Prosseguimos a apresentação do Sermão pregado pelo Prior de Águeda, Alvaro de Escobar Roubam, no último dia da Oitava que os Dominicanos e Dminicanas de Aveiro mandaram celebrar pela Beatificação de Santa Rosa de Santa Maria, Santa Rosa de Lima.
Que seria, se à vista das muitas luzes, que em mãos de outras tantas Virgens nos oferece o Evangelho, perdêssemos de vista uma Virgem Esposa, a que se compara hoje o Reino dos Céus? Suceder-nos-ia o que no Tabor aos Discípulos sagrados; a quem os sobejos de resplendores divinos, com que se toldou o monte fizeram cair cegos, e desmaiados por terra: Ceciderunt in faciem suam. Mas não permitirá Deus, que em tão alegre dia nos ceguem de todo o ponto as luzes, que podem encaminhar-nos; e mais quando temos, não só por guia, mas caminho: Ego sum via, aquele Senhor Sacramentado. Bem sei, que nestes dias estarão tomados os caminhos Reais, mas tomarei pelos meus atalhos. Vamos assim, e iremos à primeira dúvida do sermão.
Símile erit Regnum Caelorum decem Virginibus. Que o Céu seja semelhante a dez Virgens, está bem; mas que esta semelhança tenha lugar na festa de uma Virgem só? Que uma só Virgem seja para com o céu, o que muitas Virgens? Mistério deve ser de algum segredo. Ora o segredo, e o Mistério, a meu ver, não é outro, que resumirem-se nesta só Virgem as virtudes, e perfeições de muitas. Das Santas, que coroam a Igreja, se excederam umas a outras em diferentes géneros de virtudes: umas no sofrimento da penitência, outras na abstinência de jejum: estas no fervor da Oração, aquelas na caridade do próximo, e amor de Deus, e se me dessem uma Virgem, que em todas estas virtudes fosse, não só exemplo, mas prodígio, que dúvida tem, que seria por si só semelhante ao Céu. O Céu não se retrata nos sujeitos, senão nas perfeições, e se em um só sujeito se acharem as perfeições, que em muitos, porque não será um retrato do Céu? Pois este, e esta foi Bem-Aventurada Rosa de Santa Maria, de si só exemplo na Caridade, na Oração, no Jejum, e na Penitência: mas notem quanto maior maravilha, é comparar-se o Céu a um sujeito só, que compararem-se lhe muitos; depositarem-se muitos quilates de perfeições em uma só Virgem, que nas muitas Virgens do Evangelho. A festa é de uma Flor, e do Sacramento: o Sacramento, e as flores, nos hão-de fazer a prova.
Não houve flor, ou houve poucas flores, a que o divino Amante nos Cantares se não comparasse: comparou-se à Rosa de um Jardim, comparou-se ao Lírio dos Vales; comparou-se à Flor do Campo; comparou-se a outras muitas flores: quis levantar de ponto a Esposa querida, e disse, que o mesmo Amante divino era um Ramalhete de flores: Fasciculus mirrae dillectus meus mihi. Comentou um Doutor: Fasciculus ex mirrae floribus; o meu Amado é um Ramalhete de odoríferas flores; e que flores pode haver a que o Esposo se não comparasse a si mesmo? Pois se se tem comparado a flores muitas, para que o compara a Esposa às muitas flores de um Ramalhete? Notem, comparou-se o divino Amante a muitas flores, mas flores divididas; uma Rosa no Jardim, um Lírio no Vale, uma Flor no Campo; mas o Ramalhete consta de muitas flores, e todas unidas em um só Ramalhete: Muito tem, que ver na Primavera um Campo, um Vale, um Jardim, semeado de variedade de flores; mas estas flores várias, juntas em um só Ramalhete, se não é mais dilatada vista, é mais gloriosa pompa. Pois este foi o maior gabo do Esposo, e o será também da Esposa Rosa. Resumir em um só ramalhete muitas flores, copiar em um sujeito só muitas perfeições; e quanto mais é muitas perfeições em um só sujeito, que em um ramalhete muitas flores! Agora o Sacramento.
Cifra das maravilhas de Deus, e a maior maravilha de todas se chama o diviníssimo Sacramento do Altar: Memoriam fecit mirabilium suorum escam dedit timentibus se. Pôs Deus em memória, e em lembrança a maravilha, que obrou no diviníssimo Sacramento: Pergunto: e foi menos maravilhosa obra a da Encarnação, a da Paixão sagrada, a da Ressurreição gloriosa? Não foram tudo obras maravilhosas de Deus, prodígios de seu amor? Sim, mas vejam como. Tudo o Filho de Deus obrou, e fez; mas tudo divididamente, Encarnou em Nazaré; Morreu no Calvário: Ressuscitou no Horto; e no Sacramento? Está juntamente Encarnado, Morto, e Ressuscitado. O mistério da Encarnação, não contém mais, que a Encarnação; o mistério da Morte, não contém mais, que a Morte; o Mistério da Ressurreição, não contém mais, que a Ressurreição: só o Sacramento foi cópia, e foi desempenho de tudo; contém a Deus Encarnado, por extensão; Deu Morto, por representação; Deus Ressuscitado, por existência; Deus Sacramentado, por essência; e quem duvida, que é mais que tudo depositar em um só mistério, muitos mistérios, em uma maravilha só muitas maravilhas?
Ó Bem-Aventurado Espírito, ó Virgem Bem-Aventurada! Pois em vós só depositou Deus todos os merecimentos, que repartidos por dez Virgens as fizeram semelhantes ao Céu: Simili erit Regnum Coelorum decem Virginibus. E esta Virgem menina aos três meses de idade começou a ser cópia de prodígios, maravilhas, e aplausos do Céu. De uma Virgem só a muitas Virgens tenho feito diferença: falarei agora de uma Virgem pequenina a uma Virgem grande; dando a razão de ser mais depositar o Céu muitas virtudes em um só sujeito pequeno, que em um sujeito, se fosse grande. A razão, é porque depositar muitas maravilhas em um sujeito grande, é pôr muito em muito: e em um pequeno sujeito, é pôr muito em pouco. O muito em muito é muito: mas o muito em pouco, é realce de um bom obrar. Outra vez me hei-de valer do diviníssimo Sacramento.
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