sábado, 4 de junho de 2011

Visita de Lord e Lady Holland ao Convento da Batalha em 1808

No último dia do ano de 1808 chegam ao Convento da Batalha três visitantes ingleses, vindos da Marinha Grande onde tinham pernoitado na noite anterior. Eram eles Lord Holland, a sua esposa Lady Holland, e o médico secretário que os acompanhava Dr. John Allen. Estavam de passagem por Portugal numa viagem cuja meta era Sevilha, onde Lord Holland se encontraria com membros da Junta que lutava em Espanha contra as tropas napoleónicas que tinham invadido a Península.
Cada um destes visitantes redige um diário da viagem, tomando nota dos lugares por onde passam, das gentes e curiosidades que encontram, de algumas características da paisagem e da agricultura, das milhas feitas na viagem e em quanto tempo, e obviamente das condições com que são recebidos em cada lugar.
Ao passarem pelo Convento cada um deles faz o seu registo e a sua apreciação. Assim encontramos em cada um deles a descrição da igreja e dos túmulos reais, a forma como foram recebidos e foram alimentados e até do que souberam das pilhagens das tropas francesas aquando da primeira invasão em 1807. É essa informação que deixamos para conhecimento e divulgação.

“Permanecemos aí mais de duas horas, admirando aquele belo edifício e desfrutando da hospitalidade dos frades, que nos mimaram com vinho excelente e doces.
Seria inútil tentar qualquer descrição de um edifício que foi tão bem representado nas imagens de Murphy. Na Capela do Fundador, ao centro, encontram-se os túmulos e estátuas em mármore de D. João I, fundador do Convento, e da sua Rainha, D. Filipa. Dos lados, os túmulos de quatro dos filhos, D. Pedro, D. Henrique, D. João e D. Fernando, mas nenhum deles, à excepção do de D. Henrique, o grande promotor das viagens de descobrimento ao longo da costa de África, tem estátuas.
Em frente ao altar-mor, encontram-se os túmulos do seu filho D. Duarte e da sua Rainha, com as respectivas estátuas jacentes nos túmulos. À esquerda do altar-mor, encontra-se a capela de D. João II, na qual o seu corpo está conservado com a pele seca e quase intacta, e por trás daquela capela, há uma outra muito bela, com um túmulo e altar de mármore embutido construído em 1640, pertencente ao Duque de Lafões. Do outro lado do altar, encontram-se as duas capelas correspondentes.
Na Casa do Capítulo, encontram-se os túmulos de D. Afonso V e da sua Rainha, cobertos de madeira. O Mausoléu de D. Manuel, como é conhecido, foi fundado, segundo nos foi dito, por D. Duarte e concluído pela sua Rainha, de acordo com o traço original. Posteriormente, D. Manuel desejou elevá-lo e cobri-lo, mas depois da obra ter avançado, ficou tão desconsolado com a inferioridade do trabalho, que abandonou a empresa deixando-a no seu estado actual incompleto.
Tive pena de ver algumas das imagens à entrada do Mausoléu e muito da requintada obra de talha, bastante danificadas desde a última vez que estivemos no Convento. Os frades, que são dominicanos, são mais de vinte. A sua renda não é elevada, mas como é paga sobretudo em milho e vinho, deverão estar quase, senão mesmo, tão ricos do que já alguma vez estiveram. Sofreram menos com os franceses do que os monges de Alcobaça, mas a prata da sua igreja, excepto as custódias e os cálices, foi levada.” (Do Diário do Dr. John Allen)

