sábado, 28 de abril de 2012

Também vós quereis ir embora? (Jo 6,67)

As palavras de Jesus sobre o Pão da Vida foram muito duras, os seus ouvintes não foram capazes de as aceitar. Mas se tal aconteceu não foi porque Jesus lhes falou da necessidade de comer a sua carne e beber o seu sangue, mas porque tal proposta implicava um compromisso, uma adesão, a aceitação do dom que Jesus oferecia e a alteração de vida que tal aceitação acarretava.
Muitos dos discípulos abandonaram Jesus face às palavras duras, manifestando dessa forma como o seguimento de Jesus não é fácil e como o grupo dos discípulos viveu verdadeiramente momentos de tensão, momentos difíceis que nenhum Evangelista escamoteou nem deixou de referir. Seguir Jesus é de facto algo radical e não nos podemos enganar nem ter ilusões.
E é perante essa deserção dos discípulos que Jesus coloca a pergunta ao grupo dos doze, aos mais íntimos, “também vós quereis ir embora?”.
Pergunta necessária e urgente na medida em que a oferta de Jesus, o dom da vida não se pode aceitar coagido, sem liberdade, sem uma decisão pessoal e intransmissível. Na relação com Jesus e na aceitação do dom da sua vida nada se pode opor, nada pode ser contestado. É um dom que se faz e é um dom que se recebe.
O acolhimento do dom que Jesus nos faz acarreta o dom inteiro de nós próprios àquele que se nos oferece, a partilha da vida com ele. O acolhimento do dom de Jesus é assim a maior exigência, e por isso tantos o abandonaram, pois exige a nossa vida, a nossa entrega amorosa e total, e isso não pode jamais ocorrer sem liberdade.
Neste sentido não podemos pensar em lançar a mão sobre o dom de Jesus e os dons de Deus e encerrá-los egoisticamente para nós. Ao fazê-lo estamos a enganar-nos a nós próprios e a perder esses mesmos dons, porque eles acontecem na nossa vida na medida em que os partilhamos, na medida em que os colocamos nas mãos abertas para que outros os possam receber.
Ao dar a sua vida por nós, Jesus ensina-nos a receber o dom de Deus, o dom da sua vida, dando a nossa vida pelos nossos irmãos. Neste sentido não podemos deixar de ter presente as palavras da Carta de São Tiago, “não vos enganeis meus amados irmãos, toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das Luzes”.
Assim, tudo o que damos, tudo o que procuramos fazer no sentido da fidelidade ao dom de Deus torna-se dom perfeito e bom em sintonia com o dom que recebemos de Deus.

Ilustração: “Cristo e os Apóstolos”, iluminura do Evangelho do Mosteiro Antonievo Siysky, Rússia.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    O texto da Meditação que teceu fala-nos de forma profunda, directa de duas dimensões importantes no acolhimento do dom de Jesus: a necessidade de fazê-lo em total liberdade, pela exigência que implica e a partilha com o outro, com os nossos irmãos.
    Como nos salienta ...” Seguir Jesus é de facto algo radical e não nos podemos enganar nem ter ilusões. (…)
    (...) Na relação com Jesus e na aceitação do dom da sua vida nada se pode opor, nada pode ser contestado. É um dom que se faz e é um dom que se recebe.
    O acolhimento do dom que Jesus nos faz acarreta o dom inteiro de nós próprios àquele que se nos oferece, a partilha da vida com ele. O acolhimento do dom de Jesus é assim a maior exigência, e por isso tantos o abandonaram, pois exige a nossa vida, a nossa entrega amorosa e total, e isso não pode jamais ocorrer sem liberdade.
    Neste sentido não podemos pensar em lançar a mão sobre o dom de Jesus e os dons de Deus e encerrá-los egoisticamente para nós. (…)
    (…) Ao dar a sua vida por nós, Jesus ensina-nos a receber o dom de Deus, o dom da sua vida, dando a nossa vida pelos nossos irmãos.”…
    Saber dar, partilhar o dom de Deus, pressupõe igualmente ter fé, humildade para saber receber, acolher o dom de Jesus e os dons de Deus que nos são oferecidos.
    Bem-haja, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas que nos tocam profundamente, que nos fazem reflectir sobre a nossa forma de ser e de estar com Jesus, com os outros. Que o Senhor o abençõe e proteja.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    ResponderEliminar