segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Vou construir uns celeiros maiores (Lc 12,18)

Alguns séculos antes de Jesus habitar entre os homens, um jovem da sua raça, vendido como escravo e levado para o Egipto, de nome José, construiu num período de abundância grandes celeiros para guardar o trigo das colheitas da nação. Previdente e sábio guardou o alimento para os anos de fome que posteriormente se seguiram.  
A parábola que Jesus conta sobre um homem rico que tem uma grande colheita e decide deitar abaixo os seus celeiros para construir outros maiores e guardar toda a sua produção não se diferencia muito da história de José na sua materialidade.
Contudo, uma e outra história estão separadas por um abismo tremendo, são a antítese uma da outra, pois o homem rico da parábola guarda o trigo da sua produção apenas para si, para seu deleite pessoal, enquanto José guarda o trigo para o poder distribuir por todos no momento de necessidade, até mesmo por aqueles que o venderam.
Jesus remata a parábola tratando o homem rico de louco e insensato, pois não tem garantia nenhuma de poder gozar de tudo aquilo que acumulou. Jesus mostra-nos nesta insensatez a perda do sentido da vida, da sua plenitude e realização na companhia dos outros. A loucura é não perceber o outro, é não ter consciência do outro, de alguém que nos estende a mão ou a quem podemos estender a mão. Os loucos estão sós.
Neste sentido, e face aos frutos do nosso trabalho, é necessário tomarmos consciência de que é justo e bom que gozemos deles, é bom que construamos celeiros maiores, mas que isso nos conduz à loucura se perdermos a necessidade de partilhar com os outros, de fazer os outros gozar também do que colhemos e ganhámos.
Podemos perguntar-nos se alguma da loucura do nosso mundo não é consequência desta ausência de partilha, da solidão em que nos encerrámos com todos os nossos bens e riquezas.
É o outro que nos enriquece na partilha, é o outro que nos liberta da loucura.

 
Ilustração: “José recebe o seu pai e irmãos no Egipto”, de Salomon de Bray, Colecção Particular.

2 comentários:

  1. Como era importante sabermos ser os "outros" que enriquecem aqueles que com eles partilham das suas riquezas!... E a Graça não se na partilha? Inter pars

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  2. Caro Frei José Carlos,

    Que saudades tinha de ler estas meditações, que nos questionam, que nos fazem reflectir sobre os nossos comportamentos, sobre a realidade que directa ou indirectamente construimos, pela passividade, pelo silêncio, pela participação pouco reflectida numa sociedade pautada pelo materialismo, em que receamos falar aos mais próximos em espiritualidade … É quase uma aventura, apresenta contornos de marginalidade, assumirmos que somos crentes …
    Como nos salienta, a parábola que Jesus conta …” mostra-nos nesta insensatez a perda do sentido da vida, da sua plenitude e realização na companhia dos outros. A loucura é não perceber o outro, é não ter consciência do outro, de alguém que nos estende a mão ou a quem podemos estender a mão. Os loucos estão sós.”…
    Mas a insensatez manifesta-se com múltiplos contornos. Não é só material, proporcionada pelo dinheiro, Frei José Carlos. Assume igualmente outras formas … É a ganância do poder, é a competição desenfreada pelo lugar do outro, do saber, em todos os meios e classes profissionais, é até na disputa de amizades … É habitual dizer-se que o poder é “solitário”.
    Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, que nos desinstam, por recordar-nos que … “É o outro que nos enriquece na partilha, é o outro que nos liberta da loucura.”
    Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Continuação de uma boa semana. Bom descanso.
    Um abraço fraterno e amigo,
    Maria José Silva

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