quarta-feira, 4 de abril de 2012

Serei eu, Mestre? (Mt 26,25)

No decurso da última ceia de Jesus com os discípulos acontece um diálogo um tanto ou quanto estranho. Jesus revela que um dos presentes, um dos seus discípulos o vai trair, o vai entregar àqueles que desejam a sua morte.
Perante tal anúncio cada discípulo começa a interrogar Jesus, perguntando se será ele, confrontando-se assim com a possibilidade de traição que habitava cada um.
A cada interrogação, pois nos é dito que cada um perguntou se seria ele o mencionado, Jesus não responde directamente, não deixa revelar os sentimentos mais íntimos e pouco nobres.
Contudo, quando chega a vez de Judas, Jesus responde-lhe directamente, revelando-lhe a traição, uma traição que estava explicita na mesma pergunta e que não tinha estado na dos outros discípulos.
É significativo o pormenor de os outros discípulos perguntarem dirigindo-se ao Senhor, enquanto que Judas pergunta dirigindo-se ao Mestre. Há assim uma diferença que marca a traição e a própria condenação.
Podemos de facto assumir que à pergunta “serei eu Senhor”, Jesus não responde nem revela qualquer tipo de condenação porque a pergunta enferma das expectativas mais mundanas que ainda habitavam cada um dos discípulos. Era o medo de perderem o poder, os ofícios no futuro governo, que estava subjacente à pergunta e portanto não afecta Jesus, não afecta a relação que tinham estabelecido.
Pelo contrário, Judas dirige-se ao Mestre, manifestando dessa forma a interioridade, o conhecimento da verdade e da autoridade de Jesus. A sua pergunta afecta assim o âmago da relação, da história que tinham partilhado, do conhecimento que tinha adquirido.
E por isso Jesus lhe responde que ele o tinha dito, ele próprio se tinha condenado e excluído ao reconhecer o Mestre mas ao passar ao lado do que isso significava e tinha significado em termos de relação entre os dois.
Também nós, cada um de nós, muitas vezes se deixa levar pela traição, e se umas vezes é porque ainda reina em nós a expectativa de um poder, de uma influência, uma mundaneidade que nos afecta, muitas outras vezes é porque nos esquecemos ou queremos esquecer da relação com Jesus, é porque na nossa vontade nos queremos libertar dela para viver a nossa liberdade.
A primeira dimensão da traição, Jesus certamente compreenderá, porque sabe que somos limitados e frágeis, muito influenciáveis, mas a segunda já será mais difícil e necessitará do perdão, porque representa uma exclusão, um corte com uma oferta de amor, com uma oferta de vida e de verdade.
Na véspera de iniciarmos a celebração dos mistérios da paixão, morte e ressurreição de Jesus reconheçamos as nossas infidelidades e peçamos perdão delas, para que a graça do Senhor venha até nós e mantenhamos acesa a relação que nos une.

Ilustração: “Última Ceia, de Juan de Juanes, Museu do Prado, Madrid.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Como nos recorda, ao ...” iniciarmos a celebração dos mistérios da paixão, morte e ressurreição de Jesus reconheçamos as nossas infidelidades e peçamos perdão delas, para que a graça do Senhor venha até nós e mantenhamos acesa a relação que nos une.”
    Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Meditação que nos desinstala, pela reflexão que nos proporciona, ao salientar-nos que …” Também nós, cada um de nós, muitas vezes se deixa levar pela traição, e se umas vezes é porque ainda reina em nós a expectativa de um poder, de uma influência, uma mundaneidade que nos afecta, muitas outras vezes é porque nos esquecemos ou queremos esquecer da relação com Jesus, é porque na nossa vontade nos queremos libertar dela para viver a nossa liberdade.” Que o Senhor o abençõe e proteja.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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