sábado, 6 de agosto de 2011

A transfiguração de Jesus em Rembrandt

Terminou há poucos dias uma exposição no Museu do Louvre, em Paris, sobre Jesus na obra de Rembrandt. Não posso dizer que a visitei, apesar de o ter desejado desde o primeiro momento que tomei conhecimento da sua realização. No entanto, e apesar da distância, fui estando atento às notícias, e se hoje abordo o assunto é porque o mistério da transfiguração que hoje celebramos na Igreja se relaciona de modo particular com os retratos que Rembrandt pintou de Jesus.
Rembrandt não pintou por convenção, não pintou para a sua clientela calvinista, mas por uma convicção profunda na pessoa e no mistério de Jesus Cristo. E assim distanciou-se de muitos dos seus contemporâneos na medida em que nos deixou um conjunto de retratos de um Cristo próximo, humano, por vezes quase demasiado humano.
E é nestes retratos de Jesus que Rembrandt se manifesta como pintor vivendo um paradoxo tremendo, um paradoxo que resulta da sua fé e relação pessoal com Jesus mas que contradiz e entra em confronto com os princípios orientadores da sua pintura.
Rembrandt pretendeu sempre a perfeição na arte do retrato, e para isso desenvolveu até ao possível a cópia do modelo, deixando-nos um conjunto de retratos e auto-retratos que quase parecem fotografias. Contudo, nos retratos de Cristo não houve modelo físico que os sustentasse, ainda que alguns defendam que foi um jovem judeu que serviu como modelo, enquanto que outros defendem que foi uma descrição apócrifa que circulava e ainda circula por aí, escrita por Públio Lêntulo, que o inspirou.
Com modelo ou com descrição, a verdade é que Rembrandt, criou uma nova imagem do rosto de Jesus e neste sentido podemos dizer que procedeu a uma transfiguração da imagem e da relação com Jesus, reactivando um caminho de que Tomé é o paradigma, mas que o próprio Jesus tinha criticado e que o mistério da transfiguração que hoje celebramos restringe quando a voz do Pai recomenda que os discípulos escutem o Filho.
Rembrandt dá um novo corpo e uma nova face a Jesus, e faz com que o sentido da visão adquira de novo um papel na possibilidade de estabelecimento de relação com o Filho de Deus, já não composto com pinceladas de glória mas com traços muito humanos, muito próximos dos pobres e necessitados, dos homens que carregam as suas cruzes como o próprio Rembrandt carregou a sua.
Face a estes retratos e tal como face à Palavra desafia-nos o silêncio, a necessidade de escutar, de perceber qual a Palavra que consubstanciou tal forma e tal rosto e nos fala por seu intermédio.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Obrigada pela bela e interessante partilha do texto que teceu e intitulou “A transfiguração de Jesus em Rembrandt” e os retratos de Jesus que seleccionou. Permita-me que respigue uma das passagens que me toca particularmente ...” Rembrandt dá um novo corpo e uma nova face a Jesus, e faz com que o sentido da visão adquira de novo um papel na possibilidade de estabelecimento de relação com o Filho de Deus, já não composto com pinceladas de glória mas com traços muito humanos, muito próximos dos pobres e necessitados, dos homens que carregam as suas cruzes como o próprio Rembrandt carregou a sua.”…
    Esta partilha, Frei José Carlos, faz-nos revisitar o nosso imaginário, reflectir demoradamente, na relação pessoal com Jesus, nas imagens transmitidas ao longo de muitos anos, algumas vezes, desde crianças, na necessidade de dar forma, rosto ao Filho de Deus, que muitos de nós sentimos para O contemplar, numa forma abstracta de humano, de sofrimento, mas igualmente, de amor e beleza.
    Bem-haja. Votos de um bom domingo.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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