segunda-feira, 16 de abril de 2012

Nicodemos veio de noite ter com Jesus (Jo 3,1)

Nicodemos é uma personagem do Evangelho de São João bastante interessante, uma personagem que se aproxima de nós em muitos aspectos, pois não só reconhece Jesus como alguém vindo de Deus, mas vive esse reconhecimento de forma clandestina, oculta, por medo de ser expulso do seu circulo de amigos e relações sociais.
Quantos de nós por causa do mesmo medo, da pressão social, do preconceito de sermos considerados “antigos”, obscurantistas, não vivemos a nossa fé em Jesus da mesma forma oculta, sem a testemunhar corajosamente? E no entanto, quantos dos nossos amigos, companheiros de trabalho, familiares, não estão necessitados de um sinal de esperança, de confiança, da nossa fé em Jesus?
O pobre Nicodemos vem de noite ter com Jesus, vem de noite por medo, mas vem de noite por causa daquilo que ainda lhe falta ver, da cegueira que não lhe permite ver a luz nova e do dia que desponta diante de si. Nicodemos reconhece Jesus com alguém vindo de Deus, como alguém especial, cujas obras manifestam essa particularidade divina. Contudo não é capaz de ir mais além, fica de alguma forma pela constatação do que lhe permite a visão.
Perante isto Jesus coloca Nicodemos diante da necessidade de nascer de novo, de abandonar a noite em que se encontra, de abandonar as garantias e verdades que lhe são dadas pela constatação das obras, pela visão exterior e física. Jesus abala Nicodemos nas suas certezas e pede-lhe a confiança no desconhecido, nesse não saber de onde se vem nem para onde se vai.
Inevitavelmente Nicodemos não compreende Jesus e custa-lhe a aceitar o que lhe é proposto, porque o pedido que Jesus lhe faz é que abandone as suas garantias, que se arrisque a nascer de novo, que não tenha mais medo nem dos outros que o podem marginalizar nem do desconhecido em que se envolverá.
Nicodemos necessita abandonar a noite, arriscar-se a viver o dia com todas as suas consequências, pois só dessa forma poderá de facto e em verdade conhecer aquele que vem visitar de noite e desde já reconhece como vindo de Deus. Nicodemos não pode permanecer na noite ainda que ela seja necessária para perceber o dia.
Também nós necessitamos tomar consciência da nossa noite, da busca e do desejo de conhecer mais profundamente Jesus, mas para que tal aconteça e se faça dia temos obrigatoriamente que abandonar as nossas convicções superficiais, arriscar entrar nesse processo do Espírito que como o vento nos trás não sabemos de onde e nos leva também para onde não sabemos.
Acreditar em Jesus Cristo, procurá-lo em verdade, significa colocar-se em movimento, imbuir-se de um espírito de peregrinação, porque o que sabemos e alcançamos é sempre uma ponta do iceberg que falta conhecer e palmilhar. Seguir Jesus é um nascer constante, um parto contínuo até ao definitivo momento do encontro com a verdade da face de Deus.
Que o medo e o desconhecido não nos paralise nesse nascimento, neste peregrinar, e a confiança e o amor com que o abordamos seja testemunho para os nossos irmãos nos seguirem e se arriscarem na mesma aventura.

Ilustração: “Nidocemos e Jesus num terraço durante a noite”, de Henry Ossawa Tanner, Academia de Belas Artes de Pensilvânia.

3 comentários:

  1. Creio que Kierkegaard escreveu algures: “ Dá-te somente ao trabalho de escolher e não precisarás de conjecturas. O decurso das coisas é absolutamente fácil de prever. Se queres absolutamente tudo arriscar para o bem, serás perseguido. Tertium non datur (não há alternativa)". O instinto de Nicodemos não era sem fundamento, ele sabia que acreditava no autêntico e por ser autêntico,a probabilidade de ser perseguido era grande. Mas a ideia de uma verdade perseguida é a única modalidade possível da transcendência, ou seja, se Jesus não tivesse sido perseguido não seria a testemunha do Deus transcendente, não é possível. A humildade é completamente incómoda, expõe a perseguição e a humilhação mas ajuda as pessoas a não andarem à deriva.

