domingo, 28 de agosto de 2011

Homilia do XXII Domingo do Tempo Comum

O trecho do Evangelho de São Mateus que lemos neste domingo encontra-se imediatamente a seguir à profissão de fé de Pedro, a essa afirmação solene e inspirada de que Jesus é o Messias, o Filho de Deus vivo.
Contudo, e ainda que inspirada por Deus, esta afirmação de Pedro está mesclada de uma grande dose de desejo humano de poder, de fascínio por um futuro glorioso, que Jesus imediatamente se vê obrigado a desmistificar. É assim que se compreende que não só tenha proibido os discípulos de divulgarem publicamente que ele era o Messias, como também tenha iniciado uma formação mais insistente sobre o fim da sua missão e a tragédia que os espera a todos em Jerusalém, afinal o lugar de satisfação da ambição intima que todos transportavam.
É no contexto desta formação, e em resposta à tentativa de Pedro de desviar Jesus da sua missão, que surge o convite ao seguimento, esse apelo de Jesus a que quem o quiser seguir deve renunciar a si mesmo, tomar a sua cruz e segui-lo.
Não podemos esquecer que Jesus tinha convidado os discípulos a segui-lo, e que eles tinham deixado as redes e os barcos junto ao mar para o seguirem. Um convite certamente muito aberto, sem grandes implicações, e suficientemente atractivo para os levar a deixar tudo por um sonho de poder que se podia concretizar. Agora o convite, ou apelo, é mais concreto, mais exigente, mais implicativo, uma vez que exige tomar a cruz e renunciar a si mesmo.
Mas ainda assim não deixa de ser um convite, não deixa de contar com a liberdade pessoal e a determinação individual. Jesus não obriga ninguém, não força nenhum dos discípulos, chegando mesmo em outra situação a perguntar-lhes se também eles se querem ir embora, uma vez que bastantes outros se foram. E uma vez mais Pedro responderá, “ a quem iremos Senhor, só tu tens palavras de vida eterna”.
O convite de Jesus aparece portanto com um atractivo, com uma grande dose de sedução, que leva a que os discípulos possam dizer como o profeta Jeremias que escutámos na primeira leitura, “seduziste-me e eu deixei-me seduzir”. Há assim na própria realidade do convite, na natureza da proposta, um atractivo, uma força que leva à opção e a uma resposta positiva e aderente.
Esta atracção, esta sedução da realidade proposta é extremamente importante, porque se aquele que é convidado, aquele que é solicitado, não encontra essa sedução nunca a poderá gozar completamente, nunca virá a dar-se conta do valor do objecto sedutor, ou então manifestar-se-á como indigno dessa sedução uma vez que nem sequer a soube ou foi capaz de a captar e perceber.
Para que tal não aconteça necessitamos, como nos diz São Paulo, renovar espiritualmente a nossa mente, para saber discernir o que é bom, o que é agradável e o que é perfeito, no final das contas o que nos atrai e seduz no sentido da verdadeira realização, no sentido do seguimento da palavra que conduz à vida eterna.
Mas Jesus não nos apresenta apenas o convite ao seu seguimento, concretiza-o nessa necessidade de renunciarmos a nós próprios e de assumirmos a nossa própria cruz. Neste sentido Jesus apela a uma implicação particular, a uma distinção no esforço, para que da nossa parte possa haver um pouco de mérito, uma vez que a glória de tudo o alcançado lhe pertence a ele por natureza, pelo trabalho que vai realizando em nós através do Espírito.
À luz da vida de Jesus e de tudo o que nos ensinou, renunciar a si mesmo significa a consideração de si e da sua vontade como realidades estranhas com as quais não se pode pactuar nem ter compaixão. Há um conjunto de interesses, de forças e de desejos que habitam em nós, e muitas vezes nos escravizam, que necessitam ser purificados à luz desses critérios de que nos fala São Paulo, ou seja, do bom, do agradável a Deus e do perfeito. Tudo o que não conduza ao bem, à perfeição humana e à divinização dessa mesma humanidade deve ser combatido, renunciado.
