sexta-feira, 26 de março de 2010

Pedras que matam...

Hoje, uma vez mais, pegaram em pedras para atirarem ao meu filho Jesus. Foi no templo mas já houve outros lugares e outras tentativas. Quando nos custa aceitar a verdade dos outros é muito fácil pegar em pedras e atirar, esmagar o outro com o peso da nossa recusa. As pedras são armas fáceis, estão à mão, mesmo que às vezes sejam tão irreais na medida em que são palavras.
Estas pedras também um dia me estiveram destinadas, por causa de um sim e de um filho de que aceitei ser mãe. Escapei por pouco ou até por muito, por pouco que era a justiça de José que me repudiava em segredo, por muito porque também ele assumiu o filho que não era nosso, também ele assentiu nesse projecto que nos alterava a vida.
São estas pedras que nos sacrificam à luz da lei de Moisés, pedras para aqueles que forem apanhados em adultério, pedras para aqueles que blasfemarem de Deus e colocarem a sua lei em causa.
Em outras pedras também se sacrificam vidas, são as pedras do altar do templo pelas quais escorre o sangue de milhares de gordos cordeiros. São pedras talhadas, ornadas, que servem ao sacrifício para Deus. Mas não serão pedras inúteis depois de Deus nos ter dito pelo profeta que se satisfaz mais com o coração arrependido que com os nossos sacrifícios? Para que servem as pedras sacrificiais?
Outras pedras se levantam todos os dias, pedras que sacrificam e imolam aqueles que são diferentes, que assumem ser diferentes, viver em verdade a sua realidade. São as pedras da nossa surdez, pedras opacas e duras indiferentes à sorte do outro.
Estêvão anda por aqui, ronda, porque quer conhecer Jesus. Já veio ter comigo para que lhe apresente o meu filho, para que o introduza junto dele. Ainda não foi possível e por estes dias creio que tão pouco será possível. Gosto de Estêvão mas vê-se ao longe que traz consigo uma aura de martírio. Estas pedras mortais, lacerantes da carne serão um dia o seu fim e a sua glória pois também ele é como Jesus, quer viver a radicalidade da verdade de Deus nosso Pai e criador.
Como ele quantos mais serão apedrejados por esse desejo de verdade e fidelidade? Quantos conseguirão escapar? Contudo, mesmo que não escapem, sabem que assentaram a sua vida sobre a rocha verdadeira, a grande pedra de onde jorra a água da vida, essa pedra que saciou a sede do povo no deserto e saciará todas as sedes que se abeirarem dela. É uma pedra rejeitada mas é uma pedra angular, base e fecho de toda a construção que possamos fazer na nossa vida.
Se o fizermos, se fizermos essa construção assente na pedra que é fonte e colocarmos o fim no cume mais alto, pedra angular, seremos também pedras vivas de um templo que se constrói vivo e grandioso. E poderemos ser uma pedra ricamente lavrada, um capitel de um arco, ou uma tosca pedra de uma soleira, pedras todas diferentes mas todas fundamentais e necessárias para o desenvolvimento e a beleza da construção. Que saibamos e aceitemos ocupar o nosso lugar e libertar-nos das pedras dilacerantes que nos enchem a mão ou desejamos apanhar para arremeter.

4 comentários:

  1. Frei José Carlos,
    A metáfora da pedra,palavra arremessada,pedras do altar do templo,pedras da nossa surdez, pedras que são glória,pedra angular, pedra viva de um templo,pedras todas diferentes, porém essenciais na harmonia do crescimento. "Mas não serão pedras inúteis depois de Deus nos ter dito pelo profeta que se satisfaz mais com o coração arrependido que com os nossos sacrifícios?" Como filhos pródigos, acolhe-nos a misericórdia de Deus como um regato de límpida água, moldando as pedras do leito.
    Tenha uma santa noite,
    GVA

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  2. Frei Jose Carlos,

    Que belo "Diário" que continua ... para em sentido figurado recordar-nos que "Quando nos custa aceitar a verdade dos outros é muito fácil pegar em pedras e atirar, esmagar o outro com o peso da nossa recusa. As pedras são armas fáceis, estão à mão, mesmo que às vezes sejam tão irreais na medida em que são palavras." E, como afirma, "ser diferente e saber assumir-se diferente" raramente é tolerável ..." Outras pedras se levantam todos os dias, pedras que sacrificam e imolam aqueles que são diferentes, que assumem ser diferentes, viver em verdade a sua realidade. São as pedras da nossa surdez, pedras opacas e duras indiferentes à sorte do outro". Mas deixa-nos o conforto espiritual que ... "pedras todas diferentes mas todas fundamentais e necessárias para o desenvolvimento e a beleza da construção".
    Que Jesus nos ajude a aceitar o que é diferente para que em conjunto possamos e saibamos construir um mundo melhor com a pluralidade de todas as contribuições, sem "atirar a primeira pedra" ainda que de forma velada (psicologicamente), pela "palavra" ou pela "ausência da mesma", pela indiferença .... Bem haja por mais esta partilha.MJS

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  3. Das Dominicas
    Frei José Carlos,
    Queremos desejar-lhe hoje especialmente um dia muito feliz. Festejamos pensando em si e rezando por por si.
    Um abraço fraterno,
    As Dominicas

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  4. Bom dia Frei José Carlos,

    Permita-me que lhe deseje do coração um dia muito bom e que o possa festejar como deseja. Aprendi há alguns anos com um grande amigo do mesmo signo que são os amigos que fazem com que este dia seja um "dia especial". Vou assinalar este dia especial para o Frei José Carlos com um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen.

    SANTA CLARA DE ASSIS

    Eis aquela que parou em frente
    Das altas noites puras e suspensas.

    Eis aquela que soube na paisagem
    Adivinhar a unidade prometida:
    Coração atento ao rosto das imagens,
    Face erguida,
    Vontade transparente
    Inteira onde os outros se dividem.

    (In,No Tempo Dividido,4ª edição revista, Abril de 2005, Caminho)

    Rezarei pensando no irmão, Frei José Carlos. Que Jesus o proteja para que todos possamos seguir a sua palavra, com o mesmo interesse e dedicação. Bem haja. MJS

    P.S. Explicar-lhe-ei oportunamente como descobri. Pura coincidência.Peço-lhe que aceite este meu gesto.

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