segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Plano de Reforma Económica dos Dominicanos Portugueses em 1821

As férias são tempo de descanso, mas podem ser também uma oportunidade para nos dedicarmos de uma forma mais aplicada a determinadas actividades que nos dão prazer, como a leitura ou o desporto.
As minhas últimas férias permitiram-me regressar a uma actividade que me dá imenso gozo e que há algum tempo a esta parte não tenho podido realizar, a investigação histórica, o queimar as pestanas atrás de informações que se encontram em documentos guardados em arquivos.
Entre algumas coisas que descobri, partilho hoje uma Carta que o Prior Provincial frei Cristóvão de Santa Catarina de Sena dirigiu a todos os Priores e Superiores dos Conventos Dominicanos em Agosto de 1821.
É uma reforma da administração económica dos conventos, reforma que não deixa de ter em atenção as situações particulares de necessidade, como os doentes, e que não deixa de implicar todos os frades na sua prossecução, pois como diz um adágio antigo, o que é de todos deve ser cuidado por todos.
 
Frei Cristóvão de Santa Catarina de Sena, Mestre em Santa Teologia, e Prior Provincial da Ordem dos Pregadores neste unido de Portugal etc. [sic]
Ao Reverendo Padre Presentado Prior, e Comunidade do nosso Convento de São Domingos do Porto, saúde e paz em Jesus Cristo.
Tendo-se introduzido pela ordem dos tempos, vários e diferentes abusos na administração económica dos nossos Convento, e desejando nós remediar tais abusos, e fazer cessar de uma vez para sempre os males, que deles resultam, e promover quanto em nós é observância das nossas Sagradas Leis, achamos, que é do nosso dever mandar observar, como pela presente mandamos, em todos os Conventos da nossa obediência os Artigos seguintes, que depois de um maduro exame se fizeram e já se acham em plena execução neste Convento de São Domingos de Lisboa.
É proibido debaixo de preceito formal de Santa obediência ao Prelado do Convento, qualquer que seja a sua denominação fazer contractos, receber dinheiros, e passar recibos, sem o concurso e assinatura do Padre Síndico ou Procurador, e a Comunidade poderá rescindir e reputar nulos, e de nenhum efeito tais contractos.
Observar-se-á, debaixo do mesmo preceito religiosamente a nossa Sagrada Constituição pelo que pertence ao Depósito da Comunidade, sendo aplicada ao que infringir a Lei nesta parte, a pena de deposição que a mesma Lei lhe impõe, logo que a Comunidade requeira legalmente, e com provas autênticas do facto ou factos.
Não poderá o Prelado de hoje em diante mandar fazer obra alguma no Convento ou prédios a ele pertencentes, sem que seja aprovada em Concelho de Comunidade, de que se lavrará auto.
Reduzirá o número dos Criados ao menor número possível, e porá os seus salários, e rações em devida proporção com os actuais preços de todos os géneros.
Será o Prelado obrigado impreterivelmente a fazer as Contas às receitas, e despesa todos os meses, cujas verbas nunca poderão ser feitas por ele Prelado, nem pelo Padre Síndico, e ficarão – ipso facto – suspensos os Depositários que as assinarem assim feitas.
Serão todos os Livros de receita e despesa numerados, e rubricados pelos dois Depositários, que mencionam no termo o número das folhas.
O Prelado será obrigado a dar contas todos os semestres do estado do Convento, apresentando à Comunidade um mapa da receita e despesa junto com os livros competentes, que estarão patentes por três dias a todo e qualquer Padre que as queira verificar: estes dias são os primeiros de Abril e Outubro.
Não se tolerarão de hoje em diante mais diferenças na ração diária, sólida, ou líquida, do que aquelas que exigir o particular estado da moléstia de algum religioso, ou aquelas, que são autorizadas pelas nossas Leis.
Haverá nomeado pelo Prelado com a Comunidade um Religioso de caridade para vigiar particularmente sobre o bom tratamento dos Doentes, e o Convento os proverá de todo o preciso para o seu curativo, aprontando-lhe roupas sendo preciso, Médico à sua escolha, remédio, alimentos, e criados, conforme a necessidade do enfermo.
10º
Quando qualquer Religioso precisar de banhos, caldas, Águas férreas, ou outros remédios, que não podem usar-se no Convento, o Prelado com o Concelho da Comunidade, tomando em consideração a informação do Médico, sobre a precisão do remédio, arbitrará ao Religioso uma ajuda de custo para a jornada e casas, e 480 reis diários, durante o uso do dito remédio.
11º
Todos os Padres desse Convento ficarão pela presente constituídos zeladores, e fiscais de execução dos Artigos acima, e obrigados a denunciar-nos toda, e qualquer transgressão a fim de darmos as providências, que o caso pedir, e as nossas Leis determinam.
 
