quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Quem dizem os homens que é o Filho do homem? (Mt 16,13)

A passagem de Jesus para os lados de Cesareia de Filipe é um momento incontornável na sua relação com os discípulos, um momento de definição da sua pessoa e do compromisso que é inerente ao seu seguimento. Assim, estabelece um diálogo com os discípulos no sentido de saber o que dizem os homens sobre ele e o que os próprios discípulos são capazes de dizer.
As perguntas de Jesus sobre a sua identidade funcionam quase como um enigma, não só porque são formuladas de forma indirecta, mas também porque colocam uma certa ambiguidade no objecto da pergunta.
Desta forma, a primeira pergunta, que procura saber o que dizem os homens, não se interessa pela pessoa de Jesus em si mesma, mas pelo Filho do homem. O que é que os homens pensam sobre o Filho do Homem? Há assim como que uma certa distância, como que uma fronteira que é necessário ultrapassar.
E esta fronteira torna-se mais clara quando os discípulos começam a responder a Jesus dizendo que os homens pensam que ele é Elias, Jeremias ou até João Baptista. Todos profetas, mas todos figuras de um tempo já passado, de uma história de promessa que estava em desenvolvimento.
É uma resposta que se desenvolve numa dimensão exterior, que não implica um compromisso pessoal, uma relação de mim para ti, eu e tu. De alguma forma é a expressão dessa esperança messiânica que o povo acalentava, uma esperança de instauração de um governo monárquico, mas que se afasta da pessoa e projecto de Jesus. É uma resposta que comporta uma grande dose de idolatria, na medida em que a adesão a Jesus se processa apenas por esse desejo de satisfação possível junto do taumaturgo, daquele que pode curar e alimentar.
Perante isto, perante esta concepção, torna-se urgente saber o que os próprios discípulos pensam. Contudo, e para eles, Jesus já não coloca a questão do Filho do homem, mas de si próprio. E vós, o que pensais de mim? Quem sou eu?
A diferença da pergunta é já por si um prenúncio da resposta, ou da necessidade de uma relação pessoal para uma resposta verdadeira. E é assim que Pedro diz a Jesus que ele é o Messias, o Filho de Deus vivo.
Afirmação que, como Jesus diz a Pedro, não é possível obter pela carne e pelo sangue, apenas pela força e acção do Espírito Santo que procede do Pai. Resposta que se confronta com todas as expectativas pessoais, manifestadas nesse aparte que Pedro pouco depois vai ter com Jesus no sentido de o dissuadir de ir até ao fim no projecto de obediência à vontade do pai.
E é então que Jesus afasta Pedro como Satanás, como uma mais tentação ao prosseguimento no caminho de obediência ao projecto de salvação de Deus. Ao querer afastar Jesus do fim trágico de Jerusalém, do seu aniquilamento, Pedro apresenta-se como um tentador e em contradição com a formulação inspirada pelo alto. Afinal a sua ideia de ungido, de Messias, era muito rasteira, muito humana e não tinha em conta que o verdadeiro Messias estava destinado a dar a vida em resgate de muitos.
Mas é neste diálogo, e face à afirmação inspirada de Pedro, que Jesus o institui como pedra sobre a qual edificará a sua igreja. Pedro ganha assim uma outra dimensão, uma dimensão de glória e poder, mas que apenas se verificará na medida em que também ele assumir o projecto do ungido, em que assumir que é pela obediência até ao aniquilamento que poderá fazer a experiência da filiação divina.
Se Jesus é um servidor da obra do Pai, e por isso é o Messias Filho de Deus vivo, também Pedro deve ser um servidor e deve abdicar das suas pretensões de poder e glória para verdadeiramente cumprir a sua missão de chefe dos discípulos e condutor da Igreja.
Face a estas perguntas e ao confronto que assistimos entre a concepção messiânica de Pedro e a verdade do Messias Filho de Deus que é Jesus coloca-se a questão da nossa própria afirmação sobre Jesus. Afinal quem dizemos nós que é Jesus e até que ponto o que dizemos está verdadeiramente inspirado por Deus Pai ou se confunde e mescla com os nossos desejos de poder, ou até com a nossa idolatria a um Messias que se adequa às nossas necessidades e medidas.
Necessitamos aferir do sentido de aniquilamento, ou do sentido de obediência, da verdadeira dimensão da cruz, para perceber o quanto ainda nos pode faltar purificar para uma verdadeira relação com Jesus, uma fé correcta no Messias Filho de Deus.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Ao ler o texto da Meditação que elaborou e que nos ajuda a interpretar o Evangelho de hoje, o diálogo de Jesus com os discípulos, “no sentido de saber o que dizem os homens sobre ele e o que os próprios discípulos são capazes de dizer”, perante a reacção de Pedro que leva Jesus a censurá-lo, leva a interrogar-nos, como nos diz, sobre a nossa própria afirmação sobre Jesus.
    À semelhança dos primeiros discípulos de Jesus, somos seres imperfeitos, hesitantes quando a nossa fé é posta à prova, quando não compreendemos o projecto de salvação de Deus. Que longo caminho a percorrer, para alguns de nós, Frei José Carlos!
    Como nos salienta, “Necessitamos aferir do sentido de aniquilamento, ou do sentido de obediência, da verdadeira dimensão da cruz, para perceber o quanto ainda nos pode faltar purificar para uma verdadeira relação com Jesus, uma fé correcta no Messias Filho de Deus.”
    No mundo de grandes desequilíbrios e complexidade em que vivemos, onde dificilmente conseguimos descortinar o amanhã, peçamos ao Senhor que nos ajude a compreender o que não entendemos, e aumente a nossa fé para continuarmos, com esperança, perseverança e humildade, na busca de Deus que enviou seu Filho para nos salvar.
    Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha desta profunda Meditação que nos desinstala. Bem-haja.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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