domingo, 24 de novembro de 2013

Homília da Solenidade de Cristo Rei

Celebramos hoje a Solenidade de Cristo Rei, instituída em 1925 pelo Papa Pio XI, e com esta celebração encerramos o Ano da Fé proclamado pelo Papa Bento XVI e oferecido à Igreja e ao mundo como uma oportunidade para crescermos numa fé em Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, mais esclarecida, mais dinâmica e mais consequente.
Neste sentido, as leituras desta Solenidade de Cristo Rei são uma oportunidade para nos confrontarmos com as questões que se colocam à nossa fé em Jesus Cristo e aos desafios que ela acarreta, nesta linha do esclarecimento, do dinamismo e das consequências.
A leitura da Carta de São Paulo aos Colossenses dá-nos a chave para compreendermos a realeza de Jesus, uma realeza que se diferencia e até opõe à realeza política, mundana, que podemos ver espelhada nas expectativas dos soldados e dos judeus quando junto à cruz de Jesus lhe pedem que se salve e manifeste dessa forma o seu poder.
E por estranho que nos pareça, estas expectativas manifestadas por aqueles que representavam os poderes do mundo, habitam ainda hoje o nosso coração, as nossas aspirações e até a nossa fé. Quantas vezes não solicitámos já junto de Deus esta mesma manifestação de poder? Quantas vezes não solicitamos um Deus agente, activo, em favor dos nossos desejos e das nossas necessidades mais mundanas e históricas?
Para São Paulo a realeza de Jesus manifesta-se na sua morte na cruz, revela-se nesse acto profundo de misericórdia de entregar a vida em favor dos outros, em favor do perdão dos homens. A entrega de Jesus é um acto incomparável, sem qualquer medida, impossível ao homem, impossível até à compreensão humana na sua racionalidade.
Mas é neste acto supremo de loucura, como muitos o entendem, que se revela todo o poder de Deus, que se revela a sua realeza, uma vez que é o acto supremo de poder, um poder que não aniquila o outro, que não elimina o pecador, aquele que está em dívida, mas pelo contrário, o reabilita, o transforma e o torna justo. É esta revolução que Jesus provoca na condição humana que manifesta o seu poder.
Contudo, este poder escapa aos olhos humanos, escapa à nossa visão mais histórica, e só com o olhar da fé se torna perceptível e compreensível. Não se pode perceber o poder de Deus, a realeza manifestada em Jesus crucificado e aniquilado, sem qualquer força ou poder humano, senão pela fé.
E é esta fé que o chamado bom ladrão manifesta quando, face às provocações dos outros, judeus, soldados, e companheiro de crime, solicita a Jesus que se lembre dele quando vier na sua realeza. É um pedido de tal modo extraordinário, revelador do que está em causa, da fé que é necessária face àquele que tem diante de si, que trata Jesus pelo seu nome, caso único em todo o Evangelho de São Lucas.
Ao fazê-lo, ao dirigir-se a Jesus pelo nome que lhe tinha sido dado pelo pai, e que na sua acepção significa “Deus Salva”, o bom ladrão abre as portas à manifestação do poder de Deus, à realeza de Jesus. O bom ladrão manifesta que a realeza e o poder de Jesus não é um algo externo ou exterior ao homem, manifesta que é acção própria e intrínseca de Deus, e acontece numa relação pessoal, numa relação de intimidade mutua.
A resposta de Jesus ao pedido do bom ladrão manifesta no entanto que ele estava um pouco equivocado, tal como acontece muitas vezes com tantos de nós, ou seja, que o seu poder e a sua realeza não se encontram no futuro, não se encontram na eternidade, mas são actuais, são daqui e de agora, e portanto realizam-se no presente, são actualmente operantes.
Esta afirmação de Jesus provoca inevitavelmente alguns desafios na forma como nos situamos na nossa fé e na nossa relação com ele e a sua acção salvadora na nossa vida. Assim, não podemos deixar de assumir que a nossa vida deve ser um constante exercício, uma batalha, para que tal como nos diz São Paulo tudo seja submetido ao poder e ao reinado de Jesus, porque só sob o seu poder as coisas subsistem e adquirem o seu verdadeiro e pleno valor.
Não podemos deixar de ter presente também, e viver com essa confiança, que o poder de Jesus se realiza actualmente, é operante na nossa vida na medida da relação de fé intima e pessoal que estabelecemos e procuramos viver quotidianamente.
Desta forma, ao celebrarmos a Solenidade de Cristo Rei, e ao concluirmos com ela mais um ano litúrgico, assumimos que apesar das nossas fraquezas, dos nossos pecados, como o bom ladrão, nos dispomos e oferecemos para participar na realeza de Jesus, reconhecemos na fragilidade de Jesus na cruz o poder de nos salvar e transformar.