“A Igreja é muito grande do lado direito. Naves em ângulo recto a partir do centro. A Capela do Fundador: este e sua mulher, D. Filipa, a filha de John of Gaunt, jazem num túmulo magnificente ao centro e as suas esfinges, maiores do que o tamanho real, são esculpidas em fino mármore. Os seus filhos encontram-se em nichos à volta. O Monumento de D. Duarte, filho de D. João I, e de sua mulher, D. Leonor, encontra-se sob o altar-mor.
O Monumento de D. Afonso V e de sua mulher encontram-se na Casa do Capítulo. Numa capela anexa ao altar-mor, o corpo de D. João II, cujo caixão está aberto para os curiosos e os seus restos expostos para observação. Tem-se degradado consideravelmente desde que o vimos há três anos atrás, consequência da constante exposição e observação. D. João II, filho de D. Duarte, depois de recusar as ofertas de Colombo, contratou Vasco da Gama.
O Mausoléu de D. Manuel encontra-se separado do Mosteiro e é muito belo. A parte inferior foi construída por D. Duarte e a superior acrescentada posteriormente, mas foi considerada tão inferior por D. Manuel, que este não permitiu que fosse concluída. Os claustros são bonitos, a parte superior toda ela ricamente trabalhada na pedra.
A comunidade consiste em cerca de vinte frades dominicanos. Os rendimentos da igreja são escassos e há um aspecto de enorme pobreza. Ofereceram-nos um excelente banquete de frutos secos, doces deliciosos e bom vinho na Sacristia. Alguns dos frades lembravam-se de nós.
Numa pequena capela para lá daquela que contém o ataúde de D. João II, há um formoso túmulo de mármore pertencente à família do Duque de Lafões, cujo último corpo aí sepultado foi em 1640. O mausoléu parece ter sofrido recentemente das injúrias do clima, alguns dos requintados ornamentos em talha foram consideravelmente danificados. A esfera está posta em todo o lado, como símbolo da ciência do patrono. Os rendimentos são pagos sobretudo em milho e vinho e algum dinheiro. Sofreram menos com os franceses do que os monges de Alcobaça, mas a sua prata, à excepção das custódias e dos cálices, foi levada. Um destacamento inglês comandado pelo General Fergusson esteve aqui aquartelado, beberam livremente do bom vinho, mas não se comportaram mal.” (Do Diário de Lady Holland)

“Admirámos, pela segunda vez, a arquitectura do Convento, o Mausoléu inacabado e os Claustros. A Capela é muito bonita, com o monumento a D. João I, o fundador (que morreu em 1433), e à sua mulher, filha de J. of Gaunt, com os seus três filhos mais novos do lado direito. O seu filho, o Rei D. Duarte, tem um monumento imediatamente por baixo do altar-mor. O monumento a D. Afonso Quinto e à sua mulher, na Casa do Capítulo, e o corpo de D. João II, em que grande parte da pele ainda se encontra preservada, é exibido num caixão na Capela à esquerda do altar-mor. A parte inferior do Mausoléu foi edificado pelo Rei D. Duarte e sua mulher, a superior pelo Príncipe D. Manuel, o qual, descontente com a inferioridade da obra, a deixou inacabada.
Lady Holland passeou pelos Claustros. De acordo com o regulamento, nenhum dos frades, que são dominicanos, pode acompanhar uma senhora através dos Claustros, mas conquanto fiquem à porta, estas são autorizadas a andar pelo Convento. Receberam-nos com grande hospitalidade, pressionaram-nos para jantar e deram-nos uma excelente refeição de frutos secos, doces e vinho na Sacristia. Um dos frades reconheceu-me da minha visita em 1805 e acompanhou-me na sua mula a Carvalhos.
Tive conhecimento que os franceses não levaram grande coisa da Batalha, mas a prata e os castiçais foram pilhados e muito daquilo que foi salvo, tinha sido escondido pelos padres. As suas rendas são muito modestas, metade das quais pagas em dinheiro, e todas elas vitaliciamente fixadas.” (Do Diário de Lord Holland)

Para quem quiser saber um pouco mais da viagem destes três personagens por Portugal, os três Diários foram publicados recentemente pela Caleidoscópio – Edição e Artes Gráficas, de onde foram retirados estes excertos relativos à Batalha.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Foi com interesse e satisfação que li o texto de enquadramento que preparou e os excertos dos diários de viagem de Lord e Lady Holland e do Dr. John Allen aquando da passagem pelo Convento da Batalha em 1808. Foi uma forma agradável de revisitar a História de Portugal, e em particular a descrição da passagem pelo Convento, pela pena de estrangeiros.
    Obrigada pela partilha. Foi uma bela surpresa. Bem haja.
    Continuação de bom fim-de-semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    ResponderEliminar