quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Valores versus Valores

Tal como acontece todos os meses reuniu-se hoje a Vigararia de Porto Poente. É um momento de encontro e trabalho do conjunto dos párocos e diáconos desta zona da cidade e diocese do Porto.
Na reunião de hoje tivemos a oportunidade de escutar uma pequena reflexão, apresentada pelo Padre João Santos, sobre a necessidade de esclarecer e afirmar os verdadeiros valores.
O que se segue são algumas notas desta apresentação, que pela sua actualidade creio que merecem uma partilha mais generalizada e uma reflexão pessoal.
O contágio social
É inquestionável que todos somos influenciados pela sociedade e pelos grupos em que estamos integrados. Também os membros da Igreja não escapam a este princípio, assim como não escapam à influência e aos valores, ou pseudo valores, que são transmitidos pelos meios de comunicação.     
Estamos contagiados por estes valores, que em muitos casos se opõem e entram em conflito com os valores evangélicos, provocando uma espécie de esquizofrenia espiritual, ou síndroma bipolar.
A velocidade
Entre os valores com que somos contagiados, ou até contaminados, encontra-se a velocidade. Vivemos na era da velocidade, em que qualquer atraso nos desespera. Tudo se mede pelo segundo, ou centésimo de segundo, pela velocidade dos impulsos. Desejamos a velocidade da luz.
E contudo, a natureza mostra-nos que o tempo é um bem não só precioso como necessário. Necessitamos tempo para crescer, para amadurecer, para dar uma outra qualidade à vida e ao que fazemos. Ao tempo, como valor, associa-se a paciência, uma virtude tão pouco cultivada como apreciada.
A facilidade
Associada à velocidade anda a facilidade, o pouco cuidado, uma vez que é necessário responder rapidamente e portanto não se pode perder tempo a cuidar, a aprimorar o que fazemos. Importa mais o já feito que o bem feito.
Neste sentido seria interessante perguntar-nos se alguma da nossa frustração, da nossa insatisfação face ao trabalho realizado não deriva desta facilidade, do cuidado da beleza e da bondade que nos moldam mas aos quais não nos deixam dedicar o tempo necessário.
A Novidade
Andamos todos ávidos de novidade, como se o último modelo do que quer que seja nos trouxesse a felicidade. E depois verificamos que continuamos no mesmo sítio, do mesmo modo, não foi o último modelo que nos fez ser mais felizes.
Necessitamos aprender a ser atletas de fundo, de maratona, a repetir os exercícios como no ginásio até que se ganhe a massa muscular desejada ou necessária. A novidade que devemos procurar é afinal a oferta de cada dia e das suas realizações, é o hoje que é de Deus que vem ao meu encontro.
O melhor
O desejo de ser o melhor, o maior, é uma tentação que nos pode arrastar e devorar. É verdade que não podemos deixar de aspirar ao melhor, à plenitude que podemos alcançar ou realizar.
Contudo, não podemos deixar-nos escravizar por esse desejo, ele deve ser alimentado de forma equilibrada, reconhecendo e aceitando que há limites, que há fragilidades.
A plenitude pode ser alcançada pela fórmula de São Paulo, ou seja, quando sou fraco então é que sou forte, nas debilidades descubro as minhas forças, e pelo serviço discreto que se orienta pelo bem do outro, pelo melhor do outro.
A actividade
A actividade constante que nos é exigida hoje leva inevitavelmente ao activismo, a uma espécie de febre que não nos deixa tranquilos, sossegados, que exige mais actividade como compensação satisfatória.
Este activismo pode encontrar-se no pensar, no sentir e no agir, gerando consequentemente a neurose, a ansiedade e o esgotamento com que tantas vezes nos vemos confrontados.
Face a isto, importa perguntar, se eu tenho que fazer tudo, e tudo ao mesmo tempo. Importa perguntar se ainda que necessário é imprescindível.
 
Que saibamos acolher o tempo presente como um dom que Deus nos oferece, e com paciência esperar os frutos do nosso trabalho cuidado, amado, perseverantemente feito com humildade.

