O Evangelho que
acabámos de escutar começa com um convite extremamente importante, um convite que
nos diz respeito a todos e que, acolhido, inevitavelmente molda a nossa vida, a
forma como nos posicionamos na vida e enfrentamos os diversos desafios que ela
encerra, um convite que molda até a nossa fé e relação com Deus.
“Não se perturbe o
vosso coração” é o convite ou apelo que Jesus nos faz, tal como fez aos discípulos,
quando depois de lhes lavar os pés lhes anunciou a traição de um dos presentes
e a negação de um outro também ali ao seu lado.
Face ao gesto inusitado
da lavagem dos pés e ao que ele significava, face ao anúncio das traições, como
poderiam eles não ficar perturbados? E contudo, o apelo surgiu, tranquilo,
pacificador, não como um anestésico, mas como uma garantia, um seguro face ao
que se perspectivava de trágico.
Este convite ecoa
pacificador ainda hoje, e de modo particular quando somos confrontados com as
questões que o mesmo Evangelho expressa sobre o desejo de ver Deus e o caminho
a seguir para lhe ser fiel, para nos encontrarmos com a verdade que constitui a
nossa vida.
A pergunta, ou pedido,
de Filipe a Jesus para que lhes mostre o Pai é afinal o pedido e pergunta que
todos transportamos connosco, mesmo aqueles que na sua racionalidade não querem
fazer a pergunta ou colocar o pedido.
Para os que não querem
acreditar, os que se recusam a acreditar, as perguntas que derivam da nossa experiência
de finitude permanecem e permanecem sem resposta. Os limites da vida, a
fragilidade, a insegurança que tais limites provocam, apelam a um pedido, a uma
visão de Deus, e portanto à existência inequívoca dessa questão e desse pedido.
Surpreendentemente
Jesus responde a Filipe apontando-se como a presença de Deus, como a
visibilidade de Deus, como a resposta a esse desejo de ver Deus face a face. Quem
me vê, vê o Pai.
A pessoa de Jesus é a
visibilidade do Pai, a visibilidade de Deus passa das manifestações teofânicas,
dos grandes sinais de que o Antigo Testamento nos dá um testemunho histórico,
para a nossa humanidade, para a dimensão da condição humana, feita à imagem e
semelhança de Deus.
Compreende-se assim e
imediatamente a importância dada por Jesus à pessoa humana, ao seu bem-estar físico
e espiritual, pois afinal o humano é a habitação visível de Deus, é o templo
mais perfeito para a divindade. Vós sois templos de Deus.
A consciência desta
realidade humana e potencialidade divina deveria conduzir-nos a uma confiança,
a uma imperturbabilidade face a tantas realidades e circunstâncias que marcam a
nossa vida. A esperança é certamente a virtude mais operativa daqueles que
vivem nesta consciência e confiança, pois sabem que Deus está sempre presente,
Deus vive neles e age através deles.
O convite a não deixar
que o coração se perturbe vem também ao encontro do pedido que faz Tomé, ao
desejo de saber qual o caminho para seguir Jesus, desejo que tantas vezes nos
provoca dúvidas, medo, ao qual tantas vezes respondemos com inércia ou até com indiferença.
Ainda que
desconheçamos o caminho a seguir, como alinhar a nossa vida com a vontade de
Deus, com o desejo profundo de realização plena, Jesus convida-nos a confiar e
a confiar nele como possibilidade de caminho, verdade e vida.
Jesus na sua revelação
como presença do Pai, como visibilidade de Deus, apresenta-se também como
manifestação do grande amor e da bondade de Deus Pai para com toda a sua obra
criada, e portanto optar por segui-lo como caminho, como proposta de vida, é
encontrar-se objectivamente com essa bondade e amor.
Jesus conduz-nos assim,
na nossa prossecução de vida à semelhança da sua, ao encontro da verdade e da
vida, ao mais profundo da nossa existência que é a nossa identidade de filhos
de Deus e habitação do Espirito de Deus, à divinidade que nos é natural pelo
amor de Deus para connosco.
Neste sentido percebemos
as palavras da Carta de São Pedro, quando nos diz que Jesus é uma pedra
escolhida, uma pedra com uma missão, a de construção ou destruição, na medida
em que a acolhemos e aderimos ou nos escandalizamos e a rejeitamos.
É a abertura e o
acolhimento confiante, sem medo, e sem qualquer perturbação, que nos pode de
facto constituir como pedras vivas, como pedras que entram na construção desse edifício
de que Jesus nos deixou o modelo e o projecto, e de que Ele próprio é a pedra
angular, o princípio e o fim.
Libertemo-nos portanto
do medo que nos tolhe, do medo face ao desconhecido e ao futuro, uma vez que estamos
nas mãos de Deus, que somos transportados como cordeiros no regaço do pastor. Como
São Paulo prefiramos colocar-nos nas mãos de Deus e face à sua justiça que nas
mãos dos homens que hoje vivem mas amanhã já são pó da terra. Deus é a nossa
vida e nada nos deixará faltar. Confiemos serenos!
1 – “Jesus lava os pés aos discípulos”, de Palma Il Giovane, Veneza.
2 – “A Dúvida de Tomé”, de Béla Ivanyi-Grunwald, Galeria Nacional da Hungria.
Caro Frei José Carlos,
ResponderEliminarComo podemos ler no excerto do Evangelho de São João e no texto da Homilia que teceu no V Domingo do Tempo Pascal, há uma nova verbalização de Jesus no diálogo com os discípulos antes da passagem para o Pai, preparando-os para a separação e que se dirigem também a cada um de nós: «Não se perturbe o vosso coração. Se acreditais em Deus, acreditai também em Mim.” … Palavras de conforto que nos deveriam dar tranquilidade e confiança. Mas à semelhança das perguntas de Tomé e Filipe, continuamos a colocar questões, levando Jesus a ir mais além, relevando-se: … «Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por Mim. Se Me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai.”…
Deus aproxima-se de nós, através de Jesus, vindo habitar em nós, e como nos salienta …” Compreende-se assim e imediatamente a importância dada por Jesus à pessoa humana, ao seu bem-estar físico e espiritual, pois afinal o humano é a habitação visível de Deus, é o templo mais perfeito para a divindade. Vós sois templos de Deus.” (…)
(…) Jesus conduz-nos assim, na nossa prossecução de vida à semelhança da sua, ao encontro da verdade e da vida, ao mais profundo da nossa existência que é a nossa identidade de filhos de Deus e habitação do Espirito de Deus, à divinidade que nos é natural pelo amor de Deus para connosco.”…
Grata, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Homilia, profunda, por ajudar-nos na compreensão da Palavra, pela serenidade e confiança que nos transmite, por exortar-nos a …” Libertar-nos portanto do medo que nos tolhe, do medo face ao desconhecido e ao futuro, uma vez que estamos nas mãos de Deus, que somos transportados como cordeiros no regaço do pastor.”… Bem-haja.
Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
Votos de um bom dia e de uma boa semana.
Um abraço mui fraterno e amigo,
Maria José Silva