sábado, 4 de junho de 2011

Carta de Presos Políticos à Rainha D. Maria II

A 15 de Outubro de 1834 um grupo de presos da cadeia de Lisboa escreve à Rainha D. Maria II solicitando a sua libertação face a um Decreto de Amnistia para todos os presos políticos emitido a 27 de Maio desse mesmo ano.
Trazemos à luz este documento em virtude de a maior parte dos signatários da carta serem eclesiásticos e nomeadamente dois deles frades dominicanos. Percebemos que inevitavelmente eram miguelistas e de alguma forma combateram o regime liberal, embora neste momento não tenhamos ainda conhecimento dos processos e dos crimes de que foram acusados.
Os frades dominicanos que assinam a petição são frei Francisco de Nossa Senhora da Guia Pinto, que desde pelo menos 1822 aparece ligado ao governo do Convento de São Domingos de Azeitão, onde foi Prior, Subprior e Vigário, e frei Manuel de Nossa Senhora do Rosário Marinho, também ele um membro da comunidade do convento de Azeitão.
São mais duas testemunhas no cômputo geral dos radicalismos que se viveram em Portugal no século XIX, bem como do papel diversificado e tantas vezes divergente que os dominicanos adoptaram nos contextos políticos e sociais.

Senhora
Dizem os presos por motivos políticos na cadeia desta cidade, abaixo assinados; que tendo-se julgado compreendidos no Decreto de Amnistia de 27 de Maio último todos os mais presos de semelhante natureza, processados em diversos juízos tanto desta corte, como da cidade do Porto, e outras terras do Reino, e gozando já de há muito tempo da sua liberdade, e benéficos efeitos daquela saudável, e heróica providência, todos esses infelizes que gemiam em ferros: geme todavia debaixo deles ainda hoje os misérrimos Suplicantes, como, que para apresentarem à Nação Portuguesa, e às mais da Europa civilizada, um testemunho estupendo do rigorismo dos Tribunais Superiores da Corte! Nenhuma razão, Soberana Senhora, pode justificar uma tal singularidade.
É certo que o maior número dos Juízes da Relação de Lisboa tem vencido pela aplicação da amnistia aos Suplicantes, e mais presos por motivos meramente políticos. Mas de que lhes tem valido isso? O Procurador Régio tem interposto o recurso de revista em todos esses processos; e por uma fatalidade incrível tem se julgado concessíveis semelhantes revistas no Supremo Tribunal de Justiça!
Eis aqui os desgraçados presos políticos da Relação de Lisboa arremessados agora depois de um ano (e alguns mais de um ano) de ferros lá para a Relação do Porto!..
E será isto, Senhora, das Benévolas Intenções de Vossa Majestade? Seria esta a Mente do Augusto Pai de Vossa Majestade (que repousa em Glória Eterna) quando, levado somente do intenso desejo de reunir junto do Trono Legitimo de Vossa Majestade todas as vontade, todos os votos, e todos os corações com inteiro esquecimento de passados crimes e opiniões, concedeu amnistia geral por todos os delitos políticos cometidos desde o dia 31 de Julho de 1826?
Quem poderia pensá-lo! Não se pode descobrir motivo particular por que os presos hajam de ser excluídos deste Grande Acto de Clemência do Augustíssimo Regente em nome de Vossa Majestade, e menos razão ainda se pode excogitar para que esta odiosíssima, e intolerável excepção, abranja somente os malfadados presos da Relação de Lisboa, enquanto que os presos de semelhante natureza sujeitos aos Juízes das primeiras instâncias somente (como de tais Juízes não se podia interpor o recurso de revista) gozam há muito da aura vital da sua apreciável liberdade.
Mova-se pois o Real Ânimo de Vossa Majestade, Augusta Senhora, a mandar pôr termo a tantos males, e tantos padecimentos, que por certo não são compatíveis com os Clementíssimos Sentimentos que a Nossa Adorada e Jovem Rainha herdou de seu Imortal (e sempre saudoso) Progenitor.
Curvados muito reverentemente aos Pés do Régio Trono, pedem a Vossa Majestade seja servida mandar declarar muito positiva, e explicadamente, que a amnistia outorgada a todos os portugueses pelo Augusto Pai de Vossa Majestade no Decreto de 27 de Maio último compreende os presos em cadeias públicas como estão os suplicantes.
E. R. M.
Lisboa, 15 de Outubro de 1834.
José Pacheco
José António dos Santos Cavaco
O Padre Vicente José Pinheiro
Frei Francisco de Nossa Senhora da Guia Pinto
Frei Manuel de Nossa Senhora do Rosário Marinho
José Joaquim Mendes da Cunha
João Francisco da Silva
Frei José da Sacra Família
Frei José João das Dores
O Padre Boaventura Franco[?] de Carvalho
O Padre Paulo António Pereira da Costa
Frei Joaquim Manuel de Santa Petronilha
Frei Alexandre José Moreira
Frei António Ezequiel da Silveira
Frei Luís Teixeira de Freitas
Frei João Piteira Ramalho
Frei Alexandre dos Prazeres Ferreira
Frei Luís Inácio Guedes
José António Oliveira Barreto
Frei Francisco de Santo António
João Pedro Montóia.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Foi com interesse que li o texto intitulado “Carta de Presos Políticos à Rainha D. Maria II” que publicou. Para além da importância da divulgação do documento, há uma afirmação que faz no que se reporta aos frades dominicanos que assinam a petição e que passo a transcrever ...“ do papel diversificado e tantas vezes divergente que os dominicanos adoptaram nos contextos políticos e sociais” que me conduziu à reflexão (ou cruzamento?) com algumas das leituras e releituras que fiz na tarde e na noite de ontem.
    Li, pela primeira vez uma entrevista, dada em 2003, por um frade dominicano que fisicamente não está entre nós, Frei José A Mourão e a resposta que dera à pergunta sobre a avaliação que fazia da Inquisição e que me fez reflectir pela verdade e pelo desassombro da mesma nas diferentes formas de inquisição e no papel que os dominicanos tinham desempenhado ao longo dos tempos em funções com o mesmo nome mas em contextos históricos diferentes.
    Revisitara também os textos que o Frei José Carlos publicara em Maio e Junho de 2010 no blogue e centrara-me na leitura do último texto de Maio, ficando mais uma vez, a reflectir numa das afirmações que fez e que passo a transcrever …”Foi ali, num momento de partilha após o café que a pergunta surgiu como um tiro disparado no escuro e a necessitar de um alvo. Porque desapareceram os dominicanos dos meios formativos e intelectuais da Igreja? Surgiu à queima-roupa, "porque não chamam os dominicanos para conferências, ou para participar em algum debate?" e por essa mesma razão os vários que estávamos ali não respondemos, porque a resposta é diversa e tem muitas razões, ou razões que se prendem com opções que tomámos no passado mais ou menos recente e do qual estamos a sofrer as consequências.” …
    Na realidade a conjugação destas reflexões e o que publicou foi pura coincidência. Não sei se é curial perguntar, Frei José Carlos, mas tomo a liberdade de fazê-lo, é possivel e estão os dominicanos disponíveis a ter um papel mais interventivo na actualidade?
    Obrigada pela partilha que nos leva a ir mais além. Bem haja.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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