreterivelmente a fazer as Contas às receitas, e despesa todos os
meses, cujas verbas nunca poderão ser feitas por ele Prelado, nem pelo Padre
Síndico, e ficarão – ipso facto – suspensos os Depositários que as assinarem assim
feitas.
6º
Serão todos os Livros
de receita e despesa numerados, e rubricados pelos dois Depositários, que
mencionam no termo o número das folhas.
7º
O Prelado será
obrigado a dar contas todos os semestres do estado do Convento, apresentando à
Comunidade um mapa da receita e despesa junto com os livros competentes, que
estarão patentes por três dias a todo e qualquer Padre que as queira verificar:
estes dias são os primeiros de Abril e Outubro.
8º
Não se tolerarão de
hoje em diante mais diferenças na ração diária, sólida, ou líquida, do que
aquelas que exigir o particular estado da moléstia de algum religioso, ou
aquelas, que são autorizadas pelas nossas Leis.
9º
Haverá nomeado pelo
Prelado com a Comunidade um Religioso de caridade para vigiar particularmente
sobre o bom tratamento dos Doentes, e o Convento os proverá de todo o preciso
para o seu curativo, aprontando-lhe roupas sendo preciso, Médico à sua escolha,
remédio, alimentos, e criados, conforme a necessidade do enfermo.
10º
Quando qualquer
Religioso precisar de banhos, caldas, Águas férreas, ou outros remédios, que
não podem usar-se no Convento, o Prelado com o Concelho da Comunidade, tomando
em consideração a informação do Médico, sobre a precisão do remédio, arbitrará
ao Religioso uma ajuda de custo para a jornada e casas, e 480 reis diários,
durante o uso do dito remédio.
11º
Todos os Padres desse
Convento ficarão pela presente constituídos zeladores, e fiscais de execução
dos Artigos acima, e obrigados a denunciar-nos toda, e qualquer transgressão a
fim de darmos as providências, que o caso pedir, e as nossas Leis determinam.
Considerando nós, que
estas disposições são inteiramente conformes com as nossas Sagradas
Constituições, e com os preceitos da caridade, esperamos que todos os nossos súbditos
as abracem e cumpram fielmente, como o único remédio contra os abusos, que se
têm introduzido na administração económica; mas para que o Reverendo Padre Presentado
Prior tenha maior merecimento lhe mandamos debaixo do preceito formal de Santa
obediência, que cumpra, e faça cumprir e guardar fiel e exactamente os artigos
acima declarados; mandando ler esta em acto de Comunidade, e copiar no Livro
dos Concelhos, debaixo do mesmo preceito mandamos a todos e a cada um dos
Religiosos igual observância cumprimento, e fiscalização.
In nomine Patris, et Filli, et Spiritus Sancti. Amen.
Dada no nosso Convento
de São Domingos de Lisboa sob nosso sinal, selo aos 24 de Agosto de 1821
Frei Cristóvão de
Santa Catarina de Sena
Prior Provincial
Registado a folhas 95
Frei Ambrósio Metella
Villa Lobos
Mestre Secretário e
Companheiro
Ilustração: “O manuscrito
perdido”, de Jean Henri De Coene
Caro Frei José Carlos,
ResponderEliminarFoi com satisfação que li a partilha da Carta que o Prior Provincial frei Cristóvão de Santa Catarina de Sena dirigiu a todos os Priores e Superiores dos Conventos Dominicanos em Agosto de 1821 sobre o Plano de Reforma Económica dos Conventos sobre diferentes dimensões e que ilustrou de forma tão interessante.
Permita-me que respigue um excerto que escreveu sobre a mesma …” É uma reforma da administração económica dos conventos, reforma que não deixa de ter em atenção as situações particulares de necessidade, como os doentes, e que não deixa de implicar todos os frades na sua prossecução, pois como diz um adágio antigo, o que é de todos deve ser cuidado por todos.”… Convento não significa “comunidade”, Frei José Carlos?
Foi bom … recordar algumas partilhas que elaborou sobre a História da Província. Bem-haja. Em férias ou em qualquer tempo ou lugar é importante documentar e divulgar o passado que é fonte de saber, de reflexão sobre o presente e de preparação do futuro. Bem-haja. Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
Continuação de boa semana. Bom descanso.
Um abraço mui fraterno,
Maria José Silva
Olá Caro Frei José Carlos,
ResponderEliminarJá algum tempo que não trocamos palavras, mas é com satisfação que recordo a nossa conversa tida salvo erro num domingo de manhã e a qual ficaria muito grato aquando de uma "aberta" na sua agenda, me possa dar o prazer de a repetir.
Se a memória não me falha, também li esta carta salvo erro no Livro do Sindico do Convento de Nossa Senhora dos Fiéis de Deus, em arquivo na Torre do Tombo. Onde outra coisas curiosas aparecem outras pérolas relacionados com aquela época em particular da vida em comunidade, que creio se começava um pouco a degradar em face também da moldura política que a circundava. Diria quase como no século XIV aquando da oposição Claustrais/Observantes. Uma delas é a carta do Intendente da Policia Pina Manique, também ai lavrada para registo, e outras mais a nivel local próprias do Convento de Nossa Senhora dos Fiéis de Deus, Pena, em minha opinião, o tempo não tenha permitido as reformas seguirem avante e a cegueira de 1834 tudo ter destruído.
Um abraço sincero,
Nuno Cruz