Estamos a celebrar o
quarto e último domingo do Advento e a Liturgia da Palavra, através dos textos
do Profeta Isaías e do Evangelho de São Mateus, apresenta-nos as figuras de
José e do rei Acaz.
Alguns séculos os
separa no tempo histórico, mas podemos dizer que se aproximam pelo facto de um
e outro serem descendentes de David e depois pelo dilema que atravessam face ao
filho que lhes é prometido.
São homens que têm os
seus projectos, um tem projectos políticos e governamentais, outro tem projectos
matrimoniais, projectos humanos que de um momento para o outro se vêem
atravessados por uma proposta divina, por uma promessa que altera todos os
planos.
Acaz é um rei que se
encontra sitiado na sua cidade de Jerusalém, um rei que não aceitou uma aliança
política e militar local e se refugiou numa aliança mais poderosa mas também mais
distante.
José é um homem que vê
o seu projecto matrimonial e patriarcal derrubado por um filho que não é seu e
por isso se refugia no silêncio, num projecto de repúdio secreto, que
inevitavelmente o isolará e fará sofrer.
São projectos e
decisões humanas, projectos de segurança e de certa forma de sobrevivência face
aos desafios que a realidade coloca. Numa e noutra situação, e apesar da
fragilidade das garantias, parecem ser a solução ideal.
Face a estas soluções humanamente
assumidas, a intervenção de Deus, a oferta de uma outra realidade, aparece como
algo verdadeiramente catastrófico, desestabilizador, pois não só coloca em
causa a decisão tomada como aponta para uma necessidade de risco elevado que é
necessário correr.
Num e noutro caso,
tanto para Acaz como para José, a proposta de Deus é o acolhimento de um filho,
de um filho que se apresenta como uma resposta totalmente outra e totalmente
diversa, um filho que é dom de Deus para a realização do projecto de salvação.
Para Acaz significa o
desafio de acreditar que a promessa feita ao rei David, de que a sua descendência
não desapareceria, se mantinha de pé, apesar dos erros e pecados dos descendentes,
e portanto não devia estar tão condicionado às alianças e aos perigos que o ameaçavam.
Tal como lhe diz o profeta essas ameaças desaparecerão ainda antes do filho
atingir a idade de conhecer o mal e o bem.
Para José significava
que a sua tão desejada paternidade não seria biológica, não seria carnal, mas seria
tão verdadeira e tão necessária como se o fosse, porque o Filho de Deus que
Maria transportava no ventre necessitava de um pai humano para ser introduzido
na vida dos homens, na sua cultura e na sua fé, na sua história e no seu
futuro.
As duas histórias e os
dilemas que acarretam mostram-nos que frequentemente aquelas realidades que
parecem ser uma desordem, uma revolução nas nossas vidas, acabam por se revelar
verdadeiras fontes de libertação e salvação. O Espirito de Deus leva-nos sempre
mais longe do que poderíamos alguma vez suspeitar.
O convite do profeta
Isaías para que o rei Acaz peça um sinal e o convite do anjo a José para que
não tema o mistério que Maria transporta em si, mostram-nos que no meio dos
nossos desastres, das nossas infidelidades, dos nossos medos, dos nossos passos
incertos, Deus não deixa de estar presente, não deixa de se fazer presente e de
modo quase táctil para que nós arrisquemos confiar nele.
Ao aproximar-se o
Natal, em que podemos apreciar o Menino Deus na sua humildade e fragilidade de
criança recém-nascida, não pode deixar de se colocar a questão da nossa
confiança e do nosso medo face a Deus. Afinal de contas confiamos ou temos medo?
Ousamos arriscar a confiança da fé ou refugiamo-nos nas nossas certezas e seguranças
humanas?
José, numa atitude extraordinária,
arriscou não temer, o que lhe valeu a capacidade de reconhecer a presença de
Deus ao ponto de se silenciar para sempre, de não necessitar dizer mais nenhuma
palavra. No amor confiante não necessitou perguntar nem dizer mais nada.
Que a contemplação do
Filho de Deus menino deitado numa manjedoura ou nos braços de Maria, guardados
por José, alimente a nossa confiança, a nossa fé, de modo a ousarmos não
necessitar de mais palavras.
Ilustração: “São José
Carpinteiro”, de Georges de la Tour, Museu do Louvre.
Que tenhamos a coragem de romper com as nossas certezas e confianças humanas para nos apoiarmos na certeza da nossa Fé é o que peço neste Natal ao Menino recem-nascido que é toda a nossa força, mesmo frágil e pequenino como se nos apresenta. Inter Pars
ResponderEliminarCaro Frei José Carlos,
ResponderEliminarO texto da Homilia do IV Domingo do Advento que teceu ao colocar-nos perante as alterações dos projectos de vida de José e do rei Acaz remete-nos para a realidade de cada um de nós que no peregrinar da estrada da vida somos, várias vezes, surpreendidos pelos mais diversos acontecimentos e desafios que nos desestabilizam porque somos levados a enfrentar cenários desconhecidos, e a confiar, a não ter receio, a acreditar que as novas vivências são portadoras de bons frutos, são libertadoras e enriquecedoras. Quando olhamos retrospectivamente a forma como reagimos pode explicar-se não pela proposta em si, mas pela forma como é formulada, pelo contexto.
E, se permite, passo a citá-lo …”As duas histórias e os dilemas que acarretam mostram-nos que frequentemente aquelas realidades que parecem ser uma desordem, uma revolução nas nossas vidas, acabam por se revelar verdadeiras fontes de libertação e salvação. O Espirito de Deus leva-nos sempre mais longe do que poderíamos alguma vez suspeitar.”…
Que a atitude de Maria e José perante a proposta de Deus nos ajudem a estar mais abertos ao desconhecido e mais confiantes face a Deus porque a caminhada é feita juntamente com Jesus Cristo.
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília, profunda, que nos questiona e encoraja, exortando-nos ao aproximar-se o Natal a …”Que a contemplação do Filho de Deus menino deitado numa manjedoura ou nos braços de Maria, guardados por José, alimente a nossa confiança, a nossa fé, de modo a ousarmos não necessitar de mais palavras.”
Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
Votos de uma boa semana com paz, alegria, confiança e esperança. Um Santo Natal.
Bom descanso.
Um abraço mui fraterno e amigo,
Maria José Silva