domingo, 15 de dezembro de 2013

Homilia do III Domingo do Advento

O terceiro domingo do Advento é chamado o domingo “gaudete”, o domingo da alegria, pois a meio do caminho de preparação para o Natal a leitura do profeta Isaías convida-nos a viver em alegria face à acção libertadora de Deus. Por esta razão aliviamos um pouco a cor roxa do Advento e celebramos com paramentos cor-de-rosa.
Contudo, não podemos deixar de ter presente que este convite e esta alegria se compaginam no mesmo domingo com a leitura do Evangelho de São Mates em que nos é revelada a dúvida e a incerteza de João Baptista face a Jesus, face às atitudes de Jesus.
João Baptista, que tinha reconhecido junto ao Jordão Jesus como o Cordeiro de Deus, que tinha enviado discípulos seus a segui-lo, vê-se agora diante de um Jesus que não é capaz de reconhecer, que se lhe torna estranho pelas suas atitudes e gestos.
E por esta razão, não podendo fazê-lo pessoalmente, uma vez que se encontra preso, procura saber pelos seus discípulos se pode ou não continuar a acreditar em Jesus, se pode ou não continuar a esperar a libertação que tinha anunciado no deserto.
Esta pergunta de João Baptista, esta noite da fé, para usar uma expressão de São João da Cruz, este encontro que é desencontro, é extremamente importante porque não só nos revela as diferenças conceptuais entre Jesus e João, mas também a situação em que nós próprios tantas vezes, ou tão frequentemente, nos encontramos.
Sabemos que João Baptista era filho de sacerdote e por isso podia ter seguido naturalmente a carreira e função do pai. No entanto, movido pelo espirito, aventura-se no deserto e desde aquele lugar de encontro com Deus começa a apelar à conversão.
É desde o deserto que João Baptista denúncia os pecados dos fariseus e publicanos, daqueles que exploravam a fé e o povo, daqueles que pactuavam com o opressor e o ocupante. João não tem qualquer receio em lhes chamar raça de víboras. É também desde o deserto que João acusa Herodes, que torna explicita publicamente a sua imoralidade.
Contudo, e ainda que nas franjas da sociedade, João não deixa de estar integrado, não deixa de continuar enquadrado pelas formas e modelos religiosos que controlavam e condicionavam a sociedade. O apelo de João à conversão continua conceptualmente enquadrado nos esquemas sacerdotais herdados e aprendidos de seu pai.
Talvez por esta razão, quando Jesus faz o seu elogio, e diz que não há ninguém maior que ele entre os filhos de mulher, conclui assumindo que ainda assim o menor no Reino dos Céus é maior que ele. João Baptista necessitava também de converter-se, e de converter-se à novidade de Jesus, àquelas realidades que estranhava e o escandalizavam.
Tal era necessário porque Jesus se tinha colocado numa posição diametralmente oposta, pois não só continuava no meio do povo, não se tinha afastado para o deserto como João, como mostrava através das suas relações, da frequência das casas e banquetes dos publicanos e fariseus que também eles eram pessoas, que a conversão a acontecer era viável pela proximidade e atenção solidárias e não apenas pela denúncia.
Jesus não se contenta com a denúncia da situação, com a acusação, Jesus vai ao encontro das situações, situa-se num quadro de operatividade em que o estar e o interpelar são fundamentais. Para Jesus, para além da acção, para além da mudança de vida, estava a pessoa e a sua capacidade de se encontrar com a bondade de Deus e reconhecer o seu amor paterno.
A conversão que Jesus procura não é assim a conversão mecânica, a conversão dos gestos exteriores, não é a conversão ritual, mas a conversão do coração que passa antes de mais pela conversão do olhar, da forma como nos olhamos, como olhamos os outros e como olhamos Deus com bondade e através da bondade.
Revelador desta necessidade da conversão do olhar são as três perguntas que Jesus coloca à multidão depois dos enviados de João Baptista se terem retirado. Afinal o que tinham ido ver ao deserto, uma cana agitada pelo vento, alguém vestido de roupas finas, ou um profeta?
Estas perguntas, conduzindo ao inusitado do profeta baptista, conduzem igualmente à necessidade do acolhimento do outro e da sua novidade, e consequentemente por paralelismo ao acolhimento da novidade e da extravagância da acção de Deus por intermédio de Jesus.
Necessidade que se apresenta como o grande desafio que nos deixam os textos deste domingo da alegria, pois somos convocados a acolher na alegria, alicerçados na bondade, perseverantes na paciência, o inusitado e o estranho da acção de Deus.
Deus é sempre mais do que aquilo que podemos imaginar ou conceber e a sua acção amorosa não conhece barreiras nem fronteiras. Cabe-nos acolher a novidade sempre nova do seu amor.