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  2. Frei José Carlos

    Leio a Meditação que partilha. Texto profundo que nos desafia e desinstala. As interrogações que nos deixa, abalam-nos e conduzem-nos a auto-questionar-nos. Para alguns de nós, a questão pode não estar em assumir-se como cristão e viver a fé em Jesus como sabe e pode, conscientes que vivemos em constantes recomeços e devemos em permanência aperfeiçoar o pouco que sabemos. Na actualidade, a dificuldade centra-se particularmente na forma como devemos dar testemunho da nossa fé em Deus.
    Vivemos o tempo presente com aspectos positivos e muitos negativos, mas interrogo-me se a igreja enquanto organismo vivo, comunidade religiosa e leiga, não carece de renovação/transformação, por forma a olhar-nos e a escutarmo-nos reciprocamente, na busca de novos caminhos, para sermos verdadeiros testemunhos da luz e da esperança de Cristo.
    Como nos salienta ...” Jesus abala Nicodemos nas suas certezas e pede-lhe a confiança no desconhecido, nesse não saber de onde se vem nem para onde se vai.(…)
    (…) Também nós necessitamos tomar consciência da nossa noite, da busca e do desejo de conhecer mais profundamente Jesus, mas para que tal aconteça e se faça dia temos obrigatoriamente que abandonar as nossas convicções superficiais, arriscar entrar nesse processo do Espírito que como o vento nos trás não sabemos de onde e nos leva também para onde não sabemos.”…
    Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, por não nos deixar acomodar, por nos recordar que …” Seguir Jesus é um nascer constante, um parto contínuo até ao definitivo momento do encontro com a verdade da face de Deus,” e por nos exortar a “Que o medo e o desconhecido não nos paralise nesse nascimento, neste peregrinar, e a confiança e o amor com que o abordamos seja testemunho para os nossos irmãos nos seguirem e se arriscarem na mesma aventura.”
    Que o Senhor o ilumine e o abençõe.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe o texto desta oração.

    BEM-
    -AVENTURANÇAS


    Foi então que Tu me respondeste Senhor:
    Bem-aventurados os que no coração se reconhecem pobres pois é deles tudo o que há-de vir.
    Bem-aventurados os que existem mansamente pois a terra os escolherá para herdeiros.
    Bem-aventurados os que rompem o acordo de implacáveis certezas pois são outros os caminhos da consolação.
    Bem-aventurados os que sentem, pela justiça, fome e sede verdadeiras: não ficarão por saciar.
    Bem-aventurados os que estendem largos os gestos de misericórdia pois a misericórdia os iluminará.
    Bem-aventurados os que se afadigam pela paz: isso torna os mortais filhos de Deus.
    Bem-aventurados os que não turvam seu olhar puro pois no confuso do mundo verão passar o próprio Deus.

    (In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)

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  3. Frei José Carlos,

    Ao ler este maravilhoso texto,tão rico de sentido e tão profundo,que muito lhe agradeço,pelo bem que nos veio ajudar e dar força à nossa caminhada para o Pai.As suas belas palavras foram tão reconfortantes e gratificantes que só o Senhor Jesus Ressuscitado o pode recompensar,por todo o bem que nos faz caminhar em frente com fé e confiança.Obrigada,Frei José Carlos,pela magnífica e bela Meditação que partilhou connosco,tão profunda que me ajudou a reflectir com mais profundidade na intimidade com Jesus.Bem-haja,Frei José Carlos,pela excelente ilustração,com que ilustrou este belo texto.
    Que o Senhor o proteja e o ilumine.
    Um abraço fraterno.
    AD

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