No decurso da última ceia de Jesus com os discípulos acontece um diálogo um tanto ou quanto estranho. Jesus revela que um dos presentes, um dos seus discípulos o vai trair, o vai entregar àqueles que desejam a sua morte.
Perante tal anúncio cada discípulo começa a interrogar Jesus, perguntando se será ele, confrontando-se assim com a possibilidade de traição que habitava cada um.
A cada interrogação, pois nos é dito que cada um perguntou se seria ele o mencionado, Jesus não responde directamente, não deixa revelar os sentimentos mais íntimos e pouco nobres.
Contudo, quando chega a vez de Judas, Jesus responde-lhe directamente, revelando-lhe a traição, uma traição que estava explicita na mesma pergunta e que não tinha estado na dos outros discípulos.
É significativo o pormenor de os outros discípulos perguntarem dirigindo-se ao Senhor, enquanto que Judas pergunta dirigindo-se ao Mestre. Há assim uma diferença que marca a traição e a própria condenação.
Podemos de facto assumir que à pergunta “serei eu Senhor”, Jesus não responde nem revela qualquer tipo de condenação porque a pergunta enferma das expectativas mais mundanas que ainda habitavam cada um dos discípulos. Era o medo de perderem o poder, os ofícios no futuro governo, que estava subjacente à pergunta e portanto não afecta Jesus, não afecta a relação que tinham estabelecido.
Pelo contrário, Judas dirige-se ao Mestre, manifestando dessa forma a interioridade, o conhecimento da verdade e da autoridade de Jesus. A sua pergunta afecta assim o âmago da relação, da história que tinham partilhado, do conhecimento que tinha adquirido.
E por isso Jesus lhe responde que ele o tinha dito, ele próprio se tinha condenado e excluído ao reconhecer o Mestre mas ao passar ao lado do que isso significava e tinha significado em termos de relação entre os dois.
Também nós, cada um de nós, muitas vezes se deixa levar pela traição, e se umas vezes é porque ainda reina em nós a expectativa de um poder, de uma influência, uma mundaneidade que nos afecta, muitas outras vezes é porque nos esquecemos ou queremos esquecer da relação com Jesus, é porque na nossa vontade nos queremos libertar dela para viver a nossa liberdade.
A primeira dimensão da traição, Jesus certamente compreenderá, porque sabe que somos limitados e frágeis, muito influenciáveis, mas a segunda já será mais difícil e necessitará do perdão, porque representa uma exclusão, um corte com uma oferta de amor, com uma oferta de vida e de verdade.
Na véspera de iniciarmos a celebração dos mistérios da paixão, morte e ressurreição de Jesus reconheçamos as nossas infidelidades e peçamos perdão delas, para que a graça do Senhor venha até nós e mantenhamos acesa a relação que nos une.
Ilustração: “Última Ceia, de Juan de Juanes, Museu do Prado, Madrid.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarComo nos recorda, ao ...” iniciarmos a celebração dos mistérios da paixão, morte e ressurreição de Jesus reconheçamos as nossas infidelidades e peçamos perdão delas, para que a graça do Senhor venha até nós e mantenhamos acesa a relação que nos une.”
Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Meditação que nos desinstala, pela reflexão que nos proporciona, ao salientar-nos que …” Também nós, cada um de nós, muitas vezes se deixa levar pela traição, e se umas vezes é porque ainda reina em nós a expectativa de um poder, de uma influência, uma mundaneidade que nos afecta, muitas outras vezes é porque nos esquecemos ou queremos esquecer da relação com Jesus, é porque na nossa vontade nos queremos libertar dela para viver a nossa liberdade.” Que o Senhor o abençõe e proteja.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva