terça-feira, 2 de agosto de 2011

Porque não lavam as mãos? (Mt 15,2)

A pergunta que os fariseus e os escribas colocam a Jesus não é de todo descabida face à necessidade de higiene, ao cuidado que todos devemos ter de lavar as mãos antes de comer. Contudo, não é essa a verdadeira preocupação dos escribas e fariseus, eles não estão preocupados com qualquer infecção alimentar que os discípulos possam apanhar.
Bem pelo contrário, a pergunta encerra em si uma armadilha que é consequência da própria vinda dos fariseus. Eles estavam ali antes de mais para aferir da doutrina daquele que o povo já apelidava de Filho de David e Filho de Deus, e por isso confrontam Jesus com a doutrina da tradição, os preceitos religiosos que enquadravam a relação com a divindade.
E é face a esta armadilha que Jesus responde, não entrando em discussão sobre o cumprimento dos preceitos, mas invocando a autoridade da lei, uma lei que os preceitos afinal tinham agrilhoado e inviabilizado na sua dimensão libertadora.
Jesus sabia o que os seus discípulos faziam, tinha certamente consciência da falta de higiene, mas aos deixá-los nessa liberdade, e até certa irresponsabilidade, mostrava e mostrava-lhes o quanto longe tinham chegado os preceitos em termos de segregação. Porque de facto, se para os escribas e fariseus havia a necessidade de lavar as mãos, não era porque elas pudessem estar sujas, mas porque podiam estar contaminadas enquanto tivessem tocado algo impuro ou estrangeiro.
A ablução das mãos, a pureza para a refeição, era afinal um sinal de uma rejeição do outro, do incumprimento da verdadeira missão de povo eleito enquanto instrumento para trazer todos os homens ao convívio de Deus. Lavavam-se as mãos porque se considerava que os outros não eram puros, não eram dignos de serem também povo de Deus.
Lavar as mãos para quê, se à mesma mesa não se podiam sentar estrangeiros e judeus, ricos e pobres, se havia alimentos que não se podiam comer, se havia uns que eram puros e outros impuros em função dos ritualismos e dos preceitos cumpridos ou não cumpridos.
Perante tal incoerência e infidelidade à lei e à verdadeira missão do povo eleito, Jesus mostra aos seus discípulos, e ao povo que se tinha afastado por medo das autoridades religiosas, que o que verdadeiramente necessita ser limpo e purificado é o coração do homem, porque é aí que nasce o que verdadeiramente perturba o homem e o infecta, que o faz considerar o outro diferente e inferior, impuro.
E diante daqueles que defendem os preceitos, esquecendo-se do homem e como a lei foi feita para o homem, face aos fariseus e escribas, Jesus recomenda que não se lhes dê atenção, que não se tenham em conta, porque como cegos conduzem outros cegos para o abismo. Antes de mais, está a liberdade de cada um, a liberdade da consciência de procurar ser fiel à lei enquanto meio para a perfeição a que Deus nos convida e o nosso espírito nos impele.
Que o Senhor nos conceda a graça da pureza de coração, para podermos viver em fraternidade com todos e cumprirmos também a missão de congregar todos os homens à mesma e única mesa do Senhor Jesus.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Obrigada, por nos desmontar a falsa questão colocada a Jesus, a preocupação dos escribas e fariseus, sobre a necessidade de higiene, do lavar das mãos que os discípulos de Jesus não cumprem, antes de comer. Como nos diz, a impureza não vem de fora, vem de dentro, do nosso coração, da nossa mente. ...” A ablução das mãos, a pureza para a refeição, era afinal um sinal de uma rejeição do outro, do incumprimento da verdadeira missão de povo eleito enquanto instrumento para trazer todos os homens ao convívio de Deus. Lavavam-se as mãos porque se considerava que os outros não eram puros, não eram dignos de serem também povo de Deus.”… (…)
    …” Jesus mostra aos seus discípulos, e ao povo que se tinha afastado por medo das autoridades religiosas, que o que verdadeiramente necessita ser limpo e purificado é o coração do homem, porque é aí que nasce o que verdadeiramente perturba o homem e o infecta, que o faz considerar o outro diferente e inferior, impuro.”…
    Como nos salienta, Frei José Carlos, …” Antes de mais, está a liberdade de cada um, a liberdade da consciência de procurar ser fiel à lei enquanto meio para a perfeição a que Deus nos convida e o nosso espírito nos impele.”…
    Peçamos com o Frei José Carlos …” Que o Senhor nos conceda a graça da pureza de coração, para podermos viver em fraternidade com todos e cumprirmos também a missão de congregar todos os homens à mesma e única mesa do Senhor Jesus.”
    Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha desta Meditação que nos encoraja a não desistir de acreditar em Jesus e na Sua Palavra, ainda que a autoridade da lei nos impeça de uma participação plena. Bem-haja.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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