O relato que o Livro dos Actos dos Apóstolos nos faz do momento do Pentecostes é extremamente expressivo e remete-nos inevitavelmente para uma semelhança com as grandes teofanias da Antiga Aliança do povo de Israel. Assim vemos presente o vento e o fogo, elementos característicos da revelação de Deus na história do povo hebreu.
O vento aparece-nos presente no momento da criação, pairando sobre as águas no seu silêncio criador e testemunhal da criação. Vento que também manifesta a Elias a passagem de Deus numa brisa suave de final da tarde. Vento que Jesus apresenta aos seus discípulos com vindo e indo não se sabe de onde nem para onde mas que se faz presente e reconhecível. Este desconhecimento, esta surpresa, manifesta a iniciativa de Deus, o seu poder de agir e fazer apenas pela sua vontade.
Por outro lado temos o fogo que no monte Sinai abrasou toda a montanha, que se mostrou de tal forma grandioso que fez o povo temer a presença de Deus. Fogo que consumiu a oferta apresentada por Elias no monte Carmelo e que posteriormente o elevou envolto num carro ao mais alto dos céus. Fogo que ardia na sarça que Moisés contemplava mas que não provocava nenhuma destruição. Fogo que um dia Jesus disse aos seus discípulos que tinha vindo lançar à terra e que mais não desejava senão que ele se ateasse e se espalhasse por toda a face da terra.
Fogo que Paulo apresenta na Primeira Carta aos Coríntios (3,13) como o elemento revelador das obras de cada homem no momento do juízo final. Tal como o ouro e a prata seremos purificados pelo fogo e pelo fogo se verificará a nossa qualidade de vida, as obras que tivermos praticado.
Na medida em que a Igreja nasce deste fogo que o Senhor envia sobre ela no momento de Pentecostes, todos nós estamos envolvidos pelo mesmo fogo e pelo mesmo vento, e a nossa vida deve ser por isso um constante atear desse fogo em nós e naqueles que nos rodeiam no sentido de uma qualificação, de um crescimento frutífero.
Num primeiro momento temos que reconhecer e aceitar que o fogo não pode deixar de operar e de exigir de nós uma purificação, um consumo daquelas coisas que nos afastam da qualidade do ouro puro. E por isso devemos não só deixá-lo actuar nessa purificação mas tomar a iniciativa de lhe apresentar as nossas escórias para que as transforme e converta em metal puro, em verdade, justiça e amor, que são os reflexos iluminados do nosso ser por esse mesmo fogo transformado.
Ainda neste primeiro momento temos que apresentar as nossas ofertas, os nossos dons, para que esse fogo os qualifique num nível superior dando-lhes essa marca do amor que faz com que cada peça fundida seja uma jóia ou uma peça de arte. Necessitamos dar esse cunho ao que de bom possuímos ou podemos fazer para que a obra e a oferta tenham a marca da eternidade.
Então, purificados e iluminados por este fogo que arde em nós, podemos honestamente partir para a partilha, para o seguimento e cumprimento do desejo de Jesus de incendiar este mundo com o seu fogo de amor. E fazemo-lo partilhando com todos aquela mesma paz que o Senhor partilhou com os seus discípulos quando se apresentou no meio deles.
É o grande dom do fogo que pela fé habita em nós e que não podemos deixar de partilhar e querer levar aos outros. E neste sentido a missão do discípulo projecta-se como a presença do vento, testemunhal ao mesmo tempo que activa, mas sempre como uma brisa suave e fresca do final do dia. Não podemos apresentar-nos como um fogo devorador nem como um vento de tempestade, cairíamos certamente num processo de destruição mais que num projecto de construção.
Porque é este o grande projecto que o Senhor nos deixa no momento do Pentecostes, um projecto de unidade feito a partir da reconciliação e da partilha do dom da paz pela força do fogo do Espírito Santo. Um projecto que conta com as nossas debilidades, com as nossas fraquezas e misérias, como contou com as dos discípulos; mas por isso mesmo é possível e é de facto um projecto de Deus, pois como nos diz São Paulo somos pobres fracos vasos de argila onde se transporta um grande tesouro.
