domingo, 13 de dezembro de 2015

Homilia do III Domingo do Advento

Na nossa caminhada de Advento, neste tempo de preparação para a celebração do nascimento do nosso Salvador, encontramos novamente a figura de João Baptista e a sua pregação. O Evangelho de São Lucas que escutámos faz-nos eco dessa pregação e de como ela teve ouvintes, homens e mulheres que face às palavras de João se questionaram sobre o que fazer.
“O que devemos fazer” é assim a pergunta que orienta as respostas e recomendações de João Baptista, respostas que visam colocar no concreto da vida quotidiana a dinâmica transformadora da conversão. Pergunta que obrigatoriamente deve ser também a nossa, assim como nossa deve ser a dinâmica que lhe está inerente.
Neste sentido devemos olhar as respostas de João Baptista a cada grupo, pois encontramos uma evolução de um grupo mais lato para grupos restritos, de um grupo indiferenciado como é a multidão para os grupos específicos dos publicanos e dos soldados.
No grupo mais lato, como o da multidão, João Baptista apela à partilha do vestuário e do alimento, daquelas realidades acessíveis a todos e portanto passiveis de serem partilhadas sem dificuldade. Estamos num patamar que poderíamos considerar externo a cada um de nós, que não exige uma grande implicação da nossa parte.
Ao responder ao grupo dos publicanos o grau de exigência aumenta, pois encontramos já uma particularização e uma exigência ética que se traduz nessa atitude de não exigir mais que o prescrito. Eram homens ao serviço do império e vemos pelos Evangelhos que muitas vezes se serviam do seu posto e serviço para se servirem a si próprios pela exploração do outro.
Entramos desta forma num patamar superior em que a justiça é o elemento orientador, pois tudo deve ser feito à luz do prescrito e do possível ao outro. Principio que não está muitas vezes presente na nossa realidade e na nossa relação com o outro, pois dirigimo-nos a ele com superioridade ou com força, exigindo o que não tem ou não pode dar.
Num outro contexto, mas sem muita distância do princípio orientador, Jesus acusa os fariseus de colocarem grandes fardos às costas dos outros, mas os quais não estão dispostos a mover com um dedo. Encontramo-nos assim com as nossas exigências, com as nossas expectativas face aos outros, com o que lhes exigimos mas que nós não fazemos ou não queremos.
Quantas pessoas vivem ao nosso lado oprimidas, frustradas, tristes, porque não somos capazes de aceitar as suas debilidades e limitações, as suas incapacidades, às quais exigimos o que não podem ou não conseguem dar. E tudo isto se encontra tanto no campo profissional como no campo das nossas relações humanas de família ou de amigos.
Quando São João diz aos publicanos que não devem exigir para além do que foi prescrito está a colocar-nos face a face às capacidades do outro e ao seu respeito.
A resposta de João Baptista aos soldados reforça a resposta dada aos publicanos ao solicitar que não se exerça violência sobre o outro, mas acrescenta-lhe uma nova exigência, uma nova realidade que é a satisfação com o que é próprio.
Ao recomendar aos soldados que se contentem com o seu soldo, João Baptista no seu apelo de conversão está-nos a solicitar uma valorização do que temos, um combate da inveja que muito frequentemente nos impede de apreciar o que temos e nos faz querer o que é dos outros.
Estas recomendações de João Baptista àqueles que o procuravam eram já suficientes para uma mudança de vida, para uma entrada nessa alegria que somos convidados a viver neste domingo. Mas João vai mais longe e desafia-nos numa experiência radical que pode conduzir ao verdadeiro júbilo, à experiência mais gratificante do Senhor que está no meio de nós.
Quando João Baptista diz aos seus ouvintes, esperançados que ele fosse o messias, que não era digno de lhe desatar as correias da sandália, está a subverter toda a tradição do seguimento e do discipulado conhecido à época, e a inovar uma forma de estar diante do outro considerado mestre completamente inusitada.
De acordo com as normas do seguimento dos mestres rabis, o discípulo tinha a obrigação de fazer tudo ao mestre, como preparar-lhe a casa, cuidar dele, ser secretário, mas jamais podia descalçá-lo porque esse era um serviço dos escravos, um serviço humilhante e nenhum judeu se podia submeter a tal humilhação. O judeu era sempre um homem livre e nunca um escravo.
João Baptista ao colocar-se como indigno de desatar as correias da sandália humilha-se abaixo do escravo, aniquila-se totalmente em qualquer poder para que o outro possa ser e realizar a sua missão. Diante do Messias que vem e já está presente não há lugar para qualquer pretensão, qualquer lugar ou poder, tudo deve ser submetido com humildade e amor.
As recomendações de João Baptista aos diversos grupos sobre o modo de realizar a conversão são assim iluminadas, e de certa forma ultrapassadas, por esta atitude de João. O importante não é assim tanto o que se faz ou deixa de fazer mas a atitude, o colocar-se ao serviço do outro para que ele cresça, para que ele se realize.
Quando olhamos para este princípio e para a atitude de João Baptista vemos como nos falta ainda tanto para progredir no seguimento de Jesus, na humildade de desaparecermos para que o outro seja e Deus se realize no outro.
Que este Advento seja uma oportunidade para nos fazermos pequenos como o Filho de Deus se fez para que o pudéssemos acolher.

 
Ilustração:
1 – “Pregação de João Baptista”, de Bernardo Strozzi, Kunsthistorisches Museum.
2 – “Jesus, João e o cordeiro”, de Anthony van Dyck e Rubens, Museu do Prado.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Li com muito interesse a Homilia do III Domingo do Advento,é uma maravilha e tão esclarecedora e duma profundidade,que nos faz reflectir mais profundamente.No nosso dia-a-dia falhamos em vários pontos que propôs para meditarmos neste domingo.
    Quando olhamos para este princípio e para a atitude de João Baptista vemos como nos falta ainda tanto para progredir no seguimento de Jesus,na humildade de desaparecermos para que o outro seja e Deus se realize no outro.
    Que este Advento seja uma oportunidade para nos fazermos pequenos como o Filho de Deus se fez para que o pudéssemos acolher.
    Obrigada,Frei José Carlos,pelas suas mensagens tão oportunas,profundas e ricas de sentido.Também gostei muito das ilustrações,tudo nos ajuda.Bem-haja.Que o Senhor o ilumine o abençõe e o proteja.Desejo-lhe uma boa semana com paz e alegria e,um bom descanso.
    Um abraço fraterno.
    AD

    14 de dezembro de 2015 às 14:19

    ResponderEliminar