domingo, 22 de dezembro de 2013

Homilia do IV Domingo do Advento

Estamos a celebrar o quarto e último domingo do Advento e a Liturgia da Palavra, através dos textos do Profeta Isaías e do Evangelho de São Mateus, apresenta-nos as figuras de José e do rei Acaz.
Alguns séculos os separa no tempo histórico, mas podemos dizer que se aproximam pelo facto de um e outro serem descendentes de David e depois pelo dilema que atravessam face ao filho que lhes é prometido.
São homens que têm os seus projectos, um tem projectos políticos e governamentais, outro tem projectos matrimoniais, projectos humanos que de um momento para o outro se vêem atravessados por uma proposta divina, por uma promessa que altera todos os planos.
Acaz é um rei que se encontra sitiado na sua cidade de Jerusalém, um rei que não aceitou uma aliança política e militar local e se refugiou numa aliança mais poderosa mas também mais distante.
José é um homem que vê o seu projecto matrimonial e patriarcal derrubado por um filho que não é seu e por isso se refugia no silêncio, num projecto de repúdio secreto, que inevitavelmente o isolará e fará sofrer.
São projectos e decisões humanas, projectos de segurança e de certa forma de sobrevivência face aos desafios que a realidade coloca. Numa e noutra situação, e apesar da fragilidade das garantias, parecem ser a solução ideal.
Face a estas soluções humanamente assumidas, a intervenção de Deus, a oferta de uma outra realidade, aparece como algo verdadeiramente catastrófico, desestabilizador, pois não só coloca em causa a decisão tomada como aponta para uma necessidade de risco elevado que é necessário correr.   
Num e noutro caso, tanto para Acaz como para José, a proposta de Deus é o acolhimento de um filho, de um filho que se apresenta como uma resposta totalmente outra e totalmente diversa, um filho que é dom de Deus para a realização do projecto de salvação.
Para Acaz significa o desafio de acreditar que a promessa feita ao rei David, de que a sua descendência não desapareceria, se mantinha de pé, apesar dos erros e pecados dos descendentes, e portanto não devia estar tão condicionado às alianças e aos perigos que o ameaçavam. Tal como lhe diz o profeta essas ameaças desaparecerão ainda antes do filho atingir a idade de conhecer o mal e o bem.
Para José significava que a sua tão desejada paternidade não seria biológica, não seria carnal, mas seria tão verdadeira e tão necessária como se o fosse, porque o Filho de Deus que Maria transportava no ventre necessitava de um pai humano para ser introduzido na vida dos homens, na sua cultura e na sua fé, na sua história e no seu futuro.
As duas histórias e os dilemas que acarretam mostram-nos que frequentemente aquelas realidades que parecem ser uma desordem, uma revolução nas nossas vidas, acabam por se revelar verdadeiras fontes de libertação e salvação. O Espirito de Deus leva-nos sempre mais longe do que poderíamos alguma vez suspeitar.
O convite do profeta Isaías para que o rei Acaz peça um sinal e o convite do anjo a José para que não tema o mistério que Maria transporta em si, mostram-nos que no meio dos nossos desastres, das nossas infidelidades, dos nossos medos, dos nossos passos incertos, Deus não deixa de estar presente, não deixa de se fazer presente e de modo quase táctil para que nós arrisquemos confiar nele.
Ao aproximar-se o Natal, em que podemos apreciar o Menino Deus na sua humildade e fragilidade de criança recém-nascida, não pode deixar de se colocar a questão da nossa confiança e do nosso medo face a Deus. Afinal de contas confiamos ou temos medo? Ousamos arriscar a confiança da fé ou refugiamo-nos nas nossas certezas e seguranças humanas?
José, numa atitude extraordinária, arriscou não temer, o que lhe valeu a capacidade de reconhecer a presença de Deus ao ponto de se silenciar para sempre, de não necessitar dizer mais nenhuma palavra. No amor confiante não necessitou perguntar nem dizer mais nada.
Que a contemplação do Filho de Deus menino deitado numa manjedoura ou nos braços de Maria, guardados por José, alimente a nossa confiança, a nossa fé, de modo a ousarmos não necessitar de mais palavras.

 

Ilustração: “São José Carpinteiro”, de Georges de la Tour, Museu do Louvre.

2 comentários:

  1. Que tenhamos a coragem de romper com as nossas certezas e confianças humanas para nos apoiarmos na certeza da nossa Fé é o que peço neste Natal ao Menino recem-nascido que é toda a nossa força, mesmo frágil e pequenino como se nos apresenta. Inter Pars

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  2. Caro Frei José Carlos,

    O texto da Homilia do IV Domingo do Advento que teceu ao colocar-nos perante as alterações dos projectos de vida de José e do rei Acaz remete-nos para a realidade de cada um de nós que no peregrinar da estrada da vida somos, várias vezes, surpreendidos pelos mais diversos acontecimentos e desafios que nos desestabilizam porque somos levados a enfrentar cenários desconhecidos, e a confiar, a não ter receio, a acreditar que as novas vivências são portadoras de bons frutos, são libertadoras e enriquecedoras. Quando olhamos retrospectivamente a forma como reagimos pode explicar-se não pela proposta em si, mas pela forma como é formulada, pelo contexto.
    E, se permite, passo a citá-lo …”As duas histórias e os dilemas que acarretam mostram-nos que frequentemente aquelas realidades que parecem ser uma desordem, uma revolução nas nossas vidas, acabam por se revelar verdadeiras fontes de libertação e salvação. O Espirito de Deus leva-nos sempre mais longe do que poderíamos alguma vez suspeitar.”…
    Que a atitude de Maria e José perante a proposta de Deus nos ajudem a estar mais abertos ao desconhecido e mais confiantes face a Deus porque a caminhada é feita juntamente com Jesus Cristo.
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília, profunda, que nos questiona e encoraja, exortando-nos ao aproximar-se o Natal a …”Que a contemplação do Filho de Deus menino deitado numa manjedoura ou nos braços de Maria, guardados por José, alimente a nossa confiança, a nossa fé, de modo a ousarmos não necessitar de mais palavras.”
    Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Votos de uma boa semana com paz, alegria, confiança e esperança. Um Santo Natal.
    Bom descanso.
    Um abraço mui fraterno e amigo,
    Maria José Silva

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