domingo, 28 de setembro de 2014

Homilia do XXVI Domingo do Tempo Comum

Todos sabemos pelos Evangelhos como Jesus viveu em tensão e conflito com os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo, como muitas vezes os seus encontros e discussões foram verdadeiras provocações, tal como acontece no trecho do Evangelho de São Mateus que acabámos de ler.
A provocação que hoje nos é apresentada por São Mateus é fortíssima na medida em que Jesus está em Jerusalém, no centro político e religioso, e desafia as autoridades a uma conversão, a uma outra atitude face a Deus, a uma outra relação de fé, tomando como termo de comparação as mulheres de má vida e os publicanos. Esta liberdade e ousadia de Jesus, esta fidelidade à verdade, foram tidas em conta poucos dias depois num processo de condenação e morte. 
Esta provocação de Jesus não deixa de nos alcançar ainda hoje a cada um de nós individual e comunitariamente, na medida em que põe em evidência uma falha ou um vício em que muitas vezes caímos, o da discrepância entre o que se diz e o que se faz, o desastre da falsidade de vida.
Contudo, e é esse o desafio pedagógico de Jesus, não podemos ficar apenas nessa evidência, mas a partir dela, das constatações alcançadas, partir para uma outra atitude, para uma outra forma de vida. A verdade das nossas limitações e falhas é no âmbito da pedagogia de Jesus para que optemos e iniciemos um processo de conversão de vida.
Neste sentido, é bom que olhemos a parábola que Jesus apresenta a partir da perspectiva do pai, daquele homem que tem dois filhos e que tem um papel muito discreto, pois apenas lhes pede que saiam a trabalhar na sua vinha.
Esta discrição do pai passa por não nos ser apresentada qualquer reacção face à recusa do filho em ir trabalhar para a vinha. No seu silêncio o pai não responde à violência do filho com outra violência, não sobe o tom de voz nem contrapõe qualquer represália. À ruptura do filho, exposta na recusa, o pai não responde com a sua ruptura. Tal como o pai do filho pródigo, também este deixa ir o filho, livremente, sem censuras ou condenações.
Este silêncio do pai é contudo o grande instrumento de conversão, de alteração de atitude, pois nesse silêncio o filho descobre o amor do pai, o respeito pela sua atitude, a liberdade que o pai concede ao filho. É na desobediência que o filho descobre o pai, que descobre que aquele homem que lhe pede um serviço é alguém que o ama e respeita, mesmo na sua recusa e revolta.
Ao reconsiderar e ir trabalhar para a vinha, tal como pedido, o filho manifesta a sua filiação, reconhece que aquele homem que lhe tinha pedido um serviço é afinal seu pai. A sua atitude não é fruto de interesse ou conveniência, mas apenas de plena concordância e total acolhimento do amor do pai. A filiação pressupõe uma experiência de obediência, uma obediência vivida em consequência do amor que se experimenta, e este filho faz essa experiência.
Ao contrário do outro filho que, ainda que obediente no primeiro momento, se revela incapaz de fazer a experiência da filiação, da relação amorosa com o pai. Encerrado na sua fachada de obediência correcta mas falsa, da resposta certa para o momento certo, numa atitude calculista, abusa da confiança e respeito do pai, pois sabe de antemão que o pai o ama e nada lhe cobrará.
É esta atitude hipócrita que lhe impede de perguntar porque são os filhos enviados em lugar dos trabalhadores, o que há de importante para terem que ser os filhos a tratar; é esta atitude que o impede de dizer não, mas o obriga a tratar o pai por senhor, manifestando assim a impossibilidade de conhecer verdadeiramente aquele que é o pai.
A parábola que Jesus conta aos príncipes dos sacerdotes e anciãos do povo revela-nos assim que podemos cair na hipocrisia de dizer uma coisa e fazer outra, revela-nos a duplicidade e falsidade que a nossa vida pode desenvolver, mas revela-nos algo muito mais importante e significativo para a nossa relação com Deus.
O apelo a trabalhar na vinha é um convite muito especial, um convite a uma missão que não pode ser entregue aos trabalhadores, porque os servos não conhecem o seu senhor, mas que apenas é entregue aos filhos porque só eles a podem realizar, a missão da manifestação do amor do pai que radica da intimidade vivida.
Missão e manifestação que não pode deixar de ter presente as nossas faltas, as nossas limitações e fragilidades, porque como dizem os Padres do Deserto “aquele que reconhece as suas faltas é mais forte que aquele que ressuscita um morto”. É o reconhecimento da nossa mediocridade, da nossa marginalidade, que nos abre a porta da conversão, da experiência amorosa de Deus Pai.
A nossa obediência filial anda longe da perfeição, todos o reconhecemos, mas tal não nos deve impedir de ver a beleza e a alegria da missão que nos é confiada ao nos ser pedido que trabalhemos na vinha do Pai. Confortados com a compreensão do Pai procuremos realizar não os nosso interesses mas os interesses dos outros, viver com os mesmos sentimentos de Cristo Jesus que nos deixou o testemunho do amor do Pai na experiência da obediência.

 
Ilustração:
1 – “As vindimas”, de Max Slevogt, Museu Nacional de Varsóvia.
2 – “Os vindimadores”, de Pierre-Auguste Renoir, National Gallery of Art.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Grata,pela profundidade da Homilia do XXVI Domingo do Tempo Comum,muito esclarecedora que nos ajuda à nossa reflexão.Obrigada,Frei José Carlos,por este texto maravilhoso e a última parte com que o terminou,foi com chave de ouro.Gostei muito.Também pela bela ilustração. Desejo-lhe uma boa tarde e continuação de uma boa semana.Que o Senhor o ilumine o guarde e o abençoe.
    Um abraço fraterno.
    Ad

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