 
Ilustração: Escultura de soldado no fontanário da Confederação em Genebra.

4 comentários:

  1. Obrigado por esta reflexão sobre os valores autênticos que, tantas vezes, esquecemos para correr atrás do imediato e daquilo que nos parece imprescindível, sem tempo para parar e agradecer o dom que é a vida. Obrigado por esta partilha que me ajuda a afastar neuroses e ansiedades, que coloca o trabalho e a actividade no seu justo lugar. CR1

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  2. Frei José Carlos, bom dia! Quão oportuna é esta partilha! Que bem ela me nos fez a todos que a leram. Quanta humildade é necessária para a aceitar! Que Deus o conserve junto de nós!
    Um abraço fraterno,
    GVA

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  3. Frei José Carlos,

    Li com muito interesse esta magnífica partilha tão profunda e esclarecedora,gostei muito.Obrigada,Frei José Carlos,pelas palavras partilhadas,sempre oportunas e pela bela ilustração. Que o Senhor o ilumine o guarde e o ajude..Votos de um bom fim de semana,e um bom descanso.
    Um abraço fraterno.
    AD

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  4. Caro Frei José Carlos,

    Foi com muito interesse e com gratidão que li e reflecti sobre o texto da Meditação que elaborou e partilha. Se o conteúdo da reflexão partilhada e anotada tocam-me a várias dimensões, particularmente em termos de passado, presente e futuro, a humildade com que o faz não excluindo uma parte da Igreja da qual todos fazemos parte, “cala-me fundo”.
    De forma breve e ligeira, poderíamos citar um conhecido provérbio “Depressa e bem, há pouco quem”! Porém, a reflexão exposta é mais profunda. É, como intitulou a mesma, um tema de “Valores versus Valores”.
    E, se todos os subtítulos que alinhavou, estruturou e comentou: o contágio social, a velocidade, a facilidade, a novidade, o melhor, a actividade são realidades tranversais a toda a sociedade e de âmbito mundial/global, a questão que coloco é como podemos passar das palavras à mudança? Como podemos participar na construção de um mundo diferente, com outros valores. Sei que o papel de cada um de nós é muito relativo, pequeno, mas do qual não nos podemos demitir. Jesus deseja e espera de cada um de nós que sigamos a Sua vida e os Seus Ensinamentos.
    Cada um de nós, em contextos diferentes, desde o simples caminhar no passeio, ao deambular ao ar livre, passando pelo contexto familiar, profissional, religioso, experimentámos ou experimentamos vivências repletas de todos ou alguns dos elementos da vossa reflexão e sabemos que, regra geral, duas atitudes se opõem: a mais frequente e mais fácil, é fazer parte da corrente dominante, por receio, por ambição, por comodidade; a outra, mais rara, é a da discordância fundamentada, dando a cara, assumindo as consequências inerentes.
    Bem-haja. Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, por recordar-nos que ...” A plenitude pode ser alcançada pela fórmula de São Paulo, ou seja, quando sou fraco então é que sou forte, nas debilidades descubro as minhas forças, e pelo serviço discreto que se orienta pelo bem do outro, pelo melhor do outro.”…
    Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Bom fim-de-semana. Bom descanso.
    Um abraço mui fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que volte a partilhar o texto de uma oração.

    ORAÇÃO DO
    TEMPO

    Senhor, de todas as perguntas com que Tu me deixas, há uma que cresce dentro de mim: “que fazes do teu tempo?”.
    Sabes, perco-me nas tarefas, nas voltas a dar, nesta e naquela responsabilidade, num imprevisto ... e no meio disso tudo,
    confesso, o tempo da minha vida assemelha-se mais a uma fuga que a uma sementeira. Hoje, queria pedir-te que me desses
    a sabedoria de viver e de repartir o meu tempo. Ajuda-me a realizar o meu trabalho e o meu lazer, o meu esforço e a minha pausa como tempos de dádiva e de encontro. Como tempos que não sejam apenas tempo, mas circulação de vida, de entusiasmo, de criação e afecto.

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