quinta-feira, 12 de julho de 2012

Recebestes de graça dai de graça. (Mt 10,8)

Todos nós, ou praticamente quase todos, já fomos abordados por alguém num centro comercial ou na rua oferecendo-nos um produto ou um serviço. Algumas ofertas são obviamente perceptíveis e imediatamente deparamos com a necessidade de uma compra ou da adesão a um serviço.
Outras, no entanto, apresentam-se na dimensão da gratuidade, da oferta sem contrapartidas, o que nos deixa frequentemente ainda mais na defensiva, de pé atrás. Será mesmo verdade que posso levar sem ter que pagar, sem ter que comprar uma outra coisa que não desejo ou não necessito?
Desconfiamos do que nos é oferecido, do que é gratuito, uma vez que quase tudo neste nosso mundo tem um preço, ou pelo menos assim alguns nos querem convencer, e por isso nos oferecem gratuitamente. Técnicas de publicidade e marketing proporcionam essa certa ilusão da gratuidade e consequentemente a ideia de que tudo o que é bom tem que se pagar.
A proposta de Jesus, a oferta que Jesus faz aos seus discípulos, vai no sentido inverso desta lógica comercial, há de facto realidades e bens que são gratuitos, que por serem tão bons não têm preço, não podem ter preço, e por isso mesmo se podem oferecer sem qualquer pagamento ou contrapartida.
Um beijo, uma carícia, um gesto de compreensão e partilha, uma palavra de conforto, um conselho, uma taça de café partilhada, não podem ter contrapartidas, não podem ser avaliadas comercialmente, pois de contrário perdem toda a sua essência, desvirtuam-se e são outra coisa qualquer.
A proposta de Jesus, a gratuidade a que nos convida insere-se nessa lógica do amor, da consciência de um conjunto de realidades que nos são proporcionadas e oferecidas e pelas quais não pagamos nem há dinheiro que pague.
A proposta de Jesus, o receber e dar de graça, insere-se igualmente na dimensão da nossa pobreza, da pobreza que somos convidados a viver e a partilhar. É porque nos reconhecemos pobres, necessitados, que podemos aceitar o dom do outro, e podemos partilhar com o outro o pouco que temos e recebemos. Na medida da nossa pobreza, na medida em que nos reconhecemos necessitados, pobres de nós próprios, podemos aceitar a oferta e partilhar com a pobreza e a carência do outro.
Foi esta pobreza, esta gratuidade total, que possibilitou a entrega da vida de Jesus nas mãos do Pai e consequentemente a ressurreição. Nada era de Jesus mas ao mesmo tempo tudo lhe pertencia.
Neste sentido é o milagre das nossas mãos vazias o que mais pode performatizar o nosso verdadeiro testemunho de discípulos, aquele que pode realizar o conjunto de serviços à humanidade que Jesus apresenta como possibilidades.
É na nossa pobreza que podemos curar, ressuscitar, expulsar os demónios, porque tudo é feito em nós e por nós como oferta gratuita de Deus, como dom que Deus nos faz e do qual não somos proprietários nem nos podemos apropriar.
A força do nosso testemunho, a verdadeira força, assenta assim na dependência e total confiança em Deus nosso Senhor e nosso Salvador.

Ilustração: Efeito da luz do sol nos capiteis de uma coluna da Catedral de Tui. Caminho Português de Santiago, 30 de Junho de 2012.

7 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Ao ler e reler com muito interesse este belo texto,fiquei maravilhada com as suas palavras imprescindíveis,sobre o Evangelho de São Mateus.Muito grata,pela bela Meditação que partilhou connosco e pela beleza da ilustração,de uma coluna da Catedral de Tui.Obrigada, Frei José Carlos,pela bela Meditação que muito gostei.
    Que o Senhor o ilumine e o proteja e abençõe.Um bom descanso.Desejo-lhe uma boa noite.
    Um abraço fraterno.
    AD