 
Ilustração:
1 – “São João”, Autor desconhecido, Real Academia Catalã de Belas Artes Saint Jordi.
2 – “Última Ceia”, de Károly Kernstok, Galeria Nacional da Hungria.

 

2 comentários:

  1. Caro Frei José Carlos,

    Grata pela partilha da Homília do III Domingo do Advento que teceu. Alguns de nós continuam a interrogar-se aquando da leitura e/ou da escuta do excerto do Evangelho de São Mateus (11,2-11) sobre o porquê das dúvidas de João Baptista sobre Jesus. Como nos afirma no texto …”Contudo, e ainda que nas franjas da sociedade, João não deixa de estar integrado, não deixa de continuar enquadrado pelas formas e modelos religiosos que controlavam e condicionavam a sociedade. O apelo de João à conversão continua conceptualmente enquadrado nos esquemas sacerdotais herdados e aprendidos de seu pai.”…
    Como nos salienta para converter-se não basta a denúncia, é necessária a proximidade aos outros, amar o seu semelhante, ter paciência, misericórdia, ter tempo para ouvir o outro, estar disponível a sacrificar-se pelo próximo, como Jesus operou. E, se me permite, passo a citá-lo …” Jesus não se contenta com a denúncia da situação, com a acusação, Jesus vai ao encontro das situações, situa-se num quadro de operatividade em que o estar e o interpelar são fundamentais.(…)
    (...) A conversão que Jesus procura não é assim a conversão mecânica, a conversão dos gestos exteriores, não é a conversão ritual, mas a conversão do coração que passa antes de mais pela conversão do olhar, da forma como nos olhamos, como olhamos os outros e como olhamos Deus com bondade e através da bondade.”…
    E que difícil é atingirmos esse nível de conversão, Frei José Carlos, porque esta é a única que é verdadeira, interior, profunda ... As observações de Jesus também se dirigem a cada um de nós.
    Saibamos acolher o convite que nos deixa ...” acolher a novidade sempre nova do amor de Deus”.
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília, profunda, esclarecedora, que nos enche de confiança, esperança e desafia-nos ao recordar que …” Deus é sempre mais do que aquilo que podemos imaginar ou conceber e a sua acção amorosa não conhece barreiras nem fronteiras.”
    Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Bom início de semana.
    Um abraço fraterno e amigo,
    Maria José Silva

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  2. Frei José Carlos,

    Ao ler e reler com muito interesse a Homília do III Domingo do Advento,muito profunda e esclarecedora,que nos dá força para prosseguirmos o caminho de preparação para a chegada do Messias,com mais alegria e confiança,nada fácil de ultrapassar certas barreiras que nos impedem muitas vezes de avançar em frente,com coragem e determinação.Como nos diz o Frei José Carlos...Deus é sempre mais do que aquilo que podemos imaginar ou conceber e a sua acção amorosa não conhece barreiras nem fronteiras.Cabe-nos acolher a novidade sempre nova do seu amor.É um desafio muito importante que nos deixou,para uma Meditação profunda.Obrigada,Frei José Carlos,pelas palavras partilhadas,tão cheias de sentido.Que o Senhor o ilumine o proteja e o abençoe.Continuação de uma boa semana com paz e alegria.Desejo-lhe um bom dia.Bem-haja.
    Um abraço fraterno.
    AD

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