É verdadeiramente surpreendente como os três autores dos Evangelhos Sinópticos adoptaram a mesma construção redacional para testemunharem a cura que Jesus opera na mulher que sofre de um fluxo de sangue e na filha do chefe da sinagoga. Os três autores construíram um texto em que as duas histórias se interligam e constroem como um puzzle.
Construção redacional que revela, antes de mais, a fé dos que se aproximam de Jesus, pois tanto o chefe da sinagoga como a mulher apelam àquele que os pode curar e salvar. É a fé que os leva a procurar Jesus.
Por outro lado, estes dois personagens, e os acontecimentos que encarnam, revelam a dimensão da morte com a qual se enfrentam e para a qual pedem ajuda a Jesus. Se a filha de Jairo, o chefe da sinagoga, está morta e é necessário que Jesus vá até ela, a mulher está em perigo de morte pelo mesmo fluxo de sangue de que sofre, e é ela que vai até Jesus.
Ao solicitarem a intervenção de Jesus, tanto um como outro, transportam Jesus para a região da morte, para a região do impuro, pois o contacto com um morto ou com o sangue provocava a impureza legal. Num e noutro caso estamos perante o mistério da ressurreição que Jesus pode operar.
Para contrastar com esta fé e a situação limite em que os intervenientes se encontram, os autores dos Evangelhos não deixaram de nos apresentar a multidão e os fariseus, que tanto se irem de Jesus face à possibilidade de acordar a menina como atribuem ao demónio o poder com que Jesus opera as curas que realiza.
A fé é assim uma questão de vida e de morte, e Jesus assume viver uma e outra realidade mergulhando na mortalidade da humanidade para purificar e vivificar essa mesma humanidade, para a reconduzir à vida eterna.
Ao deixar-se tocar pela mulher e ao tocar a filha de Jairo, Jesus faz-se encontro, faz-se um Deus táctil, possível e passível de ser tocado nas situações mais diversas da vida, nomeadamente naquelas em que a vida parece desaparecer.
E neste sentido, ou para que tal aconteça, necessitamos da fé, de uma fé simples, uma fé algumas vezes pobre que nos leva apenas a procurar tocar a fímbria do manto. “Se ao menos eu tocar o manto”, é já em si um desejo profundamente operacional para que o toque aconteça, para que o encontro se dê, e com ele a restauração da vida.
Por entre a multidão de tantas coisas que nos atrapalham e impedem o acesso procuremos ao menos tocar o manto na nossa pobre fé.
Ilustração: Cura da mulher com fluxo de sangue. Catacumbas de São Marcelino e Pedro. Roma.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarAo ler o texto da Meditação que teceu a partir de uma passagem do Evangelho (Mt 9,21) é a temática da fé, da morte, da busca e do encontro com Jesus que está subjacente e que desenvolve. A fé como dom de Deus torna-nos disponíveis para acolher de forma intíma e viver o amor e a Palavra do Senhor, num processo de purificação e transformação ao longo do nosso peregrinar e que não se completa nesta vida. Mas o crescimento da fé e a sua fortificação implica acreditar, com plena liberdade, entregar-nos progresssiva e totalmente a Deus. Porém, a fé implica um compromisso e um dar testemunho, assumir a responsabilidade daquilo em que se acredita.
Como nos refere ...” A fé é assim uma questão de vida e de morte, e Jesus assume viver uma e outra realidade mergulhando na mortalidade da humanidade para purificar e vivificar essa mesma humanidade, para a reconduzir à vida eterna.”…
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Meditação, que nos desinstala, que nos faz reflectir, porque nos questionamos muitas vezes, porque fraquejamos, por salientar-nos que (…) “Jesus faz-se encontro, faz-se um Deus táctil, possível e passível de ser tocado nas situações mais diversas da vida, nomeadamente naquelas em que a vida parece desaparecer.
E neste sentido, ou para que tal aconteça, necessitamos da fé, de uma fé simples, uma fé algumas vezes pobre que nos leva apenas a procurar tocar a fímbria do manto.”…
Que o Senhor o ilumine, o proteja e o abençõe.
Bom descanso.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva