quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Tu vais guardar silêncio! (Lc 1,20)

Os santuários estão cheios, apinham-se de gente na expectativa do ritual que se repete cada dia, cada ano.
No templo de Jerusalém um murmúrio percorre a multidão, uma inquietação atinge cada um que compõe a massa expectante. Zacarias, o sacerdote, há muito que entrou no interior do templo e não sai.
No templo moderno do centro comercial, uma outra multidão inquieta, irrequieta, fervilha e murmura. Não há tempo, já se esgotou, que aborrecimento, e impacientemente culpam-se os adolescentes irreverentes que não se calam.
Entre os murmúrios e as luzes, face à euforia de algo que se desconhece, num e noutro templo, eis que um convite se faz premente, silêncio! Silêncio por favor!
Zacarias saíu mudo do interior do templo, confirmando à multidão inquieta que algo tinha acontecido, algo de muito extraordinário. É o princípio de um silêncio que também a sua esposa Isabel vai guardar durante cinco meses, partilhando a mudez do sacerdote.
Um silêncio necessário, obrigatoriamente necessário, porque um e outro necessitam passar do estado de espera para o estado de acolhimento. Ambos necessitam deixar de esperar um filho para acolherem o filho que Deus lhes prometeu e anunciou.
Também nós, expectantes de uma festa de Natal, da ceia com a família, dos presentes e da alegria das crianças, necessitamos fazer silêncio, calar no nosso coração os ruídos externos e internos para que o Menino Deus possa ser acolhido.
Necessitamos passar da expectativa das luzes que brilham e rebrilham para o acolhimento da verdadeira luz que é Cristo, da luz que ilumina a nossa humanidade. Necessitamos passar das iguarias gastronómicas ao verdadeiro Pão que nos dá a vida. Necessitamos deixar de esperar uma prenda para podermos acolher o Dom de Deus que se nos oferece.
Silêncio! É tempo de fazer um pouco de silêncio, para que a transformação possa acontecer, para que possamos perceber nesse silêncio a semente de vida eterna que germina na humanidade e na nossa vida, para perceber e viver com alegria verdadeira a noite de paz e de luz que se aproxima.

 
Ilustração: “Aparição do anjo a Zacarias”, de Simão Rodrigues.  

2 comentários:

  1. Que consigamos fazer esse silêncio, não só exterior mas sobretudo interior, para podermos acolher o Menino que vem e compreender a Graça que nos oferece.

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  2. Caro Frei José Carlos,

    Como precisamos fazer silêncio! Sempre e particularmente neste período que vivemos para estarmos predispostos ao acolhimento do Menino Deus, a Luz que nos chega de Belém. Como nos recorda ...” Necessitamos passar da expectativa das luzes que brilham e rebrilham para o acolhimento da verdadeira luz que é Cristo, da luz que ilumina a nossa humanidade.(…)
    (…) É tempo de fazer um pouco de silêncio, para que a transformação possa acontecer, para que possamos perceber nesse silêncio a semente de vida eterna que germina na humanidade e na nossa vida, para perceber e viver com alegria verdadeira a noite de paz e de luz que se aproxima.”
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Meditação que teceu, profundo, maravilhosamente ilustrado, por levar-nos pelo caminho que nos conduz a “acolher e a guardar a verdadeira luz que é Cristo” para que o Natal não seja uma festa gastronómica e de embrulhos, de falsas partilhas, com que camuflamos as nossas fragilidades, as nossas feridas, os nossos limites e interrogações.
    Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Bom descanso.
    Um abraço mui fraterno e amigo,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe de novo um poema de Frei José Augusto Mourão, OP

    a areia dos dias

    nas tuas mãos a areia destes dias/e o vento que os dispersa//

    (de esperança e de perdão as cores do deserto)//

    e cada grão nos lembra a seara/e toda a pedra a água//

    ilumina as nossas viagens/da duna inumerável à margem de verdura/
    do silêncio equívoco, dobrado,/ao curso do teu Nome//

    afeiçoe a tua mão o nosso ouvido/a diferidos sons, inseguras formas/
    do que não tem forma//

    pensa as nossas chagas,/o desatino das questões que um nó aperta//

    e que o teu Espírito habite a alegria/de invocar-te nesta hora quase imóvel por que passas,/
    visitação silenciosa e criadora//

    (In, “O Nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)

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