segunda-feira, 8 de março de 2010

Homilia Domingo III da Quaresma

A resposta de Jesus a estes homens que comentam os acidentes trágicos e a morte de alguns dos habitantes de Jerusalém deixa-nos um pouco perplexos, uma vez que encerra em si uma condenação, uma inevitabilidade, que depois a parábola da figueira elimina do seu âmbito.
Mas se tal acontece, se as palavras de Jesus são duras, isso fica a dever-se à lógica que está subjacente a cada discurso, a lógica de Deus e a lógica do homem que são completamente diferentes.
Para os discípulos que apresentaram a Jesus a morte dos galileus por Pilatos e os que morreram soterrados pela torre de Siloé a lógica utilizada foi a da retribuição, a da condenação linear por causa dos seus maus procedimentos. É a nossa concepção humana mais frequente, a que está mais de acordo com a nossa índole e por isso a que utilizamos para enquadrar as relações de Deus com os homens.
Ainda hoje e passados dois mil anos sobre as palavras de salvação de Jesus continuamos a pensar assim e por isso muitos de nós nos interrogámos sobre o que estaria errado, o que tinham feito de errado aquelas pessoas que morreram nas catástrofes do Haiti, da Madeira e do Chile. Inevitavelmente pensamos sempre em termos de retribuição, de condenação por aquilo que fazemos ou os outros fazem de errado. Estamos ainda na lógica do dente por dente, olho por olho.
Ora a lógica de Deus é diferente, a concepção de Deus das suas relações com os homens é diferente e por isso Jesus diz que todos aqueles que morreram não morreram por serem mais pecadores que os outros. A própria história da salvação mostra-nos como Deus sempre procurou agir assim, como Deus se preocupa com os homens e deixa a porta aberta à conversão, à mudança de vida.
A leitura do Livro do Êxodo e o encontro de Moisés com a sarça-ardente é um exemplo disso, Deus quer enviar Moisés ao Egipto, um homem foragido daquele mesmo lugar, para libertar o seu povo. Deus ouviu e conhece o sofrimento do povo e não o pode suportar mais. Deus conhece os nossos sofrimentos e também não os suporta, espera no entanto que nos aproximemos da sarça para que nos possa enviar como libertadores, ainda que sejamos também nós foragidos dessa terra e desse povo necessitado de libertação.
Mais tarde, quando o povo atravessa já o deserto e comete o pecado da idolatria e a ira de Deus se inflama, Moisés vai interceder pelo povo e vai mostrar a Deus como tinha sido o seu amor que tinha trazido o povo até ali e portanto não se podia contradizer nesse amor libertador aniquilando-o por causa de uma falta. Deus abre-se à possibilidade da conversão.
Neste sentido a parábola da figueira, que Jesus conta face a esta lógica humana da retribuição, assumindo simbolicamente toda a história da salvação, é por isso muito elucidativa porque o vinhateiro que se oferece para cuidar e adubar a figueira deixa em aberto todas as possibilidades. Ele não presume que dos cuidados nasçam os frutos, talvez possa vir a haver algum fruto, ou seja está aberto a tudo ainda que da sua parte tudo faça para que haja esses frutos esperados e devidos.
A história de Deus com os homens tem sido isso mesmo, não tem sido outra senão a tentativa de que o homem produza algum fruto. Nesse sentido estabeleceu a Aliança com o povo de Israel, escolheu-o para ser seu mensageiro entre todos os povos, enviou-lhe os profetas quando eles foram infiéis e incapazes de cumprir a missão que lhes tinha sido destinada e por fim querendo que de facto todos os homens tivessem acesso à sua salvação enviou-lhes o próprio Filho. Enviou-nos o seu próprio Filho.
De facto Deus quer a nossa vida, a nossa salvação, vem ao nosso encontro, mas deixa-nos a liberdade de o acolhermos e de produzirmos frutos, ele não nos pode forçar a isso, apenas nos aduba e cuida com a sua palavra e o seu amor.
E é nesta nossa resposta, na possibilidade da nossa resposta, que se insere a segunda parte do comentário de Jesus aos acidentes e às mortes, “se não vos converterdes morrereis todos da mesma forma”. Não é que a morte seja querida por Deus, não é que ele se queira vingar das nossas más acções através de uma morte dolorosa ou violenta, bem pelo contrário, essa morte a acontecer acontecerá porque nos integrámos, porque assumimos a violência e a morte que é inerente ao próprio pecado e da qual não nos poderemos libertar se não nos voltarmos para Deus, se não abandonarmos o circuito do encerramento violento e mortal. Há uma lógica da morte e da violência no pecado e só abandonando esse pecado escapamos às consequências dessa violência e dessa morte.
Para que tal aconteça temos que ter presentes a advertência de São Paulo aos Coríntios, quem julga estar de pé tome cuidado para não cair, temos que estar vigilantes para não nos deixarmos levar e arrastar por essa lógica e essa violência.
Mas sobretudo e para além da nossa vigilância temos que apoiar-nos e fortalecer-nos na esperança de Deus em nós, nessa esperança que aguarda que depois de todos os cuidados ainda sejamos capazes de produzir algum fruto. Com as nossas limitações é bem possível que não mas com a graça de Deus é bem possível que sim.
Deixemo-nos assim cuidar por Deus e abramo-nos à acção da sua graça em nós dispondo do pouco que temos e somos para que ele faça alguma coisa de nós. Como dizia numa revelação a Santa Faustina tudo o demais é dele apenas a nossa miséria é nossa, ofereçamos-lhe portanto o que é nosso para que o deixe de ser.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,
    Aprendo sempre com as suas homilias muito bem estruturadas, muito pragmáticas, facilmente entendidas por pessoas como eu, genuinamente ignorantes, mas com uma vontade sequiosa de aprender.Para além de tudo isso fica-nos sempre esta satisfação da síntese final em forma de prece, neste caso, da certeza que nunca seremos abandonados se nos abandonarmos a Ele, oferecendo-Lhe tudo "...o que é nosso para que o deixe de ser."
    Tenha uma santa noite.
    GVA

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  2. Frei José Carlos,

    Como bem afirma a lógica de Deus é diferente da lógica do ser humano. Certamente compreenderá que mesmo os crentes, tendo tido muitas vezes o "sinal" de que o Senhor os acompanha, longe de um pensamento de "retribuição", temos dificuldade em compreender, "aceitar" o que não conseguimos racionalizar ... Daí que nos interroguemos perante certas situações pessoais e, particularmente de fenómenos de grande dimensão, como são as catástrofes naturais e/ou provocadas pelo Homem. Jesus Cristo, também, não se interrogou, independentemente da tradução e/ou interpretação que se faça da frase que pronunciou quando interrogou o Pai, em sofrimento?
    Como de sempre, deixa-nos antever um caminho de esperança de que não seremos abandonados por Deus ..."Deixemo-nos assim cuidar por Deus e abramo-nos à acção da sua graça em nós dispondo do pouco que temos e somos para que ele faça alguma coisa de nós." Bem haja. MJS

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