Em tempo de férias e praia o Evangelho deste domingo apresenta-nos a narração de uma tormenta marítima, uma tempestade que se abate sobre a frágil barca em que seguiam os discípulos. Um contraste tremendo entre o sol que brilha nas nossas praias e a noite escura e temerosa que envolve os discípulos, um contraste abismal entre a nossa tranquilidade e o medo que se apodera dos discípulos.
Esta circunstância é no entanto propícia ao desenrolar de um dos acontecimentos mais significativos da vida do discípulo Pedro, bem como à apresentação de um processo de fé pelo qual todos temos que passar para nos encontrarmos com Jesus.
Assim, e antes de mais, não podemos deixar de reparar que é o Senhor que envia os discípulos para o meio do mar, pedindo-lhes que aguardem por ele na outra margem. Isto, enquanto ele fica a despedir a multidão que pouco antes tinha alimentado.
Não é normal esta separação do Mestre dos seus discípulos, e muito menos quando sabemos que alguns daqueles que compunham a multidão desejavam apoderar-se de Jesus para o fazer rei, enquanto outros procuravam apoderar-se dele para o eliminar. Jesus fica assim exposto, fragilizado, comprometido apenas com um encontro na outra margem do lago. Partindo os discípulos no barco, como lá chegaria?
Mas a fragilidade de Jesus, a exposição ao perigo, atinge também os discípulos que navegam na barca num primeiro momento com toda a tranquilidade. Contudo, pela quarta vigília a tormenta que era demasiado forte tinha-os já extenuado, uma vez que os ventos eram contrários e as ondas alterosas.
Esta realidade mostra a situação em que afinal todos vivemos, em que todos nos encontramos, uma realidade de perigo, como a da barca atingida pela tempestade ou a da solidão de Jesus na margem do lago. Pela criação e a vinda ao mundo a vida do homem desenvolve-se num contexto em que o perigo é latente, em que a confiança muitas vezes definha e esmorece, ainda mesmo quando existe a promessa do encontro na outra margem.
E assim, tal como os apóstolos podemos em algum momento encontrar-nos paralisados de medo, completamente vencidos pela consciência que as forças do mundo e do mal nos superam, completamente sucumbidos à consciência das nossas fragilidades e incapacidades de continuar a remar até à margem.
Nesses momentos Jesus vem ao nosso encontro caminhando sobre as águas, numa situação de tamanha fragilidade como a nossa, ou melhor, numa situação de fragilidade simétrica à da nossa falta de esperança e confiança da sua presença no encontro marcado na outra margem. Então nos diz, como disse aos apóstolos, “não temais, sou eu”.
Esta afirmação da sua pessoa e o convite a não ter medo são uma solicitação a experimentar de forma pessoal e única o seu mistério, são como o encontro de Moisés com a sarça ardente, no qual também Deus se revela como aquele que é, ainda que sob a forma de um fogo numa sarça que não se consome. É uma experiência de salvação que nos é proposta, mas que necessita da nossa adesão e do nosso consentimento confiante.
Perante esta oferta fazemos como Pedro o pedido de o Senhor nos mandar ir ter com ele, mas tal como Pedro também nós falhamos na caminhada sobre as águas. E tal acontece porque, ainda que o pedido tenha sido feito convictamente, contámos mais com as nossas forças e capacidades que com a força e capacidade de Jesus. É pelos nossos meios e com as nossas forças que procuramos caminhar sobre as águas, que procuramos encontrar Deus, esquecendo-nos que é Ele que vem ao nosso encontro.
Experimentamos então a nossa fragilidade, como nos é impossível sozinhos enfrentar as ondas tumultuosas e as rajadas do vento, mas experimentamos também que a vitória e a libertação dos medos e dúvidas acontece na medida em que não perdemos os olhos de Jesus. A vitória não é assim caminhar sobre as águas, passar sobre os problemas e tempestades, mas nesses problemas e nessas tempestades nunca deixar de ter os olhos fitos em Jesus.
