domingo, 18 de novembro de 2012

Homilia do XXXIII Domingo do Tempo Comum


O ano litúrgico está a chegar ao fim e preparamo-nos para deixar o Evangelho de São Marcos que nos acompanhou durante este ano. E fazemo-lo com um texto carregado de esperança, de promessa de vitória e glória, ainda que a roupagem seja apocalíptica e portanto um pouco assustadora para incautos.
Ao mesmo tempo que se nos revela esta esperança e esta vitória, por parte de Jesus, é-nos igualmente chamada a atenção para a necessidade da vigilância, da atenção, pois não são tempos para o homem descansar nem se deixar dormir, mas bem pelo contrário para construir e caminhar diligentemente para a promessa da vitória.
Neste sentido, e face ao discurso que Jesus profere não podemos deixar de o contextualizar e situar, pois estamos em Jerusalém e nos dias seguintes à entrada vitoriosa e aclamada de Jesus na cidade.
Desde esse momento Jesus já se confrontou com os vendedores do templo, já foi contestado sobre a sua autoridade para tal atitude, já teve que discutir as razões do tributo a César e também a polémica questão da ressurreição dos mortos.
Nos intervalos destas questões, Jesus foi avisando os discípulos para o que os esperava, não só o seu fim trágico, do qual tinha consciência pelas circunstâncias dos últimos acontecimentos, mas também para as perseguições que lhes seriam movidas por acreditarem nele.
E é nesta preparação psicológica e espiritual dos discípulos que Jesus manifesta uma grande humildade e um profundo sentido de abandono à vontade de Deus Pai. Assim, nas vésperas da sua paixão, da sua entrega da vida por amor ao Pai, Jesus assume e reconhece face aos discípulos o desconhecimento do que se vai passar no fim dos tempos.
Jesus assume no vocabulário apocalíptico, retirado dos profetas como Daniel, Isaías, Ezequiel e Joel, uma descrição extraordinária dos tempos, uma descrição conhecida dos seus ouvintes, mas que manifesta um desconhecimento exacto da realidade de que se fala.
São imagens, cósmicas, imagens terríveis que não podem ser tomadas à letra, mas que evocam a vitória de que Jesus tem a certeza, a certeza absoluta, pois tais imagens estão intimamente ligadas na linguagem profética à vinda do Filho do Homem, à sua vitória e glória.
Não se trata portanto de uma descrição física, detalhada, jornalística, do fim do mundo ou do fim dos tempos, porque como Jesus assume, desconhece, mas indícios para os seus ouvintes entenderem a realidade em desenvolvimento, a actualidade do prometido pelos profetas. É ali e agora que se cumprem as promessas envoltas em drama.
E neste sentido, a dor e o sofrimento da perda do mestre e posteriormente das perseguições que lhes vão ser movidas não podem ser vistas como uma derrota ou uma fraqueza, porque é nessa aparente derrota e fraqueza que se manifesta o poder de Deus, a sua vitória. Deus não abandona os seus filhos, não abandona aqueles que se lhe confiam e lhe obedecem com amor.
O desconhecimento de Jesus face ao fim dos tempos é inevitavelmente uma pedrada no charco face aos adivinhos e videntes do futuro, de que a história sempre sofreu e hoje parece que ainda mais, pois se o Filho de Deus na sua condição humana desconhece o futuro da história, nenhum homem ou mulher o poderá conhecer e revelar aos outros.
Pelo contrário, este humilde desconhecimento de Jesus coloca-nos face a face com o presente, com o tempo presente e único para viver. A parábola da figueira e do que revela o seu brotar é neste aspecto significativa.
Como bom pedagogo que sempre se mostrou, Jesus apresenta a parábola da figueira para que os seus ouvintes, os seus discípulos, percebessem a necessidade da atenção e de como em cada tempo há a possibilidade de um ressurgir, uma nova oportunidade.
Se ao chegar a primavera os brotes da figueira representam um renascimento, uma nova oportunidade de vida depois da morte do inverno, também os discípulos deveriam saber interpretar os sinais da nova oportunidade, os brotes que surgiriam com a ressurreição, e portanto viver essa nova vida e essa nova oportunidade.
Para nós, cristãos do século vinte e um, coloca-se o mesmo desafio, ou possivelmente um desafio mais acutilante, pois temos que discernir e equilibrar esta necessidade de viver o tempo presente, de o fazer frutificar, rentabilizar, face aos apelos do imediatismo do consumo e da satisfação a toda a prova.
Jesus convida-nos a viver o tempo presente com esperança, no sentido de um crescimento, e com alegria pelo que nos é oferecido viver; mas na nossa sociedade vivemos este tempo presente com ansiedade, de uma forma trágica como se não houvesse mais nada senão este mesmo tempo e o prazer que ele nos pode proporcionar.
Creio que poderíamos dizer que vivemos apocalipticamente, esquecendo que o tempo que Jesus nos convida a viver presentemente é o tempo do caminho em direcção a Deus, é o tempo da alegria e do esforço por alcançar a meta, conscientes de que temos alguém à nossa espera para nos entregar a coroa da vitória.
 
Ilustração: “Juízo Final”, de Leandro Bassano, Museu de Arte de Birmingham.


 

 

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    O texto da Homilia do XXXIII do Tempo Comum que teceu e partilha é importante para nos esclarecer como nos afirma que a Liturgia deste domingo apesar do “vocabulário apocalíptico” não deve ser tomado à letra. O mais importante não é a condenação de alguns mas a salvação de todos. A vida de Jesus Cristo oferece-nos um sacerdócio de perdão total. O testemunho da vida de Jesus e o triunfo de Cristo Jesus sobre a morte, enche-nos de esperança e dá-nos a força para percorrer o Caminho para Deus e perseverarmos nos momentos mais difíceis.
    Interrogo-me sobre o que procuro (amos) e desejo (amos) na nossa existência, passageira, breve? Um outro mundo, de alegria, de paz, de justiça, de solidariedade, em que estamos todos comprometidos, onde a presença de Deus está connosco.
    Como nos salienta, …” Jesus convida-nos a viver o tempo presente com esperança, no sentido de um crescimento, e com alegria pelo que nos é oferecido viver; mas na nossa sociedade vivemos este tempo presente com ansiedade, de uma forma trágica como se não houvesse mais nada senão este mesmo tempo e o prazer que ele nos pode proporcionar.”…
    Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, por recordar-nos que …” o tempo que Jesus nos convida a viver presentemente é o tempo do caminho em direcção a Deus, é o tempo da alegria e do esforço por alcançar a meta, conscientes de que temos alguém à nossa espera para nos entregar a coroa da vitória.”
    Que o Senhor o ilumine, abençoe e proteja.
    Votos de uma boa semana, com paz, alegria, confiança e esperança.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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