segunda-feira, 23 de julho de 2012

Um marca páginas cheio de história

Costumam acusar-nos de guardar muita coisa, para alguns, muito lixo, mas creio que sem esse lixo perdemos alguma da nossa identidade.
Pelo facto de termos casas mais ou menos grandes, os conventos, temos uma grande possibilidade de arrumação ou depósito, e por isso tanto vamos guardando na verdadeira acepção da palavra como vamos acumulando indiscriminadamente.
Como responsável do Arquivo da Província, entre os milhares de folhas de papel que se foram guardando ao longo dos anos, encontrei um dia destes uma pequena tira, um quase desperdício que certamente teria ido parar ao lixo se não tivesse havido alguém apaixonado por estas pequenas amostras da nossa vida e da nossa história.
Poderá perguntar-se que interesse tem uma pequena tira de papel que serviu de marca páginas a um pequeno grupo de estudantes que encontrou na leitura da obra de frei João de São Tomás uma fonte de conhecimento e formação. E a verdade é que esta pequena tira de papel nos revela algumas coisas interessantes sobre o grupo de estudantes e a sua situação face ao estudo.
Antes de mais, esta pequena tira de papel revela-nos o nome dos dominicanos que em meados da década de trinta do século passado, 1935, se encontravam em Saint Maximin, França. Eram eles frei Francisco Rendeiro, frei Pio Ribeiro Gomes, frei José Dionísio da Fonseca e frei João de Oliveira.
Preparada para marcar a leitura de João de São Tomás pelos noviços portugueses, como se pode ver numa das faces, ela serviu depois para aqueles que tinham já passado ao estatuto de filósofos, que tinham já iniciado a formação filosófica, como se pode constatar no artigo único do regulamento que frei Francisco redigiu.
Neste artigo único percebemos também o interesse pelas raízes históricas, pela continuidade de uma tradição e por isso a ideia de pertença à Província e a necessidade de cada um partilhar a ciência de frei João de São Tomás.
Este singelo marca páginas revela-nos também a iniciativa e de alguma forma a ascendência de frei Francisco Rendeiro sobre o resto do grupo, explicável pelo facto de ter sido professor na Escola Apostólica de Mogofores, apesar da pouca idade que então possuía. Ainda que não sendo o mais velho era o líder do grupo.
Por outro lado, os comentários que cada um fez ao artigo único do Regulamento escrito por frei Francisco, dá-nos uma ideia da camaradagem que o grupo vivia, da sintonia de espírito, e de como a necessidade de uma formação teológica para o apostolado lhes era comum.
Fica assim para a história este pequeno documento, testemunho de uma época e de uma juventude apaixonada que entregou a sua vida à obra da restauração da Província Portuguesa da Ordem dos Pregadores.

TEXTO DO DOCUMENTO:
Face:
Sinal do 1º Vol. de J. S. Tom pert ao uso dos noviços portugueses.
Verso:
A. Ѣ M.
Regulamento: Artigo único: O João de São Tomás que pertence à Província Portuguesa deve visitar sucessivamente as celas de cada um dos 3 filósofos portugueses todas as vezes que seja estes tenham necessidade de partilhar a sua alta ciência. Fr. Francisco, OP
Apoiado! Também assim pensamos. Fr. P. Gomes.
Vi, li, ri… nihil obst. Fr. José
Tribus blitiri jungo quartum magna vi. Fr. João

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Foi com interesse e satisfação que li o texto que preparou e designou “Um marca páginas cheio de história”. É um texto cheio de significado como assinala, por se tratar de registos feitos num objecto de uma grande simplicidade e utilidade que recorda-nos momentos da vida da Província Portuguesa da Ordem dos Pregadores.
    Como nos salienta ...”Fica assim para a história este pequeno documento, testemunho de uma época e de uma juventude apaixonada que entregou a sua vida à obra da restauração da Província Portuguesa da Ordem dos Pregadores.” …
    “Last but not least” porque me senti espelhada naquelas pessoas que acumulam muita coisa, considerada lixo por outras pessoas. As observações sempre se fizeram sentir familiar e profissionalmente (pela falta de tempo para arquivar e/ou a dificuldade para desfazer-me de certos dossiers ou papéis). Chegou a ser o primeiro cartão de apresentação da minha pessoa e do gabinete de trabalho por parte de superiores e colegas quando o visitavam ... particularmente em representações oficiais. Felizmente há uns anos tive um superior hierárquico que recordou-me que era preferível “ter a cabeça arrumada do que os papéis”... E conhecendo a honestidade deste homem, senti-me recompensada. O Arquivo Documental que a Instituição criou no ano passado possui algum desse lixo que esteve longo tempo no gabinete de trabalho que fui ocupando sucessivamente ...
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha, por revelar-nos aspectos significativos da OP., pela reflexão a que nos conduz . Bem haja.
    Que o Senhor o abençõe e proteja. Continuação de boa semana.
    Que a Virgem Santíssima interceda junto de Jesus para que continue a restabelecer-se.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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