Jesus leva este apelo à renúncia até ao extremo, a um limite que vai para lá da própria morte, pois Jesus não nos diz que devemos renunciar a tudo até ao fim da vida, mas que devemos renunciar a nós mesmos e tomar a cruz, a nossa cruz com tudo o que ela significa. Face a esta proposta não podemos esquecer o que a cruz significa de ignominioso, de realidade escandalosa, e contudo é essa proposta que Jesus nos deixa no convite ao seu seguimento.
Aceitar seguir Jesus implica assim aceitar a negação de si mesmo, bem como a disponibilidade para em qualquer momento enfrentar o sofrimento e derramar o sangue por Jesus e pela sua proposta. É perder a vida para a voltar a ganhar, para a voltar a reencontrar de uma outra forma ou simplesmente com um outro sentido.
Tudo isto no entanto só tem sentido se, como nos diz Jesus, não o deixarmos de ter como ponto de referência, como aquele a quem seguimos. Porque também aqueles que se dedicam às obras do mal, da violência e do ódio são capazes de renunciar a si mesmos, às suas vontades, de seguir outros chefes e até de derramar o seu sangue pela causa que advogam.
Neste sentido necessitamos ter presente e acreditar na promessa de Jesus de que um dia virá na sua glória e dará a cada um segundo as suas obras. Há uma justiça divina, pelo que o seguimento de Jesus, na sua verdadeira concretização e realidade não se traduz apenas num sofrer por amor, mas também numa prática das obras e virtudes que podem ser reconhecida meritórias.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Obrigada por partilhar connosco a Homilia que preparou para o XXII Domingo do Tempo Comum. É um texto profundo que nos esclarece sobre a interpretação das duas leituras e sobre o excerto do Evangelho de São Mateus e que leva cada um de nós a reflectir sobre a razão, implicações do seguimento de Jesus e a nossa forma de actuar como seguidores de Cristo.
    Como nos salienta a atracção do convite, a capacidade de discernir o bem do mal, a renúncia do mal, a realização das “obras e virtudes”, e a disponibilidade para o sacrifício, são fundamentais, nesta aceitação, adesão ao "convite". Permita-me que transcreva algumas passagens do texto que elaborou e que me tocam particularmente.
    ...” O convite de Jesus aparece portanto com um atractivo, com uma grande dose de sedução, que leva a que os discípulos possam dizer como o profeta Jeremias que escutámos na primeira leitura, “seduziste-me e eu deixei-me seduzir”. Há assim na própria realidade do convite, na natureza da proposta, um atractivo, uma força que leva à opção e a uma resposta positiva e aderente.. (…)
    Para que tal não aconteça necessitamos, como nos diz São Paulo, renovar espiritualmente a nossa mente, para saber discernir o que é bom, o que é agradável e o que é perfeito, no final das contas o que nos atrai e seduz no sentido da verdadeira realização, no sentido do seguimento da palavra que conduz à vida eterna.
    Mas Jesus não nos apresenta apenas o convite ao seu seguimento, concretiza-o nessa necessidade de renunciarmos a nós próprios e de assumirmos a nossa própria cruz. (…)
    À luz da vida de Jesus e de tudo o que nos ensinou, renunciar a si mesmo significa a consideração de si e da sua vontade como realidades estranhas com as quais não se pode pactuar nem ter compaixão. Há um conjunto de interesses, de forças e de desejos que habitam em nós, e muitas vezes nos escravizam, que necessitam ser purificados à luz desses critérios de que nos fala São Paulo, ou seja, do bom, do agradável a Deus e do perfeito. Tudo o que não conduza ao bem, à perfeição humana e à divinização dessa mesma humanidade deve ser combatido, renunciado. (…)”
    E como nos recorda, Frei José Carlos, …”Tudo isto no entanto só tem sentido se, como nos diz Jesus, não o deixarmos de ter como ponto de referência, como aquele a quem seguimos.”...
    Que bom, Frei José Carlos, termos podido ler e reflectir sobre as palavras partilhadas desta importante Homilia. Bem-haja.
    Continuação de um bom domingo. Votos de uma boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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