domingo, 24 de agosto de 2014

Homilia do XXI Domingo do Tempo Comum

As férias que estamos a viver ou que vivemos neste mês de Agosto para muitos de nós significam uma mudança de lugar, uma mudança de ares, e por isso vamos uns dias até à praia ou até ao campo. Necessitamos mudar de registo, de rotina, de ambiente, para regressar como novos aos ritmos e rotinas que constituem o nosso quotidiano.
A leitura do Evangelho que escutámos parte também desta mesma realidade, Jesus e os discípulos saíram dos seus lugares habituais e foram para os lados de Cesareia de Filipe. Poderíamos dizer que foram de férias.
Contudo, estas férias, esta mudança de lugar e ares, possibilitaram a Jesus e aos discípulos uma experiência profundamente nova, verdadeiramente radical, o confronto com uma questão que nos devia alcançar também nas nossas férias e no nosso tempo merecido de descanso, quem dizemos nós que é Jesus?
E neste sentido voltamos à precisão geográfica que tanto os evangelistas Marcos como Mateus fazem questão de apontar, indicando-nos que a pergunta que Jesus coloca em Cesareia de Filipe tem algo mais a dizer, exige uma reflexão para uma resposta minimamente correcta.
Cesareia de Filipe era uma cidade construída pelo tetrarca Herodes Filipe com o objectivo de homenagear e honrar o imperador de Roma Cesar Augusto. Era um tributo ao poder, à glória do império, era uma imagem bem presente do poder e da grandeza deste mundo.
Ao questionar os discípulos sobre a sua identidade, Jesus está a colocar esta realidade mundana, imperial, em confronto com a sua actividade, com os gestos e palavras que os discípulos conheciam, assim como com as expectativas de poder e glória que cada um transportava no seu coração e que no momento oportuno se irão manifestar. O seguimento exigia uma opção e ela tinha que ser também iluminada pela realidade das circunstâncias para poder ser verdadeira.
Ao retirar-nos para o campo ou para a praia, ao desfrutar do silêncio, do sossego, dos amigos e da alegria da sua companhia, da beleza da natureza e da criação de Deus, não deveriam estas realidades iluminar a nossa fé, não deveriam ajudar-nos a dizer de melhor forma quem é Jesus e qual é o projecto de Deus para cada um de nós e para a humanidade?
Ao regressarmos ao ritmo alucinante do trabalho e da nossa vida urbana, as férias deveriam ter-nos ajudado a encontrar o sentido para vivermos de forma diferente o nosso quotidiano, um quotidiano no qual a beleza, a paz, a harmonia, e a fraternidade deveriam estar presentes.
Os lugares paradisíacos das nossas férias manifestam-nos que somos mais que máquinas de produção e consumo, que somos uma magnífica obra de Deus e portanto é nossa obrigação viver plenamente essa magnificência, reconstruir o paraíso nos nossos lugares quotidianos.
Este lugar estrangeiro, inusitado ao quotidiano, foi o lugar para Jesus colocar uma questão fundamental, uma questão que pode à primeira vista parecer uma sondagem, mas cujas respostas evidenciam bastante bem a diferença e o objectivo de Jesus ao passar para Cesareia de Filipe.
As respostas dadas pelos discípulos, nomeadamente no que diz respeito ao que os outros diziam de Jesus, põem de manifesto uma tremenda falta de conhecimento e reconhecimento, uma manobra subversiva que visa passar ao lado daquele que se mostra diferente.
Ao dizerem que Jesus era algum dos profetas, ou Jeremias ou Elias, ou até João Baptista, uma figura do passado, os discípulos e todos aqueles dos quais eles se faziam eco manifestam um bloqueio, um passar ao lado da novidade que Jesus representa e que exige conversão, uma mudança e um acolhimento.
E neste sentido, também nós podemos formular uma resposta que fica no passado, que não nos toca nem compromete, pois podemos dizer que Jesus é um profeta, um revolucionário, uma figura muito importante, mas que permanece no passado da história e no arquivo dos nossos conhecimentos culturais.  
A resposta que nos é solicitada com discípulos é a resposta de Pedro, uma resposta muitas vezes incompreensível, inabarcável na sua profundidade, mas que nos abre ao acolhimento, uma resposta que manifesta a nossa disponibilidade para fazer o percurso dum conhecimento mais profundo e íntimo.
Pedro só encontrará o sentido cabal da sua resposta, “tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”, na manhã de Páscoa, ou nas muitas manhãs que se sucederão à manhã de Páscoa. A resposta de Pedro não é a resposta do catecismo judaico, da doutrina oficial, não é uma fórmula aprendida, mas a insinuação de um desejo de conhecimento e experiência que será satisfeito dia após dia, intimidade após intimidade, experiência após experiência com Jesus.
A resposta de Pedro, não dada pela carne mas pelo espirito, é por isso um novo nascimento, o nascimento de que Jesus fala a Nicodemos no Evangelho de São João, e que se repercute na mudança de nome. Simão passa a Pedro, um homem novo que se apelida como pedra na medida em que se liga à verdadeira pedra, à pedra angular sobre a qual assenta todo o edifício e sobre a qual ele assenta a sua vida.
As nossas férias, com o que comportam de extraordinário, de contraste, deveriam por isso despertar-nos para uma resposta à questão de Jesus, uma resposta que é apenas um princípio, um esboço a aperfeiçoar constantemente até à plenitude.
O nosso dizer de Jesus será assim sempre mais puro e verdadeiro, mais correcto, na medida em que representar a manifestação de um desejo, a disponibilidade para um caminho a percorrer, a audácia para a aventura num desconhecido. As respostas completas, conseguidas, doutrinais, evidenciam apenas que já não estamos abertos nem disponíveis para a novidade, que Jesus ou já está no passado ou está a passar-nos ao lado.
Como nos diz São Paulo a sabedoria de Deus é profunda, insondável e por isso Santa Catarina de Sena quanto mais mergulhava nela mais desejo sentia de mergulhar. Também nós necessitamos desejar e mergulhar nessa profundidade abismal para sermos gerados para a vida eterna.

