Aproveitamos a festa de Santo António de Lisboa para divulgar um excerto de um Sermão que o Padre Mestre frei João Franco pregou na Misericórdia do Porto no ano de 1721 por ocasião da mesma festa.
É o início do Sermão, no qual se apresentava o assunto de que versaria a pregação. Por ele podemos ter uma ideia da retórica que se utilizava e de toda a elaboração redacional barroca, que faziam com que as pregações e os textos fossem tão rebuscados e para os tempos presentes de leitura tão difícil.
"Se os pensamentos, com que Cristo fez em Portugal o seu Império, foram, para que no mundo dessem os portugueses a conhecer o nome de Deus; os pensamentos com que ele fez nos braços de Santo António o seu trono, foram, para que o mesmo Deus se visse engrandecido no mundo. Como neste pensamento temos o assunto, entremos a explicar este pensamento.
E para isso pergunto: pois estes, e não outros, é que foram os pensamentos de Cristo, quando fez este Império, e este trono? Sim, senhores: estes, e não outros, é que foram os seus pensamentos. Ora vejamos primeiro os pensamentos com que Cristo fez este Império, e logo diremos dos pensamentos com que fez aquele trono.
Nasceu este Reino de Portugal nos campos de Ourique, nos braços da Majestade Sereníssima do Senhor Dom Afonso Henriques, primeiro Rei de Portugal. E como Cristo queria fazer neste Reino o seu Império, apareceu à Majestade de Afonso, e lhe disse estas palavras, tão honradas para a nação Portuguesa, que por excessivamente honradas, tem excitado no mundo tal inveja, que por inveja as tem o mundo chegado a pôr em dúvida: Volo in te, et in semine tuo Imperium mihi stabelire. Eu quero (dizia Cristo à Majestade de Afonso) eu quero estabelecer em ti, e na tua descendência o meu Império: as Armas Reais, que há-de ter Portugal, hão-de ser as minhas Chagas. Os brasões, e timbres da sua honra, há-de ser a minha Cruz. E esta Cruz, e estas Chagas hão-de ser os sinais das tuas vitórias: In hoc signo vinces. Mas os pensamentos, e o fim, porque faço em Portugal o meu Império, é este: Ut deferatur nomen meum in exteras gentes. Para que os Portugueses levem às nações estranhas as notícias do meu nome.
De sorte, senhores, que os pensamentos com que Cristo fez a Portugal Império seu, foram estes, e não outros: Ut deferatur nomen meum in exteras gentes. E como os Portugueses souberam, que estes, e não outros, eram os pensamentos de Cristo; vendo-se autorizados com a honra de seus vassalos, debaixo das bandeiras das Chagas de Cristo, saíram os Portugueses da sua pátria, e levando a luz do Evangelho em uma mão, e a espada na outra mão, fizeram na Europa, América, África, e Ásia respeitado, e temido o nome de Cristo. E enquanto os Portugueses pelejaram desempenhando as obrigações de vassalos de Cristo, e dando à execução os seus sagrados, e consagrados pensamentos, sempre venceram os Portugueses.
Porque haveis de saber, que os Portugueses tiveram até aqui dois nomes. O primeiro herdaram-no de Tubal, neto de Noé, o qual nos deu a nós o nome de Tubales, que quer dizer mundanos, ou homens de todo o mundo. E depois pelo decurso do tempo se chamaram os Portugueses Lusitanos, ou Lusos. Como Lusitanos, ou como Lusos têm os Portugueses no nome a luz: como Tubales, têm os Portugueses no nome o mundo; e como vassalos de Cristo têm os Portugueses tudo, e são tudo. São Tubales, e são Lusitanos: são juntamente luzes, e mundanos, porque os pensamentos com que Cristo fez este Império nos Lusos, foram, para que os Portugueses, ou os Lusos, fossem no mundo luzes, e para que levassem as luzes do seu nome por todo o mundo: Ut deferatur nomen meum in exteras gentes.
Pois se estes foram os pensamentos com que Cristo fez este Império, passemos agora dos pensamentos, com que ele fez o Império, aos pensamentos com que ele fez o trono. Como Cristo depois de fazer em Portugal o seu Império, se seguia por boa consequência, que assentasse o seu trono em Portugal; aonde vos parece a vós, que iria ele fazer o seu trono? Sabeis aonde? Aos braços de Santo António de Lisboa. Lá disse David, que no Sol é que Deus pusera o seu trono: In Sole posuit tabernaculum suum. Mas falou David do trono, que Deus tem lá no Céu, porque depois, que Deus teve Império cá no mundo, Santo António é que é o seu trono neste Império. Lá no Céu tem Deus por trono a um Sol, e cá na terra tem por trono a outro Sol, e vai tanta diferença de um Sol a outro Sol, quanta vai do que tem alma ao que a não tem. Mas quais foram os pensamentos com que Cristo fez o seu trono nos braços de Santo António?
Não foram outros, senão o ver exaltada a sua Pessoa, e o ver engrandecida a sua glória. Pois se estes, e não outros, é que foram os pensamentos de Cristo, em fazer este Império, e este trono; sendo estas as glórias de Portugal, tão invejadas, como gloriosas, que por isso mesmo são mais gloriosas, porque são tão invejadas; será hoje o assunto para glória de Portugal, dizer: Que se os pensamentos com que Cristo fez em Portugal o seu Império, foram, para que no mundo dessem os Portugueses a conhecer o nome de Deus; os pensamentos com que ele fez nos braços de Santo António o seu trono, foram, para que o mesmo Deus se visse engrandecido no mundo. Está proposto o assunto, para o discorrer peçamos graça por mediação da cheia de graça. Ave-Maria.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarObrigada por partilhar connosco um excerto de um Sermão que o Padre Mestre Frei João Franco pregou por ocasião da festa de Santo António em 1721.
Conquanto seja o início do Sermão a redacção rebuscada dificulta a leitura e a interpretação do mesmo. Mas esta passagem levou-me a recordar algumas pregações no século passado e ainda na actualidade e que nos deixam uma sensação de vazio, que constituem “não memória”.
A propósito, recordo uma das passagens do texto da Homilia da Festa de Santo António que hoje o Frei José Carlos partilha connosco e que passo a transcrever ...” Neste sentido a sua acção, e este exemplo milagroso, apela-nos a uma atenção à palavra com que hoje em dia queremos anunciar aos outros homens a Boa Nova de Jesus Cristo, uma palavra que muitas vezes não ultrapassa as barreiras da desconfiança e do preconceito. Temos assim que procurar uma palavra de verdade, uma palavra alicerçada na experiência humana, na nossa dimensão humana, mas que depois é contrastada e iluminada pela Palavra de Deus.”
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
É sempre bom ver um Dominicano a falar de um Franciscano...Como ex-aluno de Jesuítas aprecio.... Agora a sério. Gostei muito da pintura que acompanha o seu artigo. Não me consegue identificar o autor e onde está?
ResponderEliminarMuito Obrigado João de Sousa Garcia