Celebramos hoje a
Festa da Exaltação da Santa Cruz, uma festa que habitualmente ocorre num dia da
semana, razão pela qual muitos de nós não temos oportunidade de a viver e
celebrar da forma mais festiva. Este ano, ao coincidir com o domingo, dá-nos
essa oportunidade e permite-nos meditar o grande paradoxo que nela se encontra
na medida em que um sinal de maldição, um instrumento de morte, se torna um
sinal de bênção e uma fonte de vida.
É este paradoxo que nos
leva frequentemente a deixar de fixar nela o nosso olhar, a olharmos mais as
margens da nossa condição humana e do nosso viver quotidiano, a darmos mais
atenção às questões que todos os dias se nos colocam, esquecendo dessa forma que
as respostas às questões fundamentais da nossa existência se encontram ali
plasmadas.
Olhar a cruz permite-nos
encontrar a luz que ilumina a nossa vida, que nos oferece sentido para as
diversas realidades que vivemos, sejam elas de sofrimento ou alegria, de vida
ou de morte, de graça ou de pecado. A cruz em que Jesus foi pregado acolhe
todas essas realidades, a totalidade da nossa condição humana.
Contudo, para que esta
luz nos seja acessível, para que nos possamos aperceber dela, não podemos
deixar de ter presente a real perspectiva do acontecimento que nos é dada pelo
Evangelho, quando Jesus diz a Nicodemos que Deus amou de tal modo o mundo que
entregou o seu Filho para que todo o homem tenha a vida eterna.
A cruz é verdadeira
maldição, é um desastre e um escândalo, quando não se tem presente o amor de
Deus, esse amor de tal modo infinito de Deus pela humanidade que chegou à
loucura de ser capaz de entregar o próprio Filho para resgate daqueles que
estavam presos nas teias da morte.
Desta forma a cruz é salvação
quando se assume a partir do amor, dessa entrega loucamente amorosa de Deus
pela sua obra, e nós participamos dessa cruz salvadora na medida em que todas
as nossas cruzes, as nossas realidades crucificantes, são vividas a partir do
amor. É o amor vivido até ao limite que tem o poder de salvar.
A cruz de Jesus não é
assim mais um sinal, não é como a serpente de bronze levantada no deserto para
salvar o povo da mordidela das serpentes, a cruz é uma manifestação, uma
presença, a tradução, poderíamos dizer até plástica, da relação de Deus com o
homem, do amor de Deus pela humanidade.
A cruz manifesta-nos a
aliança nova que Deus estabeleceu com a humanidade, a iniciativa de Deus em
favor da sua obra. Uma iniciativa desconcertante, que consideramos louca e
exagerada segundo os nossos padrões, mas que só nesse assumir do que havia de
mais vil e ignominioso, só nesse exagero, permitiria que o nosso coração empedernido
fosse tocado.
É o exagero que nos
toca, que nos move; o inusitado é que nos surpreende e provoca e portanto só
uma acção exagerada, desmesurada de Deus, nos poderia despertar para o seu amor
infinito, para o seu desejo de familiaridade com o homem.
Familiaridade que se
objectiva nesse movimento de descida e subida, de abaixamento e exaltação,
porque o Filho vem até ao homem e sofre a morte mais ignominiosa para poder
elevar o homem, para o resgatar da sua condição de servo e elevá-lo à condição
de filho. A cruz é assim também instrumento de ascensão da humanidade ao
divino.
À luz deste movimento
e da vitória que encerra percebemos a serenidade e a alegria que algumas
imagens, sobretudo góticas, deixam transparecer no rosto de Cristo, como a
imagem do crucifixo do Castelo de Javier em Espanha. A expressão de felicidade
do rosto de Cristo é a manifestação da vitória, da missão cumprida, desse retornar
de todos os filhos à casa do Pai conduzidos pelo Filho primogénito que entregou
a sua vida por amor e num amor total.
E é por esta
felicidade que os homens devem ajoelhar em terra, exaltar a cruz bem-aventurada
e proclamar que Jesus é o senhor dos vivos e dos mortos. A cruz ligou-nos a
todos e ligou o céu e a terra, o homem com Deus definitivamente.
Capela do crucifixo do Castelo de Javier em Navarra, Espanha.
Caro Frei José Carlos,
ResponderEliminarCelebrar a Festa da Exaltação da Santa Cruz é mais profundo, místico que festejar um facto histórico. Meditar sobre a morte de Jesus, sobre a Sua cruxificação, olhar a cruz com ou sem a imagem do corpo torturado, e acreditar que um instrumento de tortura “se torna um sinal de bênção e uma fonte de vida”, símbolo de glória, não somente no dia de hoje mas todos os dias, é encontrar a força de amar, de ser humilde, de não desistir do testemunho de Jesus, de prosseguir o Caminho para a casa do Pai.
Como nos salienta …” A cruz é verdadeira maldição, é um desastre e um escândalo, quando não se tem presente o amor de Deus, esse amor de tal modo infinito de Deus pela humanidade que chegou à loucura de ser capaz de entregar o próprio Filho para resgate daqueles que estavam presos nas teias da morte.”…
Cruz que nos recorda, à semelhança da vida de Jesus e da Sua morte, a condição humana nas suas várias facetas, particularmente, no que se reporta à injustiça, à humilhação, a toda a espécie de exclusões e sofrimentos vividos no passado e no presente pelo Homem, mas igualmente símbolo de “luz de fé e de esperança” que ...” ligou-nos a todos e ligou o céu e a terra, o homem com Deus definitivamente”, como nos salient, levando-nos ao amor ao próximo, à misericórdia, à compaixão, à fraternidade e à salvação.
Grata, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Homilia que teceu, profundo, que nos dá força e coragem, por recordar-nos que …” É o amor vivido até ao limite que tem o poder de salvar.”… obrigada pela ilustração. Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
Continuação de uma boa tarde, a lembrar-nos a chegada do Outono. Bom descanso.
Um abraço mui fraterno,
Maria José Silva