domingo, 18 de maio de 2014

Homilia do V Domingo do Tempo Pascal

O Evangelho que acabámos de escutar começa com um convite extremamente importante, um convite que nos diz respeito a todos e que, acolhido, inevitavelmente molda a nossa vida, a forma como nos posicionamos na vida e enfrentamos os diversos desafios que ela encerra, um convite que molda até a nossa fé e relação com Deus.
“Não se perturbe o vosso coração” é o convite ou apelo que Jesus nos faz, tal como fez aos discípulos, quando depois de lhes lavar os pés lhes anunciou a traição de um dos presentes e a negação de um outro também ali ao seu lado.
Face ao gesto inusitado da lavagem dos pés e ao que ele significava, face ao anúncio das traições, como poderiam eles não ficar perturbados? E contudo, o apelo surgiu, tranquilo, pacificador, não como um anestésico, mas como uma garantia, um seguro face ao que se perspectivava de trágico.
Este convite ecoa pacificador ainda hoje, e de modo particular quando somos confrontados com as questões que o mesmo Evangelho expressa sobre o desejo de ver Deus e o caminho a seguir para lhe ser fiel, para nos encontrarmos com a verdade que constitui a nossa vida.
A pergunta, ou pedido, de Filipe a Jesus para que lhes mostre o Pai é afinal o pedido e pergunta que todos transportamos connosco, mesmo aqueles que na sua racionalidade não querem fazer a pergunta ou colocar o pedido.
Para os que não querem acreditar, os que se recusam a acreditar, as perguntas que derivam da nossa experiência de finitude permanecem e permanecem sem resposta. Os limites da vida, a fragilidade, a insegurança que tais limites provocam, apelam a um pedido, a uma visão de Deus, e portanto à existência inequívoca dessa questão e desse pedido.
Surpreendentemente Jesus responde a Filipe apontando-se como a presença de Deus, como a visibilidade de Deus, como a resposta a esse desejo de ver Deus face a face. Quem me vê, vê o Pai.
A pessoa de Jesus é a visibilidade do Pai, a visibilidade de Deus passa das manifestações teofânicas, dos grandes sinais de que o Antigo Testamento nos dá um testemunho histórico, para a nossa humanidade, para a dimensão da condição humana, feita à imagem e semelhança de Deus.
Compreende-se assim e imediatamente a importância dada por Jesus à pessoa humana, ao seu bem-estar físico e espiritual, pois afinal o humano é a habitação visível de Deus, é o templo mais perfeito para a divindade. Vós sois templos de Deus.
A consciência desta realidade humana e potencialidade divina deveria conduzir-nos a uma confiança, a uma imperturbabilidade face a tantas realidades e circunstâncias que marcam a nossa vida. A esperança é certamente a virtude mais operativa daqueles que vivem nesta consciência e confiança, pois sabem que Deus está sempre presente, Deus vive neles e age através deles.
O convite a não deixar que o coração se perturbe vem também ao encontro do pedido que faz Tomé, ao desejo de saber qual o caminho para seguir Jesus, desejo que tantas vezes nos provoca dúvidas, medo, ao qual tantas vezes respondemos com inércia ou até com indiferença.
Ainda que desconheçamos o caminho a seguir, como alinhar a nossa vida com a vontade de Deus, com o desejo profundo de realização plena, Jesus convida-nos a confiar e a confiar nele como possibilidade de caminho, verdade e vida.
Jesus na sua revelação como presença do Pai, como visibilidade de Deus, apresenta-se também como manifestação do grande amor e da bondade de Deus Pai para com toda a sua obra criada, e portanto optar por segui-lo como caminho, como proposta de vida, é encontrar-se objectivamente com essa bondade e amor.
Jesus conduz-nos assim, na nossa prossecução de vida à semelhança da sua, ao encontro da verdade e da vida, ao mais profundo da nossa existência que é a nossa identidade de filhos de Deus e habitação do Espirito de Deus, à divinidade que nos é natural pelo amor de Deus para connosco.
Neste sentido percebemos as palavras da Carta de São Pedro, quando nos diz que Jesus é uma pedra escolhida, uma pedra com uma missão, a de construção ou destruição, na medida em que a acolhemos e aderimos ou nos escandalizamos e a rejeitamos.
É a abertura e o acolhimento confiante, sem medo, e sem qualquer perturbação, que nos pode de facto constituir como pedras vivas, como pedras que entram na construção desse edifício de que Jesus nos deixou o modelo e o projecto, e de que Ele próprio é a pedra angular, o princípio e o fim.
Libertemo-nos portanto do medo que nos tolhe, do medo face ao desconhecido e ao futuro, uma vez que estamos nas mãos de Deus, que somos transportados como cordeiros no regaço do pastor. Como São Paulo prefiramos colocar-nos nas mãos de Deus e face à sua justiça que nas mãos dos homens que hoje vivem mas amanhã já são pó da terra. Deus é a nossa vida e nada nos deixará faltar. Confiemos serenos!

 
Ilustração:
1 – “Jesus lava os pés aos discípulos”, de Palma Il Giovane, Veneza.
2 – “A Dúvida de Tomé”, de Béla Ivanyi-Grunwald, Galeria Nacional da Hungria.

1 comentário:

  1. Caro Frei José Carlos,

    Como podemos ler no excerto do Evangelho de São João e no texto da Homilia que teceu no V Domingo do Tempo Pascal, há uma nova verbalização de Jesus no diálogo com os discípulos antes da passagem para o Pai, preparando-os para a separação e que se dirigem também a cada um de nós: 
«Não se perturbe o vosso coração. 
Se acreditais em Deus, acreditai também em Mim.” … Palavras de conforto que nos deveriam dar tranquilidade e confiança. Mas à semelhança das perguntas de Tomé e Filipe, continuamos a colocar questões, levando Jesus a ir mais além, relevando-se: …
«Eu sou o caminho, a verdade e a vida. 
Ninguém vai ao Pai senão por Mim. 
Se Me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai.”…
    Deus aproxima-se de nós, através de Jesus, vindo habitar em nós, e como nos salienta …” Compreende-se assim e imediatamente a importância dada por Jesus à pessoa humana, ao seu bem-estar físico e espiritual, pois afinal o humano é a habitação visível de Deus, é o templo mais perfeito para a divindade. Vós sois templos de Deus.” (…)
    (…) Jesus conduz-nos assim, na nossa prossecução de vida à semelhança da sua, ao encontro da verdade e da vida, ao mais profundo da nossa existência que é a nossa identidade de filhos de Deus e habitação do Espirito de Deus, à divinidade que nos é natural pelo amor de Deus para connosco.”…
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Homilia, profunda, por ajudar-nos na compreensão da Palavra, pela serenidade e confiança que nos transmite, por exortar-nos a …” Libertar-nos portanto do medo que nos tolhe, do medo face ao desconhecido e ao futuro, uma vez que estamos nas mãos de Deus, que somos transportados como cordeiros no regaço do pastor.”… Bem-haja.
    Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Votos de um bom dia e de uma boa semana.
    Um abraço mui fraterno e amigo,
    Maria José Silva

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