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  2. Frei José Carlos,

    Bem-haja pela partilha do texto da Meditação que elaborou, profundo e que ilustrou de forma tão bela que ultrapassa o instantâneo de um momento e de um lugar quando ficamos a observar os arcos que se cruzam, a beleza dos capitéis, o contraste entre o escuro e a luz que nos permite perscrutar que tudo pode ser espiritual ou ajudar à espiritualidade.
    O texto que nos oferece que se lê e relê, recordando a importância e o significado da partilha sincera do gratuito, do gesto simples, do acto aparentemente sem valor e repleto de significado para quem dá ou recebe, só pode ser entendido enquadrado na “proposta de Jesus, a oferta que Jesus faz aos seus discípulos”: “Recebestes de graça, dai de graça” (Mt 10,8).
    Como nos salienta …” A proposta de Jesus, a gratuidade a que nos convida insere-se nessa lógica do amor, da consciência de um conjunto de realidades que nos são proporcionadas e oferecidas e pelas quais não pagamos nem há dinheiro que pague.
    A proposta de Jesus, o receber e dar de graça, insere-se igualmente na dimensão da nossa pobreza, da pobreza que somos convidados a viver e a partilhar. É porque nos reconhecemos pobres, necessitados, que podemos aceitar o dom do outro, e podemos partilhar com o outro o pouco que temos e recebemos. Na medida da nossa pobreza, na medida em que nos reconhecemos necessitados, pobres de nós próprios, podemos aceitar a oferta e partilhar com a pobreza e a carência do outro.” …
    As palavras partilhadas levam-me a reflectir sobre a partilha do trabalho e dos meios materiais, em particular, dos bens públicos, os quais em diversas actividades podem ser partilhados para não falar dos resultados obtidos. Mas a realidade é bem diferente. Em vez da partilha, da constituição de redes de médias e grandes infra-estruturas públicas nas actividades, por exemplo, de ensino, saúde e investigação científica, as mesmas continuam a ser geridas como se tratasse de propriedade privada, pessoal.
    Não consigo separar, Frei José Carlos, a partilha do imaterial, do material público, em particular. O bem-estar da humanidade podia significativamente ser melhorado se a nosssa forma de ser e de estar se alterassem, com a participação de todos, crentes e não crentes, com um coração e uma mente diferentes.
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Meditação, por questionar-nos, por lembrar-nos que …” tudo é feito em nós e por nós como oferta gratuita de Deus, como dom que Deus nos faz e do qual não somos proprietários nem nos podemos apropriar.”…
    Que o Senhor o ilumine, o abençõe e o proteja.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva


    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe o texto desta oração.

    A OUSADIA
    DO GRATUITO

    Dá-nos, Senhor, a capacidade de um gesto gratuito, pois o gratuito nos salva. Há a
    luta pela vida, o tráfico apressado e sempre comprometido dos nossos passos, a ne-
    cessidade do dinheiro, dos bens, disto e daquilo, em nome de quem hipotecamos tempo,
    esforço, criatividade... Mas dentro de nós permanecemos sedentos. Falta-nos, por vezes,
    um acto puro de liberdade. Um acto que manifeste o que, no segredo, nós somos. Por isso
    te pedimos hoje a ousadia de um gesto gratuito: nem que seja abrir uma janela e olhar o céu;
    nem que seja reparar com ternura no rosto dos que nos rodeiam; nem que seja um frágil minuto
    de silêncio diante da Tua Imensidão.


    (In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)

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  3. Num congresso de teologia em que participaram engenheiros do movimento de Acção Católica dos quadros e chefes de empresa, foram analisadas de perto as questões da pobreza. No final do congresso, um dos engenheiros cumprimentou um padre conhecido que recebia regularmente em sua casa. Com o semblante sério, disse ao padre:
    - Compreendi então que a pobreza é essencial. Mas o que devo fazer?
    - Procura e encontrarás!
    No regresso a casa, o engenheiro pensou num determinado número de coisas que possuía e tomou uma resolução. Tinha um belíssimo piano, vendeu-o e deu o dinheiro a uma família carenciada. Do mesmo modo, vendeu uma bela mesa de carvalho, substituindo-a por uma mesa vulgar de madeira branca. Trocou o carro topo de gama por um menos dispendioso e deu o resto do dinheiro da venda aos carenciados. Sentia-se aparentemente satisfeito.
    Um dia, o padre visitou-o num dos seus passeios habituais. Vê um “3 CV” à porta, a mesa de madeira branca e o espaço vazio do piano. Fez uma careta medonha:
    - Eu gostava de vir aqui tocar piano. O teu carro era grande mas prestava um grande serviço a passear a família e os amigos. Tudo isto acabou. E francamente, que mesa mais feia para tomarmos o nosso chá.
    - Mas disse-me para procurar. Foi isto que encontrei…
    - Pois encontraste tudo ao contrário.
    - Então que devo fazer? – Retorquiu o engenheiro atordoado
    - Procura e encontrarás!
    O engenheiro empreendeu uma longa meditação e começou a aperceber-se que habitando naquele prédio há vinte anos, nunca convidara uma única vez o vizinho do lado, viúvo e solitário, a família do porteiro cuja mulher tinha uma doença incapacitante e que evitava sempre contactos fraternos com pessoas felizes que viviam em casebres no fundo da rua. Transmitiu os seus pensamentos ao padre.
    - Bravo. A ser assim, mais vale ter dinheiro. Não há nada pior do que um rico sem dinheiro. O ideal não é não ter um piano mas que todos os que o visitam e tenham talento possam aprender música e se multipliquem os pianos. Ou que todos se sintam bem em sua casa, a tomar chá sobre uma mesa elegante, tenha então sempre um Interior onde se sintam à vontade.
    A falta de senso leva muitos a criticar quem prega a pobreza quando à vista parece praticar o seu contrário. Não há contudo um projecto em que a pobreza seja um a priori. É muito preciso que haja uma reflexão séria à volta do conceito da pobreza e da sua verdadeira essência. Pobreza não é miséria material. Decidir ou criticar não deve ser um acto precipitado, a fraternidade está primeiro e esta é que conduz à pobreza. Mas num sentido de profunda autenticidade do ser, dentro de uma suficiência que é totalmente honesta.

    (adaptado de um texto do padre Varillon)

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  4. Frei José Carlos,

    Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe o texto desta oração.

    TODOS OS DIAS
    A VIDA
    RECOMEÇA



    É bom saber, Senhor, que todos os dias a vida recomeça. A força criadora da vida não se empalidece no
    labirinto dos afazeres, nem a destroem a turbulência de certas geografias ou a penumbra de algumas horas.
    A vida, a nossa vida, mesmo frágil e trémula é soberana. Pode sempre refazer-se, transfigurar-se, vestir-se de
    música súbita.
    A vida parece-se à dança, humilde e fantástica, que os pássaros desenham – coisas para sabermos antes
    de toda as aprendizagens.

    (In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)

    Que o Senhor o ilumine, o abençõe e proteja.
    Votos de boa semana. Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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  5. Frei José Carlos,

    Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe o texto da oração que transcrevo:

    A SIMPLICIDADE
    DE DEUS


    Acho que percebo, Senhor. Não é apenas aquilo que é devido que Tu nos pedes. O respeito, o
    cuidado e a boa vontade que devemos aos outros, isso já está assente. Aquilo de que somos
    responsáveis, o que é conveniente, esperado, mesmo o que é justo, não são essas as Tuas
    expectactivas a nosso respeito. Definitivamente, o Céu não é uma condecoração por bom
    comportamento. Não te satisfaz que tenhamos a sabedoria de retribuir, mas a ousadia
    do dom inesperado, da oferta imerecida. Não só o respeito, mas também o empenho e a
    generosidade. Não só a cordialidade educada, mas a alegria evangélica e o seu excesso. No
    fundo, desejas que também nós actuemos por graça, pois só a gratuidade introduz no intrin-
    cado da história a simplicidade de Deus.

    (In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)

    Que o Senhor nos conceda a sabedoria e a força para recomeçarmos sempre.
    Peçamos ao Senhor que abençõe e proteja o Frei José Carlos e todos os que nos ajudam a fazer e a
    continuar a Caminhada.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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  6. Frei José Carlos,

    Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe um poema de Frei José Augusto Mourão, OP.


    da consolação


    dá, Senhor, os dons da constância/e da consolação à nossa casa/segundo a tua liberalidade/
    e não a nossa economia//

    dá a graça da hospitalidade à nossa casa/para acolher a diferença/na unidade da fé/e o que
    sobrevém sem avisar/e nos altera//

    dá-nos a invencibilidade da esperança/que o teu amor garante/e o teu Espírito derrama//

    seja o teu amor a sustentação do que se espera/no escuro do desejo//

    inscreve em nós a verticalidade do céu/que nos remete à fonte de onde a graça corre/
    Deus que assistes ao nosso desejo e às nossas dívidas//

    (In, “O Nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)

    Peçamos ao Senhor que ilumine, abençõe e proteja o Frei José Carlos.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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  7. Frei José Carlos,

    Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe o texto da oração que transcrevo:

    DÁ-NOS
    A VIDA
    INTACTA


    Ilumina Senhor o que resta em nós da noite. O escuro pega-se à vida, propaga-se
    uma treva pelos corredores da casa, a esperança que tanto queríamos tem as luzes
    apagadas há tanto tempo. Tropeçamos dentro de nós, e por toda a parte, em fios
    que não vemos. Assistimos ao nascer do Teu dia, mas nem sempre renascemos para ele,
    já que nos aprisionam os laços de seda desta e daquela escuridão, que bem conheces.
    Ilumina por isso, Senhor, os pátios da tristeza pequenina que contamina tudo. Entreabre-
    -nos à Tua verdade que é o quotidiano vigor dos nossos recomeços. Faz-nos olhar a maré
    alta, o oceano vasto, as coisas simples e plenas como sinais do que somos chamados a ser.
    Alimenta-nos do pão claro da alegria. Dá-nos a vida intacta.

    (In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)

    No nosso peregrinar, Senhor, ajuda-nos quando tomamos posições em defesa da justiça, da
    fraternidade, da solidariedade, por todos aqueles que se batem por ter trabalho e pela dignidade
    do mesmo. Vem em nosso auxílio, Senhor!
    Que o Senhor abençõe e proteja o Frei José Carlos.
    Bom descanso. Bom fim-de-semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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