segunda-feira, 10 de março de 2014

Quando foi que te vimos? (Mt 25,37)

O capítulo vinte e cinco do Evangelho de São Mateus é surpreendente, pois num bloco conciso é-nos apresentada a parábola das virgens loucas e sensatas, a parábola dos talentos e como conclusão o juízo final em que se faz a destrinça entre as ovelhas e os cabritos, entre aqueles que tiveram um gesto diferente para com os mais pequenos e frágeis e os que não foram capazes de tal gesto.
Mas se este juízo nos surpreende pela simplicidade dos gestos a que somos convidados, e pelos quais manifestamos a presença de Deus nos outros, não é menos surpreendente o ponto de partida que nos coloca em movimento e provoca, como é o olhar.
Por isso a admiração e a pergunta daqueles que estão a ser julgados, quando te vimos com fome ou sede, quando te vimos doente ou preso? A acção parte do olhar e do modo como se olha.
E na nossa sociedade e cultura este olhar é um desafio que se nos apresenta de forma inquietante, uma vez que tendemos a esconder aquele que sofre, aquele que está doente, aquele que é mais velho. Muitas das realidades de que nos fala o juízo do Evangelho tornaram-se hoje invisíveis.
O Evangelho aparece-nos assim uma vez mais como uma revolução, como uma subversão dos nossos princípios, dos valores com que nos orientamos e construímos a nossa sociedade e as suas relações.
Deus não só se coloca do lado dos mais frágeis, daqueles que menos podem, dos excluídos, como nos convida a todos a colocarmo-nos na sua óptica e do seu lado, partilhando a nossa fragilidade, ou força, com aqueles que são verdadeiramente frágeis.
Somos assim convidados, neste tempo da Quaresma, a ter os olhos mais abertos, a ver de outro modo, a reconhecer Deus presente naquelas realidades e pessoas que a nossa sociedade procura esconder, retirar da nossa vista.


Ilustração: “A Caridade”, fresco de Johann Michael Rottmayr, na Karlskirche, Viena.
 

3 comentários:

  1. Agradecer uma "partilha" não é também pôr-se diante de Deus e reconhecer a Sua acção e oferecer~Lhe tudo o que nos é oferecido? Inter Pars

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  2. É surpreendente a proposta que Deus nos faz neste início de Quaresma : olhar, com amor ,pelos frágeis, pelos que necessitam apoio, pelos que passam ao nosso lado sem que demos por eles...
    Obrigado pela possibilidade de meditação. CR1

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  3. Caro Frei José Carlos,

    O texto da Meditação que partilha leva-nos a reflectir no percurso de cada um de nós, na nossa história de vida, nos nossos comportamentos relativamente aos outros particularmente em certas situações.
    Há atitudes que não mudaram perante o sofrimento do outro ao longo da história, mas na sociedade em que vivemos há uma indiferença crescente. Consideramos que todo o auxílio deve estar institucionalizado, afirmando “aos quatros ventos” que a “caridade” não deve existir … É mais cómodo, seguro, ficar surdo, indiferente às fragilidades que surgem na vida dos outros, à dor física e espiritual, por vezes, bem próxima de cada um de nós, não partilhar a(s) nossa(s) própria(s) fragilidade(s). Ou se numa primeira abordagem estamos disponíveis, em breve, ficamos saturados … Felizmente, continua a haver gestos de Bons Samaritanos que nada esperam como recompensa, cuja acção é gratuita, é pura compaixão, fraternidade!
    Como nos salienta no texto que teceu …”O Evangelho aparece-nos assim uma vez mais como uma revolução, como uma subversão dos nossos princípios, dos valores com que nos orientamos e construímos a nossa sociedade e as suas relações.”…
    Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, profundas, que nos desinstalam, por convidar-nos …”neste tempo da Quaresma, a ter os olhos mais abertos, a ver de outro modo, a reconhecer Deus presente naquelas realidades e pessoas que a nossa sociedade procura esconder, retirar da nossa vista.”
    Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o proteja.
    Bom descanso.
    Um abraço mui fraterno e amigo,
    Maria José Silva

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