sexta-feira, 27 de abril de 2012

Se não comerdes a carne do Filho do homem (Jo 6,53)

Ao afirmar aos seus ouvintes que se não comessem a carne do Filho do homem não teriam a vida em si, Jesus provoca o escândalo daquela gente, um escândalo que ainda hoje atinge muito homens, pois tal como naquele dia estas palavras não perderam nada da sua dimensão enigmática nem provocadora da razão humana.
A história, e alguns acontecimentos não muito distantes no tempo, mostram-nos que em determinadas situações estas palavras foram levadas à letra e a sobrevivência do homem garantiu-se à custa da antropofagia, embora Jesus não explicite de maneira nenhuma a forma como se poderá processar essa alimentação do seu corpo e do seu sangue.
Tendo em conta o contexto e a cultura em que Jesus se insere não podemos assumir de maneira nenhuma que Jesus fala de antropofagia, que se refere literalmente à sua carne e ao seu sangue. De facto era uma aberração civilizacional.
Para compreender estas palavras e a sua dimensão temos que ter presente o que Jesus disse sobre o Pão do Céu, sobre a sua natureza, a sua origem e a sua missão, ou seja, como enviado do céu, de natureza divina, a sua missão é dar a vida divina aos homens, mas tal só pode acontecer na dimensão carnal, no assumir da humanidade, no mistério da encarnação.
A dimensão humana de Jesus e a sua aceitação são imprescindíveis para o acesso à oferta de Deus, é a carne do Filho do homem que proporciona ao homem o acesso à divindade, o alimento para a vida que está para além da carne, porque o homem não vive só de pão mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.
É essa Palavra, feita carne humana em Jesus Cristo que pode alimentar, que pode dar a vida, porque de outra forma ao homem seria impossível uma vez que se teria que suplantar na sua condição, o que por si próprio lhe é impossível.
Comer a carne do Filho do homem significa assim assumir e integrar o mistério da Encarnação da Palavra de Deus, acreditar em Jesus enquanto homem como Filho de Deus, portador da vida divina para todos os homens. Significa igualmente assumir que na nossa carne, na nossa dimensão humana, se traduz hoje e aqui o mesmo desafio de alimentação, o mesmo convite de Deus a viver segundo a sua vontade para em amor sermos alimento uns dos outros.
O Senhor convida-nos assim a tomar a sua carne, o seu amor obediente ao Pai, o seu exemplo de entrega, para na nossa entrega igualmente obediente fazermos presente o alimento que vivifica, o amor louco de Deus por todos os homens.
É porque Jesus vive da vida e da intimidade com o Pai, que é a vida total, que Jesus pode dar sem se perder a sua vida para a vida do mundo. E é na medida que nós vivemos da vida e da intimidade com Jesus, caminho verdade e vida, que nós poderemos dar também a vida sem a perder e retomá-la nele mesmo para a eternidade.

Ilustração: “Sangue do Redentor”, de Bartolomeo Passerotti.


1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    O texto da Meditação que teceu e partilha, é profundo, esclarecedor e de grande espiritualidade. Como nos salienta ...” A dimensão humana de Jesus e a sua aceitação são imprescindíveis para o acesso à oferta de Deus, é a carne do Filho do homem que proporciona ao homem o acesso à divindade, o alimento para a vida que está para além da carne, porque o homem não vive só de pão mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.
    É essa Palavra, feita carne humana em Jesus Cristo que pode alimentar, que pode dar a vida, porque de outra forma ao homem seria impossível uma vez que se teria que suplantar na sua condição, o que por si próprio lhe é impossível.”…
    Bem-haja, Frei José Carlos, por nos recordar que …” O Senhor convida-nos assim a tomar a sua carne, o seu amor obediente ao Pai, o seu exemplo de entrega, para na nossa entrega igualmente obediente fazermos presente o alimento que vivifica, o amor louco de Deus por todos os homens (…) E é na medida que nós vivemos da vida e da intimidade com Jesus, caminho verdade e vida, que nós poderemos dar também a vida sem a perder e retomá-la nele mesmo para a eternidade”.
    Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas que fortalecem-nos e encorajam-nos no nosso peregrinar. Que o Senhor o ilumine e abençõe.
    Votos de um bom fim-de-semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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