 
Ilustração:
1 – “Jesus e o jovem rico”, de Andrey Mironov.
2 – “Conhecimento e fé”, de Andrey Mironov.

1 comentário:

  1. Caro Frei José Carlos,

    Reli e meditei sobre o texto da Homilia do XXI Domingo do Tempo Comum que elaborou como acontece com este excerto do Evangelho de São Mateus (16, 13-20) ou São Marcos (8, 27-29), diálogo de Jesus com os discípulos sobre a maturidade da fé, do homem e de cada um deles. A confissão de Pedro «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo» é um desafio permanente para cada um de nós, em que aferimos a nossa relação com Deus, a nossa fé.
    Como nos afirma …”A resposta de Pedro não é a resposta do catecismo judaico, da doutrina oficial, não é uma fórmula aprendida, mas a insinuação de um desejo de conhecimento e experiência que será satisfeito dia após dia, intimidade após intimidade, experiência após experiência com Jesus.”…
    Na realidade, as férias ou qualquer outra pausa, deveriam ser momentos libertadores para o nosso coração e mente, de silêncio, de beleza, favoráveis à recriação e purificação, à paz e alegria, para …”despertar-nos para uma resposta à questão de Jesus, uma resposta que é apenas um princípio, um esboço a aperfeiçoar constantemente até à plenitude.”…
    Mas, tal como Pedro, no peregrinar da vida, alguns de nós, assumimos o mesmo comportamento de Pedro, respondendo com convicção «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo»; noutros momentos, negando-O ou duvidando.
    Que o Senhor nos ajude a conhecer-nos melhor, a não ter medo de mergulhar nas nossas profundezas, ...” nessa profundidade abismal para sermos gerados para a vida eterna.”
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Homilia, profundo, esclarecedor, que nos transmite força e confiança, ao recordar-nos que …”O nosso dizer de Jesus será assim sempre mais puro e verdadeiro, mais correcto, na medida em que representar a manifestação de um desejo, a disponibilidade para um caminho a percorrer, a audácia para a aventura num desconhecido.”…
    Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Continuação de boa semana.
    Um abraço mui fraterno,
    Maria José Silva

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