Cumpre-nos assim não entristecer o Espírito Santo encerrando-nos na nossa mediocridade mas abrir-nos confiantes à sua força e generosidade, para que ele actue em nós e através de nós junto do mundo. É o exemplo que nos deixam os Santos e os Padres da Igreja, os Apóstolos, que confiaram mais em Deus que em si mesmos e nas suas forças.
Peçamos portanto ao Senhor, a Deus Pai, por intermédio de seu filho Jesus, que nos envie o Espírito Santo, o seu fogo de amor, para que possamos encontrar a paz nos nossos corações e a saibamos partilhar na prossecução de um mundo mais unido e fraterno.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarO texto da Homilia da Solenidade do Pentecostes que teceu e partilha connosco, é um texto profundo e belo. Ao recordar-nos o relato que o Livro dos Actos dos Apóstolos faz do momento do Pentecostes leva-nos a reflectir sobre o significado do Espírito Santo, como dom do Espírito de Deus, como “projecto salvífico de Deus” para o Homem, para toda a humanidade.
Mas como nos salienta é preciso que estejamos disponíveis, de coração aberto, para que o Espírito opere em nós e através de nós junto do mundo. Permita-me que cite algumas passagens do texto que partilha.
...” É o grande dom do fogo que pela fé habita em nós e que não podemos deixar de partilhar e querer levar aos outros. E neste sentido a missão do discípulo projecta-se como a presença do vento, testemunhal ao mesmo tempo que activa, mas sempre como uma brisa suave e fresca do final do dia.”…
...” Porque é este o grande projecto que o Senhor nos deixa no momento do Pentecostes, um projecto de unidade feito a partir da reconciliação e da partilha do dom da paz pela força do fogo do Espírito Santo. Um projecto que conta com as nossas debilidades, com as nossas fraquezas e misérias, como contou com as dos discípulos; mas por isso mesmo é possível e é de facto um projecto de Deus, pois como nos diz São Paulo somos pobres fracos vasos de argila onde se transporta um grande tesouro.”…
Façamos nossas as palavras do Frei José Carlos e possamos juntamente orar “Peçamos portanto ao Senhor, a Deus Pai, por intermédio de seu filho Jesus, que nos envie o Espírito Santo, o seu fogo de amor, para que possamos encontrar a paz nos nossos corações e a saibamos partilhar na prossecução de um mundo mais unido e fraterno.”
Obrigada por esta importante partilha. Bem haja.
Votos de uma boa semana.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que no dia em que recordamos a data do aniversário natalício do Frei José Augusto Mourão, cite um dos seus poemas. Obrigada.
Pentecostes
“Fechemos o círculo/façamos deste lugar um templo de louvor/porque este é o tempo de adorar/em espírito e verdade
Tornemo-nos presentes ao presente/o fogo é o presente que arde e brilha/é o presente que reza
Cantemos glória na língua de fogo/evidente e claro para todos os homens e mulheres da terra
Sopre sobre nós o Espírito/para que a nossa oração suba em chama/
E o nosso coração de lenha morta/e de espinhos/sirva para alimentar um pouco/a glória de Deus/ e o nosso rosto”.
(In, O Nome e a Forma, Pedra Angular, 2009)
São ricos de informação e de inspiração os seus textos, Frei José Carlos, que lemos e interiorizamos no silêncio imprescindível para o entendimento da Palavra do Senhor. É um sentimento de esperança que fica, depois da confrontação do nosso "eu" fraco e débil com o projecto que o Senhor tem para nós, o do acolhimento do Espírito Santo para que a Paz habite o nosso coração e dela dêmos testemunho. Assim saibamos ser receptáculos da força e da generosidade do Espírito Santo para que confiemos mais em Deus do que em nós.
ResponderEliminarTenha uma santa noite,
GVA