Jesus que uma vez mais vem ter connosco, mas que previamente a essa vinda nos prometeu estar connosco na outra margem do lago. É para lá que devemos dirigir o nosso olhar, a nossa esperança, e certamente tal como aconteceu com os apóstolos depois da ressurreição, cruzaremos o nosso olhar com o olhar de Jesus que caminha na margem e espera por nós com o peixe assado.
A tempestade que atinge o barco dos discípulos é a circunstância que permite experimentar a solicitude de Jesus e de Deus para com a humanidade, vindo ao seu encontro no meio dos perigos e das necessidades. Contudo, e no meio da tempestade não podemos deixar de ter presente que Deus pode vir e vem muitas vezes de forma silenciosa, tal como uma brisa suave, como aconteceu com o profeta Elias que só nessa brisa suave encontrou a presença de Deus.
Necessitamos assim de nos colocar em sintonia, de nos assumirmos como gritando constantemente “Senhor salva-me”, porque só mergulhados nessa consciência podemos experimentar verdadeiramente a salvação e o encontro de Jesus na margem como nos prometeu, ou vindo ao nosso encontro nas ondas da tormenta.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarO texto da Homilia do XIX Domingo do Tempo Comum que burilou é profundo, belo e questiona-nos no nosso quotidiano, na nossa experiência religiosa, na relação, na intimidade que partilhamos com Jesus. E quantos de nós, somos, ao longo das nossas vidas, nos momentos mais diversos, quando tudo queremos compreender através da razão ou quiçá quando mais fragilizados, como o discípulo Pedro, mulheres e homens de pouca fé, “sem forças para chegar até à margem”.
Como nos afirma, a realidade vivida por Jesus e pelos discípulos, ...” mostra a situação em que afinal todos vivemos, em que todos nos encontramos, uma realidade de perigo, como a da barca atingida pela tempestade ou a da solidão de Jesus na margem do lago. Pela criação e a vinda ao mundo a vida do homem desenvolve-se num contexto em que o perigo é latente, em que a confiança muitas vezes definha e esmorece, ainda mesmo quando existe a promessa do encontro na outra margem.”…
Mas o Frei José Carlos lembra-nos de uma forma muito humana e bela que não estamos sós e que Jesus caminha ao nosso encontro para dar-nos a mão, para nos salvar, num convite que “são uma solicitação a experimentar de forma pessoal e única o seu mistério”, o que pressupõe de cada um de nós a abertura, a disponibilidade, para aceitarmos a proposta de salvação que Deus nos faz.
…” Nesses momentos Jesus vem ao nosso encontro caminhando sobre as águas, numa situação de tamanha fragilidade como a nossa, ou melhor, numa situação de fragilidade simétrica à da nossa falta de esperança e confiança da sua presença no encontro marcado na outra margem. Então nos diz, como disse aos apóstolos, “não temais, sou eu”….
Que importante salientar-nos que falhamos na Caminhada porque contamos principalmente com as nossas forças e que é Deus que vem ao nosso encontro …” Perante esta oferta fazemos como Pedro o pedido de o Senhor nos mandar ir ter com ele, mas tal como Pedro também nós falhamos na caminhada sobre as águas. E tal acontece porque, ainda que o pedido tenha sido feito convictamente, contámos mais com as nossas forças e capacidades que com a força e capacidade de Jesus. É pelos nossos meios e com as nossas forças que procuramos caminhar sobre as águas, que procuramos encontrar Deus, esquecendo-nos que é Ele que vem ao nosso encontro” (…) e “experimentamos também que a vitória e a libertação dos medos e dúvidas acontece na medida em que não perdemos os olhos de Jesus.”…
No peregrinar do Caminho da Vida, peçamos convictamente e frequentemente como o discípulo Pedro fez e como nos exorta, Frei José Carlos, “Senhor, salva-me” para que no silêncio ou no murmúrio de uma brisa suave, “possamos experimentar verdadeiramente a salvação e o encontro de Jesus na margem como nos prometeu, ou vindo ao nosso encontro nas ondas da tormenta”.
Um grande obrigada, Frei José Carlos, pela partilha desta profunda e maravilhosa Homilia. Bem-haja.
Votos de uma boa semana.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva