Meus Irmãos
Celebramos hoje a
Festa do Baptismo do Senhor e com ela damos por encerrado o tempo do Natal, o
tempo em que somos convidados pela Igreja a contemplar de um modo mais profundo
o mistério da Encarnação do Verbo de Deus.
Como conclusão deste
tempo, a Festa do Baptismo do Senhor assume as diversas dimensões do mistério
da Encarnação celebradas nas festas que nos precederam, e revela-nos uma outra
extremamente significativa que é a da filiação divina, a da adopção por parte
de Deus, no seu Filho Jesus, de toda a humanidade.
Neste sentido, e tendo
presente o que nos relatam os Evangelhos, não podemos deixar de observar que o
baptismo a que Jesus se submete foi uma verdadeira e profunda experiência de
Deus. Uma experiência profundamente alterante da sua consciência e da sua
situação, e que se pode constatar quando Jesus regressa a Nazaré depois do
baptismo e aqueles que o conheciam ficam admirados com a sua palavra e a sua
doutrina.
Face a esta admiração,
temos que assumir que durante os trinta anos de vida em Nazaré Jesus não se
diferenciou dos seus conhecidos nem familiares, e que ao aproximar-se de João
Baptista foi mais um, como tantos dos seus contemporâneos, certamente com
curiosidade e um desejo de conversão, de mudança de vida.
A oposição que João manifesta
em baptizar Jesus advém certamente da familiaridade, assim como do conhecimento
da bondade e da justiça com que Jesus vivia, à semelhança de José que o tinha
educado e que os Evangelhos nos apresentam como um homem justo. João reconhece
e assume que a vida de Jesus está já para lá da sua missão, da conversão que
solicitava a todos os outros.
Contudo, e tal como
Jesus lhe diz, há a necessidade de que o baptismo se celebre, que Jesus
participe com humildade do projecto de conversão que João apresenta. A justiça
e bondade com que tinha vivido até àquele momento apelavam a uma plenitude, a
uma outra satisfação que o baptismo lhe podia proporcionar.
O consentimento de
João associado ao desejo de Jesus vai assim permitir que se produza algo
completamente extraordinário, um acontecimento único, como é a revelação do
amor de Deus pelo Filho, a manifestação da predilecção e eleição pela humanidade.
No baptismo Jesus
experimenta e João contempla o amor que Deus tem pela humanidade, como a
humanidade e a divindade estão profundamente unidas e não se realizam nem
alcançam a sua plenitude sem essa união. Nem Deus se realiza sem o homem nem o
homem se realiza sem Deus.
A vida de Jesus,
iluminada pela palavra dos profetas, pela experiência do povo eleito, adquire
nesta experiência do baptismo no Jordão uma nova dimensão, uma outra
transcendência que o evangelista São Mateus deixa patente quando nos comunica
que uma voz do céu se fez ouvir e o apresentou como filho muito amado.
Assumindo as palavras
do profeta Isaías, a proclamação do Pai do Céu altera a consciência identitária
de Jesus. Se até ali Jesus tinha vivido como servo eleito, como alguém que se sente
e sabe protegido por Deus, como convidado a viver em santidade, Deus Pai
revela-lhe que a sua submissão e o seu desejo, a sua vida de justiça, o
elevavam ao estatuo de Filho, lhe davam a dignidade de Filho muito amado.
O impacto desta
experiência e revelação é de tal modo significativo que após o baptismo vemos
Jesus a dirigir-se ao deserto, como se tivesse necessidade de um tempo para
reorientar a sua vida, para se situar face ao que lhe tinha sido anunciado, para
assumir em pleno a sua identidade revelada. As tentações do deserto não são
afinal mais que a luta, o discernimento, face à forma como assumir de forma
concreta essa identidade.
Depois do baptismo e
do deserto Jesus assume a identidade daquele que está convocado a levar a
justiça de Deus a todos os homens, justiça que não se traduz em dar a cada um
segundo o que lhe é de direito, mas se traduz em misericórdia, em adequação de
vida ao plano filial de Deus para cada um e para toda a humanidade. Jesus
assume que a sua obediência é realização plena da justiça de Deus.
Como consequência
destas experiências encontramos Jesus a expressar uma crítica feroz a toda a
religião estereotipada, à religião de tal modo ritualizada que se torna
obstáculo à relação pessoal e íntima com Deus, e a anunciar a todos os homens o
amor do Pai, a delicadeza do seu amor, a sua bondade e misericórdia, o desejo
de que os homens sejam verdadeiramente livres para poderem experimentar o amor
em plenitude.
Como baptizados em
Jesus Cristo não podemos deixar de ter presente e assumir que à semelhança de
Jesus esta experiência do baptismo é de tal modo transformante que a nossa vida
não pode deixar de ser uma vida de santidade, uma vida de manifestação da
justiça de Deus, afinal uma vida que testemunha do amor filial que o Pai do Céu
tem por todos nós.
Procuremos pois viver
com humildade e responsabilidade esta nossa condição, testemunhando nas mais
diversas circunstâncias a liberdade e o amor filiais que Deus a todos nos
convida a viver.
1 – “Baptismo de Cristo”, de Domenico Tintoretto, Museu Capitolino.
2 – “Meditando”, de
Vasily Polenov. Museus Russos.
Caro Frei José Carlos,
ResponderEliminarComo nos recorda no texto da Homilia que teceu e partilha no dia em que celebrámos a Festa do Baptismo do Senhor, esta Festa …”assume as diversas dimensões do mistério da Encarnação celebradas nas festas que nos precederam, e revela-nos uma outra extremamente significativa que é a da filiação divina, a da adopção por parte de Deus, no seu Filho Jesus, de toda a humanidade.(…)
(…) A vida de Jesus, iluminada pela palavra dos profetas, pela experiência do povo eleito, adquire nesta experiência do baptismo no Jordão uma nova dimensão, uma outra transcendência que o evangelista São Mateus deixa patente quando nos comunica que uma voz do céu se fez ouvir e o apresentou como filho muito amado.”…
Este acontecimento singular leva a interrogar-nos como temos vivido o nosso Baptismo no peregrinar da vida, na nossa relação com Deus e com os outros, nossos irmãos.
Que o Senhor nos ilumine para que …”Procuremos pois viver com humildade e responsabilidade esta nossa condição, testemunhando nas mais diversas circunstâncias a liberdade e o amor filiais que Deus a todos nos convida a viver”, como nos salienta no texto da Homilia, e que as críticas feitas por Jesus que lamentavelmente mantêm actualidade, a breve prazo, façam parte do passado.
Grata, Frei José Carlos, pelo texto da Homilia, profunda, maravilhosamente ilustrada, que nos ajuda a compreender o desejo e a importância para a vida de cada um de nós do Baptismo de Jesus por João Baptista no Jordão.
Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
Votos de uma boa semana. Bom descanso.
Um abraço mui fraterno e amigo,
Maria José Silva