Considerando nós, que estas disposições são inteiramente conformes com as nossas Sagradas Constituições, e com os preceitos da caridade, esperamos que todos os nossos súbditos as abracem e cumpram fielmente, como o único remédio contra os abusos, que se têm introduzido na administração económica; mas para que o Reverendo Padre Presentado Prior tenha maior merecimento lhe mandamos debaixo do preceito formal de Santa obediência, que cumpra, e faça cumprir e guardar fiel e exactamente os artigos acima declarados; mandando ler esta em acto de Comunidade, e copiar no Livro dos Concelhos, debaixo do mesmo preceito mandamos a todos e a cada um dos Religiosos igual observância cumprimento, e fiscalização.
In nomine Patris, et Filli, et Spiritus Sancti. Amen.
 
Dada no nosso Convento de São Domingos de Lisboa sob nosso sinal, selo aos 24 de Agosto de 1821
Frei Cristóvão de Santa Catarina de Sena
Prior Provincial
 
Registado a folhas 95
Frei Ambrósio Metella Villa Lobos
Mestre Secretário e Companheiro  

 

Ilustração: “O manuscrito perdido”, de Jean Henri De Coene

2 comentários:

  1. Caro Frei José Carlos,

    Foi com satisfação que li a partilha da Carta que o Prior Provincial frei Cristóvão de Santa Catarina de Sena dirigiu a todos os Priores e Superiores dos Conventos Dominicanos em Agosto de 1821 sobre o Plano de Reforma Económica dos Conventos sobre diferentes dimensões e que ilustrou de forma tão interessante.
    Permita-me que respigue um excerto que escreveu sobre a mesma …” É uma reforma da administração económica dos conventos, reforma que não deixa de ter em atenção as situações particulares de necessidade, como os doentes, e que não deixa de implicar todos os frades na sua prossecução, pois como diz um adágio antigo, o que é de todos deve ser cuidado por todos.”… Convento não significa “comunidade”, Frei José Carlos?
    Foi bom … recordar algumas partilhas que elaborou sobre a História da Província. Bem-haja. Em férias ou em qualquer tempo ou lugar é importante documentar e divulgar o passado que é fonte de saber, de reflexão sobre o presente e de preparação do futuro. Bem-haja. Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Continuação de boa semana. Bom descanso.
    Um abraço mui fraterno,
    Maria José Silva

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  2. Olá Caro Frei José Carlos,

    Já algum tempo que não trocamos palavras, mas é com satisfação que recordo a nossa conversa tida salvo erro num domingo de manhã e a qual ficaria muito grato aquando de uma "aberta" na sua agenda, me possa dar o prazer de a repetir.

    Se a memória não me falha, também li esta carta salvo erro no Livro do Sindico do Convento de Nossa Senhora dos Fiéis de Deus, em arquivo na Torre do Tombo. Onde outra coisas curiosas aparecem outras pérolas relacionados com aquela época em particular da vida em comunidade, que creio se começava um pouco a degradar em face também da moldura política que a circundava. Diria quase como no século XIV aquando da oposição Claustrais/Observantes. Uma delas é a carta do Intendente da Policia Pina Manique, também ai lavrada para registo, e outras mais a nivel local próprias do Convento de Nossa Senhora dos Fiéis de Deus, Pena, em minha opinião, o tempo não tenha permitido as reformas seguirem avante e a cegueira de 1834 tudo ter destruído.

    Um abraço sincero,
    Nuno Cruz

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