domingo, 22 de abril de 2012

Notas Dominicanas do Diário de frei Joaquim de São José

Graças à investigação e estudo de Maria Luísa Cabral foi publicado no final do ano de 2011, pela Biblioteca Nacional de Portugal, na sua colecção “Fontes”, o Diário da Viagem de Frei Joaquim de São José, franciscano, ao Capítulo Geral electivo da Ordem, celebrado na cidade de Roma no ano de 1750.

É interessante, embora por outra parte frustrante, observar como este homem de meados do século dezoito, formado no Colégio de Santo Antão, nas Aulas do Convento de São Domingos de Lisboa, na Universidade de Coimbra, Mestre de Filosofia no Colégio de São Pedro de Coimbra, para o qual adquiriu uma avultada porção de livros, Visitador Apostólico da Província e posteriormente Prior Provincial da mesma, percorre e visita um conjunto notável de cidades na sua viagem de Lisboa a Roma e pouco mais regista de significativo que as bibliotecas que tem a possibilidade de visitar e as relíquias que lhe são facultadas venerar.

Havia muito mais para ver e para apontar, mas parece que apenas lhe interessaram as bibliotecas, os centros de estudos e as relíquias ou lugares de devoção. Tudo o mais são praticamente dados e notas sobre hospedarias e caminhos, despesas e transportes, como se fosse voltar a fazer a viagem.
No décimo sétimo dia de jornada escreve que “é certo que se despe de muita bisonhice quem vem adestrar-se a países estrangeiros”, embora no seu caso pareça que tal não aconteceu, testemunhando dessa forma a ambivalência cultural portuguesa da época, fascinada pelos livros e a cultura das luzes mas aferrada à religiosidade devocional popular.

Inevitavelmente, e pelos interesses evidenciados, frei Joaquim de São José encontrou-se com a Ordem de São Domingos na sua viagem até Roma e é por essa razão que o referimos, pois no seu Diário encontram-se vários registos dominicanos que importa salvar.

O primeiro deles acontece na cidade de Barcelona:
“Agora dizemos o mais principal do muito que vimos. Vimos o convento de Santa Catarina dos Religiosos Dominicos. A igreja é excelente e o coro também; tem capelas muito boas; é espaçosíssima a de Nossa Senhora do Rosário cujo zimbório tem três ordens de muita elegância. Nesta igreja está a sepultura de São Raimundo de Peñafort com distinção, e junto a ela, a capela do mesmo Santo com seu corpo em primoroso caixão de boas pedras. Tem formosas [dependências] este convento entre as quais se distingue muito a livraria posto que os livros, sendo muitos e bons, não têm aquele primor de encadernação que ordinariamente têm os das nossas livrarias de Portugal.
Esta livraria era do Reverendíssimo Frei Tomás Ripoll Geral Dominicano que a aplicou a este convento. Vimos também o [?] dos serviços e nela a formosíssima e perfeitíssima imagem de Nossa Senhora das Dores.” (113)

O segundo na cidade italiana de Turim:
“As ruas também são recomendáveis e me pareceu exceder a todas a via Padi, onde está a Universidade de Turim, que tem belo claustro, bons gerais, quatro Mestres de cada faculdade a duas ou três mil libras cada um; os Padres Dominicos são os que mais frequentemente lêem Teologia nesta Universidade; na qual em matérias de Física, todos são modernos, cartesianos, etc., e ainda os Franciscano que seguem a Escoto.” (129)

O terceiro registo acontece na cidade italiana de Modena:
“Vimos a soldadesca e palácio do Duque de Modena: o palácio é bom e de bela forma mas não me pareceu muito grande. Trabalha-se ainda nele, como também no Convento de São Domingos, cuja igreja é excelente per modum crucis com admirável artificio assim no todo, como nas alturas, que são de jaspes primorosos e iguais pinturas nos quadros.” (135)

O quarto acontece na cidade de Bolonha:
“Deixadas já as mais coisas dou ultimamente notícia de que fui adorar o corpo do grande Padre São Domingos que se conserva em primorosa urna de mármores finíssimos e finíssima escultura que toquei, e palpei com devoção e atenção. A capela é seguro depósito de tal tesouro, de elegantes, e finas pedras. Igual a esta é a da Senhora do Rosário que está defronte à porta do Evangelho. Toda esta igreja, coro e convento dos Padres Dominicos de Bolonha é coisa belíssima e magnífica.” (138)

O último registo acontece já em Roma e ilustra uma praxe que era comum:
“Em um dia desta semana veio o Padre Geral dos Dominicos com a sua comunidade reconhecer ao Reverendíssimo Geral de Aracoeli, cerimónia que se faz com toda a demonstração de fraternidade, e da mesma forma correspondem os Franciscanos aos Dominicos na eleição do Geral destes.” (159)
Por estas breves notas podemos apreciar a forma sucinta como frei Joaquim de São José escreveu o Diário da sua viagem, bem como os seus interesses, condicionados uma e outros ao tempo que certamente não seria muito e ao cansaço que seria bastante.

Ilustração:
1 – Túmulo de São Raimundo de Peñafort. Hoje na Catedral de Barcelona.
2 – Cúpula da igreja de São Domingos em Modena.
3 – Capela e tumulo de São Domingos em Bolonha.



1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Obrigada pela partilha das “Notas Dominicanas do Diário de Frei Joaquim de São José”. Atendendo à formação académica e religiosa e às funções desempenhadas, como refere no texto, seria expectável que o Diário da viagem de Lisboa a Roma “não se tivesse quase limitado ao registo das bibliotecas que tem a possibilidade de visitar e as relíquias que lhe são facultadas venerar”.
    Entre outras razões, como nos refere Frei Joaquim de São José foi condicionado pelo tempo e pelo cansaço. Porém, cabe assinalar que as Notas Dominicanas são interessantes e podem constituir pistas para uma análise mais detalhada e interessante.
    Considero importante o último registo ilustrativo da fraternidade entre Fransciscanos e Dominicanos. Bem-haja, Frei José Carlos.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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