A parábola que Jesus
conta para aqueles que se consideravam justos e desprezavam os outros vem ao
encontro de uma questão extremamente importante e que se nos apresenta com relativa
frequência quando deparamos com aquilo que parece ser um problema de
comunicação entre nós e Deus.
Quando nos prestamos a
rezar a Deus, quando dirigimos a Deus os nossos pedidos, com perseverança como
nos era recomendado no domingo passado, e somos confrontados com o silêncio de
Deus, com a sua ausência de resposta, perguntamo-nos inevitavelmente porque Deus
não nos responde, porque não nos alcança as graças que solicitamos, e irreflectidamente
concluímos que afinal Deus não é justo nem é bom connosco como nos foi dito.
Este sentimento e esta
conclusão são ainda mais flagrantes e mais acutilantes na medida em que vemos
outros irmãos nossos, sem qualquer preocupação moral ou religiosa, singrar na
vida, serem favorecidos, alcançarem o que desejávamos, enquanto nós, que
procuramos levar uma vida justa e religiosa, não alcançamos o desejado, nem sequer
o bem que desejamos.
É para facultar uma resposta
a este dilema que, depois de ter insistido na necessidade de perseverar na
oração, Jesus apresenta a parábola do fariseu e do publicano que sobem ao
templo para rezar. Uma parábola bastante simples e até muito prática,
facilmente verificável para aqueles que escutavam Jesus.
Temos assim um fariseu
que sobe ao templo para dar graças a Deus, é essa a sua oração, e neste sentido
não há qualquer orgulho da sua parte face a Deus. Ele reconhece e agradece a
Deus o dom da predilecção, do bem que é capaz de realizar. Ainda que tendo
presente os outros como ponto de referência, ele reconhece e agradece a justiça
que vem de Deus e encontra na sua vida. Podemos dizer que a sua oração é por um
lado o elenco das suas virtudes e por outro lado a lista dos pecados que os
outros cometem mas ele não comete.
Diante desta oração
não podemos deixar de recordar como muitas vezes a acusação das nossas faltas no
sacramento da reconciliação se assemelha bastante a estas palavras do fariseu,
também nós muitas vezes confessamos mais os pecados daqueles que nos rodeiam
que verdadeiramente os nossos.
No outro lado do
templo encontramos o publicano, um homem que tem consciência de ser pecador e
por isso se mantém afastado e de olhos baixos. Tem vergonha da sua situação,
mas ainda assim não apresenta nenhuma lista de pecados cometidos e nem
manifesta qualquer propósito de emenda. É meramente pecador e espera a
compaixão de Deus face às suas faltas.
Neste sentido, diante
de um e outro, podemos assumir que ambos são honestos e verdadeiros na sua
oração, na forma como se dirigem a Deus, o que nos questiona sobre o que afinal
Jesus queria dizer com esta parábola e a situação destes dois homens.
É o estribilho de
conclusão da parábola que nos dá a resposta para a pergunta e a razão de Jesus
contar esta parábola, ou seja, quem se humilha será exaltado e quem se exalta
será humilhado.
O pobre publicano, na
sua humildade de quem está em dívida, foi capaz de pedir perdão a Deus das suas
faltas e das suas misérias, foi capaz de sair de si e encontrar-se com Deus, ao
passo que o fariseu se manteve sempre centrado em si mesmo e no bem que era
capaz de realizar, não pedindo por isso nada a Deus.
O fariseu regressou
por isso a casa sem justificação, apenas consigo próprio, vazio, sem perceber
nada de Deus nem da sua misericórdia, enquanto o publicano regressava justificado,
na medida em que tinha solicitado o perdão de Deus, na medida em que se tinha
aberto a um futuro que podia ser de outra forma.
O fariseu ao não pedir
o perdão a Deus ficou apenas no passado vivido, no já alcançado, no bem que
praticava sem mais, enquanto o publicano abria para si uma nova oportunidade,
um futuro cheio de novas oportunidades.
A parábola do fariseu
e do publicano que sobem ao templo para rezar ajuda-nos assim a perceber que
algum do silêncio de Deus, alguma daquela que consideramos injustiça de Deus
face à nossa oração, se pode dever ao nosso olhar centrado em nós próprios, à
autojustificação do bem que realizamos, bem como a uma percepção errada da misericórdia
de Deus, que não se limita apenas a perdoar mas abre portas de futuro, coloca
diante de nós a exigência do desafio da confiança em Deus.
Neste sentido, a nossa
oração e os nossos pedidos a Deus não devem estar iluminados pelos outros, pelo
bem ou mal que os outros façam, não devem estar justificado por qualquer bem
que tenhamos realizado, mas devem estar apenas centrados no amor de Deus, na
sua misericórdia, e na exigência que lhe é inerente de fidelidade confiante e
responsável.
Que saibamos humildemente
encontrar-nos com Deus nesta Eucaristia de modo a regressarmos a casa cheios da
sua graça amorosa.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarAgradeço-lhe esta bela Homilia do XXX Domingo do Tempo Comum tão esclarecedora e profunda que nos ajuda a uma reflexão mais cuidada,que nos dá força para a nossa caminhada.Obrigada,Frei José Carlos,pelas maravilhosas palavras partilhadas.E pela beleza da sua ilustração .Bem-haja.Desejo-lhe um bom domingo com paz e alegria.Que o Senhor o ilumine o abençoe e o proteja.Votos de uma boa semana.
Um abraço fraterno.
AD
Caro Frei José Carlos,
ResponderEliminarA reflexão sobre o excerto do Evangelho do XXX Domingo do Tempo Comum e o texto da Homília que teceu deixa-me uma interrogação. As nossas relações, a procura do encontro com Deus, que é oração, não são o espelho das relações que desenvolvemos com os outros? Quando no dia-a-dia nos posicionamos acima de qualquer imperfeição, consideramo-nos exemplares, acima de tudo e de todos e afirmamos explicitamente ou de forma velada que os outros estão errados, não cumprem, são elementos perturbadores, misturando, por vezes, a religião, será que somos capazes de dirigirmo-nos a Deus com humildade, reconhecendo verdadeiramente que somos pecadores, que todos temos um pouco de fariseus e publicanos? Que fazemos da coerência entre o pensamento e os actos, do que somos interiormente? Que difícil, Frei José Carlos, descer às profundezas de cada um de nós, libertar-nos, peregrinar com toda a humildade. Em todas as dimensões, estamos certamente, longe de poder dar testemunho da Palavra de Deus, do Seu Amor e misericórdia para com todos nós.
Como nos salienta …” A parábola do fariseu e do publicano que sobem ao templo para rezar ajuda-nos assim a perceber que algum do silêncio de Deus, alguma daquela que consideramos injustiça de Deus face à nossa oração, se pode dever ao nosso olhar centrado em nós próprios, à autojustificação do bem que realizamos, bem como a uma percepção errada da misericórdia de Deus, que não se limita apenas a perdoar mas abre portas de futuro, coloca diante de nós a exigência do desafio da confiança em Deus.”…
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília, profunda, que nos ajuda a reflectir nos nossos comportamentos e expectativas, no que nos rodeia, e encoraja a continuar a Caminhada, por recordar-nos que …” a nossa oração e os nossos pedidos a Deus não devem estar iluminados pelos outros, pelo bem ou mal que os outros façam, não devem estar justificado por qualquer bem que tenhamos realizado, mas devem estar apenas centrados no amor de Deus, na sua misericórdia, e na exigência que lhe é inerente de fidelidade confiante e responsável.”
Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
Votos de uma boa semana. Bom descanso.
Um abraço fraterno e amigo,
Maria José Silva