Celebra hoje a Ordem de São Domingos o seu primeiro mártir frei Pedro de Verona, também considerado o primeiro inquisidor.
Fazendo memória, e para elucidar os atributos iconográficos com que habitualmente é representado, deixamos o relato da sua morte segundo o que podemos encontrar no “Agiológio Dominico” de Frei Manuel de Lima, publicado em Lisboa em 1710 na Oficina de António Pedroso Galram.
“Era o Santo Inquisidor neste tempo, Prior do Convento de Como, donde sendo necessário ir a Milão tratar de negócios do Santo Oficio, partiu em um sábado dentro das oitavas da Páscoa de 1252. Era já tarde quando saiu do Convento, e como havia de fazer a jornada a pé, e andava doente de quartãs, pediram-lhe os seus religiosos que passasse aquela noite em Como, porque temiam chegasse fora de horas a Milão, e que no outro dia faria a viagem com mais comodidade.
Respondeu profeticamente que lhe convinha partir àquela hora, e que se não pudesse entrar em Milão na mesma noite, ficaria na Igreja de São Simpliciano, que está no meio do caminho. Dito isto, continuou a jornada com o seu companheiro frei Domingos, gastando o tempo em rezar Hinos, Salmos e outros louvores de Deus, com fervorosa devoção, como quem sabia o que o esperava.
Chegando com este exercício a um lugar chamado Barlassina, lhe saíram ao encontro os matadores, e puxando Carrino, seu capitão, por um alfange, deu com ele um tão grande golpe na cabeça do Santo Inquisidor, que o fez logo cair por terra.
Não perdeu ele o ânimo, nem os sentidos, antes assim mortalmente ferido, ofereceu a vida ao Senhor e confessou a fé porque morria, não só de palavra, mas por escrito, porque fazendo tinta do próprio sangue e pena do dedo, para mostrar sua firmeza, ao mesmo tempo que o proferia com a boca deixou escrito em uma pedra aquele artigo da Fé porque o martirizavam: ‘Creio em Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra, e de todas as coisas assim visíveis como invisíveis’. E levantando os olhos ao Céu disse: ‘Nas vossas mãos, Senhor, encomendo o meu espírito’.
Nesse tempo lhe atravessou o ímpio herege o coração com um punhal, para ficar mais seguro da sua morte, e por esta ferida saiu a ditosa alma, acompanhada de angélicos exércitos que a conduziram a triunfar no Império onde com triplicadas coroas, de Doutor, de Mártir e Virgem foi laureado.
Ficou seu companheiro frei Domingos também mortalmente ferido, porque não pôde escapar à fúria dos inimigos infernais, os quais vendo-os ambos estendidos na terra partiram com pressa a dar a nova aos Maniqueus da proeza que tinham feito. Porem seguiram-nos uns lavradores, que passando por este lugar viram o horrendo espectáculo movidos das sentidas vozes do Companheiro que ainda ficou vivo, e fizeram esta diligência com tanta pressa que prenderam o principal da companhia, que era Carrino, fugindo-lhe os mais.
Ficaram alguns em sua guarda e do corpo do Santo Mártir, e seu Companheiro, e outros foram dar parte do sucesso à cidade de Milão. Tanto que os nossos religiosos o souberam puseram-se a caminho e chegando ao lugar do martírio acharam o Santo Inquisidor já morto, com a cabeça partida e o peito atravessado, e o Companheiro mais morto que vivo, com cinco feridas mortais, que mandaram passados cinco dias para o Céu, como piamente se crê e deixámos dito na sua vida a 11 deste mês.
Lavaram os religiosos com mares de lágrimas as feridas, chorando não a sua morte que, bem viam, devia ser invejada, mas a perda de tão grande irmão e companheiro. Acomodaram o santo corpo sobre um carro coberto de ramos e flores, à maneira de triunfo e partiram para Milão, onde se tendo já divulgado a nova foi tal o movimento nos peitos Católicos que fechadas as casas e tendas saiu todo o povo a ver e reverenciar o sagrado cadáver. Temendo o Governador e mais adjuntos, que da confusa multidão sucedesse algum tumulto mandaram fechar as portas da cidade para que este Celestial Triunfador das heresias fosse recebido como ordem e devotíssimo aplauso.
Porque era já tarde para entrarem em Milão, pareceu aos religiosos conveniente ficarem na Igreja de São Simpliciano, como profetizando tinha dito o mesmo santo. No dia seguinte, que foi a Dominga de Albis, entrou na famosa cidade este precioso tesouro, com um glorioso acompanhamento. Saíram a recebê-lo um bom espaço fora todas as comunidades dos religiosos, com a cleresia e o Cabido com o seu Arcebispo em forma de procissão.
Seguia atrás o carro todo coberto de ramos entretecidos com vistosa variedade de flores. E porque a este glorioso triunfo não faltassem despojos de inimigos vencidos, e prisioneiros, vinha atrás do carro preso com fortes cadeias o seu capitão Carrino, que tinha sido o agressor desta tirania, não já presa dedicada a uma cruel morte, como pedia todo o povo, sim a uma religiosa e gloriosa vida, passando de ministro do demónio ao serviço de Deus e da Religião.
Seguia-se ultimamente o governo da cidade com todos os seus moradores, porque se não tinha por Católico o que não saiu a acompanhar o destruidor das heresias. Com tanta honra e tão gloriosa pompa foi levada a preciosa Relíquia ao nosso Convento de Santo Eustórgio, onde lhe deram conveniente sepultura.”
Frei José Carlos,
ResponderEliminarObrigada por partilhar connosco o texto sobre a morte de São Pedro de Verona, no dia em que a Igreja e particularmente, a Ordem de São Domingos celebra a sua Memória, e que nos elucida sobre a forma com que habitualmente é representado.
Do relato há dois momentos que tocam particularmente, quando Frei Pedro de Verona a morrer profere e escreve o Credo Apostólico e a conversão do matador Carrino e que tomo a liberdade de citar:
...” Não perdeu ele o ânimo, nem os sentidos, antes assim mortalmente ferido, ofereceu a vida ao Senhor e confessou a fé porque morria, não só de palavra, mas por escrito, porque fazendo tinta do próprio sangue e pena do dedo, para mostrar sua firmeza, ao mesmo tempo que o proferia com a boca deixou escrito em uma pedra aquele artigo da Fé porque o martirizavam: ‘Creio em Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra, e de todas as coisas assim visíveis como invisíveis’. E levantando os olhos ao Céu disse: ‘Nas vossas mãos, Senhor, encomendo o meu espírito’.”…
...” E porque a este glorioso triunfo não faltassem despojos de inimigos vencidos, e prisioneiros, vinha atrás do carro preso com fortes cadeias o seu capitão Carrino, que tinha sido o agressor desta tirania, não já presa dedicada a uma cruel morte, como pedia todo o povo, sim a uma religiosa e gloriosa vida, passando de ministro do demónio ao serviço de Deus e da Religião.”…
Frei José Carlos, o texto que partilha connosco faz-nos reflectir. Bem haja.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva