As leituras deste domingo apontam para uma realidade que não foi para os discípulos, nem é para nós, estática, fixa, mas pelo contrário uma realidade que evolui, que se constrói e reconstrói até à verdade da plenitude. Essa realidade é a do conhecimento de Jesus Cristo.
Na leitura dos Actos dos Apóstolos, e muito concretamente neste trecho do discurso ao povo, São Pedro confessa que agora sabe que agiram por ignorância. “Agora eu sei que vós agistes por ignorância, mas tal aconteceu para se cumprirem as Escrituras”.
Há assim uma oposição entre o conhecimento de Pedro, o conhecimento que agora possui, e a ignorância do povo, assim como há uma oposição entre o conhecimento de Pedro antes da ressurreição e após a ressurreição, pois é só agora que sabe.
Esta oposição do conhecimento antes e após a ressurreição é facilmente verificável ao longo dos Evangelhos, pois em diversos momentos encontramos os discípulos com uma imagem e uma compreensão da missão de Jesus completamente equivocada, distante da verdade e do que lhes era manifestado.
Encontramos ecos das suas pretensões de poder e governo, de glória numa revolução, e a constatação do desabar destas expectativas aquando da prisão e morte de Jesus, fugindo cada um para seu sítio. O seguimento e o conhecimento de Jesus, ainda que íntimo, estavam condicionados por essas expectativas e pretensões.
Será a ressurreição de Jesus e a experiência do ressuscitado nas suas diversas aparições que fará com que o conhecimento seja reconduzido à verdade, e permita a Pedro poder dizer que agora sabe o que antes não sabia e aquilo que o povo desconhece.
Esta transformação é possível graças às aparições do ressuscitado, mas não só, porque se fosse graças apenas a esse dado poderiam, e poderíamos também nós, ficar na ideia vaga de um espírito, de um fantasma poderoso, de um ente superior.
A aparição de Jesus no meio dos discípulos, depois da manifestação em Emaús, que São Lucas nos relata, é neste aspecto paradigmática, pois não só lhes aparece enquanto ressuscitado, em outra dimensão, como nessa aparição os remete para a experiência física e histórica vivida anteriormente e para a leitura dessa mesma experiência à luz das palavras da revelação contidas nos profetas e na lei.
O conhecimento verdadeiro e cabal de Jesus é assim possível na medida em que a experiência de intimidade que os discípulos puderam viver e o aparente desastre com a morte na cruz são enquadradas nas promessas messiânicas e são confirmadas com a experiência da presença do ressuscitado.
E nesta leitura enquadrante não podemos deixar de ter presente que em nenhuma promessa da Lei, dos profetas ou dos Salmos se fala do nome de Jesus de Nazaré, se define ou projecta uma história concreta, mas define-se e constrói-se uma aliança, uma história de relação de Deus com os homens cada vez mais próxima e mais íntima.
Com Jesus Cristo essa história fez-se vida, fez-se actualidade e possibilidade para todos os homens e mulheres de todos os tempos, fez-se paternidade e filiação divinas e os discípulos experimentaram isso e por essa razão foram convidados a partilhá-las e testemunhá-las aos outros.
Por isso São João na sua carta diz que conhecemos verdadeiramente a Jesus na medida em que guardamos os seus mandamentos, em que procuramos que o amor de Deus seja perfeito em nós, ou seja, quando à semelhança de Jesus procuramos nas nossas limitações e fragilidades viver a relação de filiação que também ele viveu, a aliança que Deus oferece à humanidade, manifestando no amor e na amizade a intimidade divina a que são convidados todos os homens.
À medida que vamos fazendo a leitura da nossa relação, da nossa história da Aliança, à luz da Palavra de Deus e da história e pessoa de Jesus, percebemos como muitas vezes estamos longe do conhecimento verdadeiro, como o nosso conhecimento é superficial ou até equivocado e por isso necessitado de reformulação ou aprofundamento.
Necessitamos por isso voltar cada dia à Palavra de Deus, à história de Jesus e à partilha fraterna das nossas experiências e passos dados na fé e no seguimento, pois só dessa forma nos poderemos ir libertando do peso dos nosso egoísmos e das nossas infidelidades e fortalecendo na confiança dos passos ainda a dar.
Que o Espírito Santo, verdadeiro conhecimento do Pai e do Filho, nos ilumine no desejo e aumente a esperança no alcance da plenitude da verdade.
Ilustração: “A pregação de São Pedro”, de Fra Angélico. Tabernáculo Linaioli, Museu de São Marcos, Florença.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarO texto da Homilia do III Domingo do Tempo Pascal que teceu e partilha centrada sobre a realidade do conhecimento de Jesus Cristo que se constrói em permanência é interessante na sua abordagem, profundo e constitui um excelente tema de meditação.
Bem-haja por salientar-nos que ...” À medida que vamos fazendo a leitura da nossa relação, da nossa história da Aliança, à luz da Palavra de Deus e da história e pessoa de Jesus, percebemos como muitas vezes estamos longe do conhecimento verdadeiro, como o nosso conhecimento é superficial ou até equivocado e por isso necessitado de reformulação ou aprofundamento”.
Obrigada, Frei José Carlos, por ajudar-nos a conhecermos os nossos limites e por exortar-nos a …“ voltar cada dia à Palavra de Deus, à história de Jesus e à partilha fraterna das nossas experiências e passos dados na fé e no seguimento, pois só dessa forma nos poderemos ir libertando do peso dos nossos egoísmos e das nossas infidelidades e fortalecendo na confiança dos passos ainda a dar.”
Peçamos ao Senhor que ilumine e abençõe o Frei José Carlos.
Votos de uma boa semana.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva