Há um aforismo do mundo da política e das finanças que algumas vezes ouvimos e que diz que “não há jantares de graça”. Ou seja, o que aparentemente parece gratuito e dom tem um preço, tem um retorno, uma compensação.
Olhando sob o prisma desta mesma regra e lógica para o que escutávamos no Evangelho de São Mateus, parece que também a nível do cumprimento dos mandamentos de Deus e sobretudo do preceito da caridade, as coisas funcionam da mesma maneira, ainda que aqui o mecanismo seja bastante claro e não apresente nenhuma ambiguidade.
Ou seja, e tendo em conta as palavras de Jesus, quem recebe um profeta ou um justo por ele ser profeta ou ser justo, recebe a recompensa de profeta e de justo. Quem dá o que tem e quem acolhe o outro, recebe o dom oferecido e a hospitalidade prestada. Há portanto uma reciprocidade e uma justiça no retorno e na compensação daquilo que se faz.
Esta matemática e estes cálculos não traduzem no entanto toda a dimensão daquilo que Jesus nos quer dizer, e por isso, culminando esta formulação sobre o dom e a dádiva, Jesus deixa-nos a promessa de que aqueles que derem um simples copo de água a um dos seus mais pequeninos, por ser seu discípulo, não perderá a recompensa. Há portanto um lucro, um “superavit”, na dádiva feita e no acolhimento prestado tendo em conta a pessoa de Jesus ou de Deus.
E podemos ver como este mecanismo funciona tendo presente a leitura do Segundo Livro dos Reis, quando o profeta Eliseu promete à sunamita que o acolheu em sua casa um filho para daí a um ano. Esta mulher, de comum acordo com o seu marido, prepara para aquele que ela pensa que é um santo homem de Deus um quarto no terraço, um quarto de tijolo, mobilado e iluminado. Prepara um aposento com tudo o que tem de melhor, sem qualquer interesse ou pedido de retribuição, apenas porque vislumbra naquele homem alguma coisa que a faz pensar que é um santo homem de Deus.
Perante esta oferta, este cuidado no acolhimento e na preparação da oferta apresentada, e perante a infelicidade da mulher que não tem filhos, o profeta deixa-lhe a promessa de um filho, de uma posteridade que a colmará de alegria, a si e ao seu marido. Desta forma, e por esta promessa, percebemos que a retribuição do dom, pela parte de Deus, é sempre uma retribuição de fertilidade, de felicidade e de alegria. Deus não se contenta em retribuir na mesma moeda, equitativamente, mas retribui sempre num crescendo, no sentido da possibilidade de uma fertilidade e de outra vida.
À luz deste princípio e desta oferta de Deus percebemos melhor as palavras de Jesus sobre o tomar da cruz e sobre o perder da vida para ganhá-la. De facto, é na entrega e na dádiva do que temos, que somos compensados, e o que julgamos perder acaba afinal por ser um lucro, um ganho, ainda que numa outra dimensão que possivelmente nos escapa devido aos nossos olhos calculistas. Afinal a recompensa de Deus é sempre a vida e a sua fertilidade e tanto uma como a outra não são por vezes imediatamente visíveis.
Mas este mecanismo tem ainda implicações mais radicais e profundas se tivermos em conta as palavras de São Paulo aos Romanos, ou seja, pela fé e pelo baptismo acreditamos que se morremos com Cristo também com Cristo viveremos, a morte já não tem poder sobre nós uma vez que foi vencida por Cristo. Assim, tudo o que na vida se aproxime e assemelhe à morte de Cristo, nessa realidade de entrega de vida e de amor, de dom total e de acolhimento do outro, acaba por se transformar em vida, acaba de alguma forma por ressuscitar em outra vida, outra possibilidade de vida. Neste sentido, todo o dom é sempre um caminho para uma outra vida, um caminho de fertilidade contrário às esterilidades do nosso egoísmo e do nosso desejo de possessão.
Estes princípios enunciados deviam dar-nos uma paz e uma alegria face a tantas perdas que vamos sofrendo na vida e que devíamos procurar transformar em dons, em tantas cruzes que carregamos e que devíamos converter em árvores da vida. Na medida da entrega generosa e livre elas transformar-se-ão em fertilidade de vida.
Peçamos ao Senhor que nos envie o seu Espírito para sabermos dar o que temos de melhor em nós e para aceitarmos o que não podemos ter como processos de fecundidade, portas abertas a uma outra vida.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarNa Homilia do XIII Domingo do Tempo Comum que partilha connosco ao afirmar-nos que ... “Quem dá o que tem e quem acolhe o outro, recebe o dom oferecido e a hospitalidade prestada” … recorda-nos que …”Jesus deixa-nos a promessa de que aqueles que derem um simples copo de água a um dos seus mais pequeninos, por ser seu discípulo, não perderá a recompensa” (…) e “Deus não se contenta em retribuir na mesma moeda, equitativamente, mas retribui sempre num crescendo, no sentido da possibilidade de uma fertilidade e de outra vida.”
Peçamos ao Senhor que nos ilumine para que saibamos escolher os caminhos da verdade e da simplicidade, sem receios, sem desconfiança sistemática, disponíveis e generosos para acolher o nosso irmão.
Obrigada Frei José Carlos por esta importante partilha. Bem haja.
Votos de uma boa semana.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva