terça-feira, 24 de julho de 2012

Ficaram do lado de fora (Mt 12,46)

O Evangelho de São Mateus conta-nos que estando Jesus a falar à multidão chegaram sua mãe e seus irmãos, que ficaram de fora por não poder chegar até ele.
Pormenor estranho, e que nos deve interrogar, porque de acordo com a mesma narração de Mateus, Jesus tinha abandonado a sinagoga onde se encontrava ao saber que o procuravam matar depois da cura do homem que tinha uma mão paralisada. O texto deixa-nos perceber que Jesus se encontrava no campo, num espaço aberto, o que de alguma forma inviabiliza a impossibilidade do acesso dos seus familiares. A mãe e os irmãos podiam chegar até junto dele.
Assim sendo, a impossibilidade apontada por São Mateus não pode ser lida de uma forma física, prática, mas deve ser inserida numa impossibilidade relacional.
A família de Jesus que se aproxima para falar com ele tem a primazia da proximidade, tem o direito de se aproximar, mas não pode nem o consegue. É um intermediário que avisa Jesus da sua presença.
Tal acontece porque necessitavam passar dos laços de sangue, da relação familiar, tribal, para uma relação cujo fundamento era uma outra relação, a relação com Deus e a obediência à sua vontade.
Jesus apressa-se a esclarecer o equivoco e a impossibilidade dos seus familiares chegarem junto dele, e assim diz à multidão que o escuta, que verdadeiramente seus irmãos e sua mãe são aqueles que fazem a vontade de Deus. É a obediência à vontade que estabelece as relações, que as possibilita e conduz à plena realização.
Neste contexto e circunstância não podemos esquecer Maria que tinha sido fiel e se tinha feito obediente à vontade de Deus. Contudo, e como ser humano necessitava também de uma aprendizagem e um crescimento, que atinge a plena maturidade quando aceita como seu filho o discípulo amado junto à cruz.
Ali, no momento da perda do filho de sangue, Maria encontra-se com a verdadeira maternidade e o total cumprimento da vontade de Deus Pai, ser a mãe da Igreja, ser a mãe de homens e mulheres que são irmãos e são filhos em virtude daquele que é verdadeiramente Filho.
Deixar de ficar fora é assim assumir um outro tipo de relação nas nossas relações, é perceber como Deus nos convida a viver o amor, a construir a verdade e a justiça, a fraternidade à luz do exemplo humilde de Jesus.
Procuremos pois, ver em cada um daqueles que se encontra ao nosso lado mais que um irmão, um pai, uma mãe, ou um amigo, procuremos ver o dom de Deus a uma relação que deve espelhar o seu amor.

Ilustração: Virgem com o Menino, escultura de Maria do Carmo d'Orey, concebida para a Capela do Seminario de Aldeia Nova e hoje no Convento de S. Domingos de Lisboa.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    O texto da Meditação que teceu é profundo, ilustrado com muita beleza e ajuda-nos a interpretar as palavras de Jesus quando respondeu quem era a Sua mãe e os Seus irmãos (Mt 12,46).
    Como nos salienta ...”Jesus apressa-se a esclarecer o equívoco e a impossibilidade dos seus familiares chegarem junto dele, e assim diz à multidão que o escuta, que verdadeiramente seus irmãos e sua mãe são aqueles que fazem a vontade de Deus. É a obediência à vontade que estabelece as relações, que as possibilita e conduz à plena realização. (…)
    (…) Deixar de ficar fora é assim assumir um outro tipo de relação nas nossas relações, é perceber como Deus nos convida a viver o amor, a construir a verdade e a justiça, a fraternidade à luz do exemplo humilde de Jesus.”…
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha, por exortar-nos a que ...” Procuremos pois, ver em cada um daqueles que se encontra ao nosso lado mais que um irmão, um pai, uma mãe, ou um amigo, procuremos ver o dom de Deus a uma relação que deve espelhar o seu amor.”
    Que o Senhor o ilumine, o abençõe e proteja. Peçamos à Virgem Santíssima que interceda junto de Jesus para que continue a restabelecer-se.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe um poema de Frei José Augusto Mourão, OP.


    faz voltar os nossos desejos


    Deus, nós te procuramos/para além da espera permitida/e do que ao corpo é dado suportar//

    faz-nos voltar dos nossos desertos/dos nossos circos de cera/e dos discursos delirantes/

    faz-nos voltar os nossos desejos/e que os navios da tua ternura/acolham o nosso canto de pobre//

    (In, “O Nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)

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