segunda-feira, 19 de abril de 2010

Homilia Domingo III da Páscoa

O Evangelho deste terceiro domingo do tempo pascal apresenta-nos aquela que segundo o Evangelho de São João foi a terceira e última aparição de Jesus aos discípulos depois da ressurreição. É um relato demorado, cheio de pormenores que convém apontar e iluminar para se perceber a totalidade da mensagem que lhe está subjacente.
Assim, e antes de mais, temos que ter presente que este relato compõe o capítulo vinte e um do Evangelho, um capítulo que aparece como um acrescento, um post-scriptum ao Evangelho, pois nos versículos anteriores o autor tinha já dado por concluída a narração dizendo que muitos outros sinais havia mas que não estavam escritos neste livro.
Este capítulo e aparição inserem-se assim numa conjuntura diferente e por isso a centralidade de Pedro em todo o relato. A questão e a base que sustentam a primeira parte do relato desta última aparição de Jesus são a vida da Igreja, os primeiros esforços de evangelização e consequentes frutos.
Numa linguagem simbólica é-nos apresentada a vida da Igreja, uma vida cheia de esforços, mas que aparece como uma noite, e uma noite sem frutos, sem resultados apesar de tantos esforços dispendidos. Por isso saíram a pescar e regressaram sem nada. Só à palavra do Senhor, à ordem de lançar a rede encontraram algum peixe, ou todos os peixes que era possível encontrar, cento e cinquenta e três grandes peixes que significam os povos que à data eram conhecidos e reconhecidos como povos.
Perante esta pesca milagrosa o discípulo predilecto reconhece Jesus caminhando nas margens do lago, ou seja à margem do que era o esforço que estavam a despender. De alguma forma eles tinham-se distanciado dele, tinham-no deixado na margem esquecido. E a referência de que tinham voltado às suas casas e à sua vida do dia a dia era disso significado. Eles continuavam aferrados e fechados nos seus esquemas mentais e culturais, tinham regressado ao ponto de partida, àquele momento em que tinham conhecido Jesus e naquelas mesmas margens tinham deixado os barcos para o seguirem e verem onde morava. Era necessário de novo seguir Jesus.
Ao saber que era o Senhor que estava nas margens do lago Pedro veste a túnica que tinha tirado e lança-se às águas. Inevitavelmente temos que associar este lançar-se às águas ao convite de Jesus a caminhar sobre as águas, um convite feito algum tempo atrás e no qual Pedro tinha falhado por ter duvidado. Agora tal não acontece, ele veste a túnica da fé em Jesus que tinha tirado confiando apenas em si e nas suas forças e lança-se às águas sabendo que pode caminhar sobre elas. Agora a fé permite-lhe chegar ao Senhor sem temor e sem duvidar.
E o Senhor tem preparado para eles o fogo e a comida, o Espírito Santo e a Eucaristia, fontes da força para a missão a que estavam destinados e tinham sido chamados. São estes dois elementos aqueles que alicerçam a faina e podem dar bons resultados finais.
Terminada a refeição encontramo-nos com aquele que é o mais sublime dos diálogos de Jesus, um diálogo em que Jesus faz uma pergunta a Pedro que antes nunca tinha feito a ninguém. Antes da paixão e da sua morte tinha perguntado se acreditavam nele, quem diziam os homens que ele era, quem dizeis vós que eu sou, mas jamais tinha perguntado se alguém o amava, se eles o amavam. Tal pergunta não podia ser feita porque era necessário provar primeiro o seu amor para poder perguntar por ele. Era necessário que Jesus padecesse por amor, morresse e ressuscitasse, que desse a conhecer a totalidade do seu amor, para poder perguntar pelo amor dos outros.
E para compreender o sentido último das perguntas de Jesus e do diálogo temos que ter presente que o verbo (agapau) que no original grego Jesus utiliza para perguntar é diferente daquele que Pedro usa (filéu) para responder. Assim, quando Jesus pergunta pela primeira vez se Pedro o ama mais que os outros a resposta de Pedro na forma mais original é: Senhor tu sabes que eu gosto muito de ti.
Quando Jesus volta à carga e lhe pergunta pela segunda vez se o ama, Pedro responde novamente que gosta muito dele. E perante isto Jesus volta novamente a perguntar, mas só que nesta terceira vez Jesus já não pergunta se Pedro o ama, pergunta-lhe usando o mesmo verbo se ele gosta muito dele.
E perante esta condescendência de Jesus, perante mais este abaixamento, Pedro responde-lhe inevitavelmente que sim, que gosta muito de Jesus, que ele bem o sabe.
É sublime este descer de Jesus à capacidade de amar de Pedro, capacidade que é como a nossa, pois não sabemos amar como Jesus nos amou, sabemos apenas amar na nossa forma mais humana e tantas vezes infectada de desejos menos puros, de aspirações menos livres. E Deus vem até aí, desce até aí para nos mostrar que nesse amor ele está presente, se quer fazer presente para o transformar num amor parecido com o seu, um amor total.
Mas porque este amor pode tender e cair numa ilusão, pode ser uma forma alienante, a cada resposta de Pedro é-lhe dada a incumbência de cuidar das ovelhas e dos cordeiros. O amor a Deus realiza-se e traduz-se no amor e nos cuidados dos irmãos, porque não há amor divino sem caridade pelos outros, não há fé sem obras.
Face a estas perguntas de Jesus, perguntas que se dirigem a cada um de nós, resta-nos a tentativa de viver as palavras da jaculatória “Doce coração de Jesus que tanto me amais fazei que eu vos ame sempre e cada vez mais”.

3 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Obrigada por nos ajudar a interpretar a simbologia que encerra o relato da “última aparição de Jesus” aos discípulos depois da Ressureição. Da homilia que escreveu, tomo a liberdade de extrair o seguinte:

    ...” Agora a fé permite-lhe chegar ao Senhor sem temor e sem duvidar.”

    …”Era necessário que Jesus padecesse por amor, morresse e ressuscitasse, que desse a conhecer a totalidade do seu amor, para poder perguntar pelo amor dos outros.”

    …”O amor a Deus realiza-se e traduz-se no amor e nos cuidados dos irmãos, porque não há amor divino sem caridade pelos outros, não há fé sem obras.”

    Não duvido do que afirma quando diz que as perguntas de Jesus se dirigem a cada um de nós e que forma sublime Frei José Carlos de terminar convidando-nos a viver orando “Doce coração de Jesus que tanto me amais fazei que eu vos ame sempre e cada vez mais”.

    Que Jesus o proteja e o ilumine para poder cuidar sempre das suas “ovelhas e cordeiros”. Bem haja. MJS

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  2. Frei José Carlos,
    Um destes dias ouvi uma teóloga afirmar que esperamos que as homilias nos comovam que vão para além de nós. É este o sentimento que realmente geram as suas homilias para além de descodificar o simbólico, como quando escreve..."que convém apontar e iluminar para se perceber a totalidade da mensagem que lhe está subjacente.". Entre outras, guardo especialmente esta descodificação: "E o Senhor tem preparado para eles o fogo e a comida, o Espírito Santo e a Eucaristia, fontes da força para a missão a que estavam destinados e tinham sido chamados. São estes dois elementos aqueles que alicerçam a faina e podem dar bons resultados finais.", e ainda: " É sublime este descer de Jesus à capacidade de amar de Pedro, capacidade que é como a nossa, pois não sabemos amar como Jesus nos amou, sabemos apenas amar na nossa forma mais humana e tantas vezes infectada de desejos menos puros, de aspirações menos livres."
    E deixa-nos o mote para nos aproximar-nos d'Ele na vivência das palavras da jaculatória aprendida há tantos anos: “Doce coração de Jesus que tanto me amais fazei que eu vos ame sempre e cada vez mais”, amor experimentado nos irmãos, "porque não há amor divino sem caridade pelos outros".
    A leitura das suas homilias preenchem em mim as lacunas deixadas pela ausência de outras leituras a que a maior parte de nós não tem acesso por falta de divulgação.
    Que o Senhor lhe conserve o gosto desta partilha connosco.
    GVA

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  3. Boa noite Frei José Carlos,

    Precisamos das Meditações, Estudos, Orações, Homílias, etc que vem partilhando connosco.
    Que Jesus o abençoe e que tudo esteja bem com o Frei José Carlos.
    Saudações cordiais. MJS

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