 
Ilustração: Vitral de Jesus Cristo Rei, igreja Anglicana de São João Baptista de Ashfield, Austrália.

3 comentários:

  1. Bela homilia a de hoje, Frei José Carlos, ao abordar "...uma fé mais esclarecida, mais dinâmica e mais consequente". Mais consciente do que somos, das nossas fragilidades, cientes, porém, de que depende de nós a Graça do perdão e da transformação.
    Um abraço fraterno,
    GVA

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  2. Caro Frei José Carlos,

    Tendo presente o encerramento do Ano da Fé e dos objectivos traçados pelo Papa Bento XVI, as Leituras, o Evangelho do Domingo de Cristo Rei e o texto da Homília que teceu, como nos afirma …” são uma oportunidade para nos confrontarmos com as questões que se colocam à nossa fé em Jesus Cristo e aos desafios que ela acarreta, nesta linha do esclarecimento, do dinamismo e das consequências.”
    Permita-me, Frei José Carlos, que continue a citá-lo …” Para São Paulo a realeza de Jesus manifesta-se na sua morte na cruz, revela-se nesse acto profundo de misericórdia de entregar a vida em favor dos outros, em favor do perdão dos homens. A entrega de Jesus é um acto incomparável, sem qualquer medida, impossível ao homem, impossível até à compreensão humana na sua racionalidade.(…)
    (…)Não se pode perceber o poder de Deus, a realeza manifestada em Jesus crucificado e aniquilado, sem qualquer força ou poder humano, senão pela fé.”
    «O Reino de Deus está no meio de vós!» (Lc 17,20-21). Está dentro de nós, no meio do mundo. Deus convida-nos a descobrir-Lo em permanência, a descobrir o invisível, a torná-Lo presente no quotidiano, e a confiar para que possamos vivê-Lo em plenitude.
    É um longo processo de transformação, de exercício, com muitos “ingredientes”, feito de fé, de amor, de verdade, de confiança, de resistência, de perdão.
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília, profunda, esclarecedora, ilustrada com beleza, por exortar-nos a …” que apesar das nossas fraquezas, dos nossos pecados, como o bom ladrão, nos dispomos e oferecemos para participar na realeza de Jesus, reconhecemos na fragilidade de Jesus na cruz o poder de nos salvar e transformar.”
    Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde. Continuação de um bom dia. Boa semana.
    Um abraço fraterno e amigo,
    Maria José Silva

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  3. Frei José Carlos,

    Ao ler a Homília da Solenidade de Cristo Rei,fiquei maravilhada com a belaza e profundidade ,tão rica de sentido que nos ajuda a Meditar mais profundamente e, muito esclarecedora e tão bem ilustrada.Gostei muito.Obrigada,Frei José Carlos,pelas palavras partilhadas,no encerramento do Ano da Fé.Que o Senhor o ilumine o guarde e o proteja.Continuação de uma boa semana.Um bom dia com paz e alegria.Bem-haja.
    Um abraço fraterno.
    AD

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