segunda-feira, 23 de abril de 2012

Que devemos nós fazer? (Jo 6,28)

A narração que São João nos faz, após o milagre da multiplicação dos pães, da busca e dos desencontros da multidão com Jesus nas margens do lago de Tiberíades, é estonteante, pois enquanto uns vão outros voltam, enquanto uns aparecem outros desaparecem. Parece um jogo de escondidas.
Contudo, se tal acontece, se a multidão busca Jesus e este não se deixa encontrar, é para que possamos perceber, tal como é explicado pelo próprio Jesus àquela multidão, que há algo mais que procurar, que mais que o pão que mata a fome é necessário procurá-lo a ele próprio. Necessitamos afinar o nosso desejo.
Por isso, quando a multidão em uníssono, de forma impessoal, pergunta o que deve fazer, Jesus responde que “a obra de Deus consiste em acreditar naquele que foi enviado”.
Há assim a necessidade de passar do fazer ao crer, do externo ao interno, de deixar o anonimato da multidão para entrar e iniciar uma relação pessoal. Há a necessidade de abandonar os comportamentos miméticos, as repetições ritualizadas e as pressões sociais e do grupo, para estabelecer uma relação única e irrepetível, uma relação livre.
Acreditar, e acreditar em Jesus Cristo significa uma relação que compromete e envolve toda a pessoa com a sua história, os seus pontos fortes e as suas debilidades, uma adesão a outra pessoa que determina que a resposta seja única, pois também Jesus é único e único somos cada um de nós.
Neste sentido quanto temos ainda que aprender e libertar-nos, deixar de lado as tentativas de comparação, os estereótipos da fé, porque de facto cada um de nós e cada relação estabelecida com Deus por Jesus Cristo é sempre única e pessoal, intransmissível, irrepetível, viva e actual.
Podem contestar-nos que tal modo de relação mete medo, assusta, deixa na incerteza de saber que terreno pisamos, nos coloca no fio do arame; mas não será para podermos viver dessa forma que todos os dias o Senhor nos convida a rezar “Pai seja feita a tua vontade assim na terra com no céu”?

Ilustração: “Jesus ensinando no lago”, de Gerbrand van den Eeckhout.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    O texto que partilha e que intitulou “Que devemos nós fazer? (Jo 6,28)” após reflectir no que nos diz, leva-me a interogar sobre o como devemos fazer.
    Na sequência da narração de São João, como Frei José Carlos realça ...” como é explicado pelo próprio Jesus àquela multidão, há algo mais que procurar, que mais que o pão que mata a fome é necessário procurá-lo a ele próprio. Necessitamos afinar o nosso desejo (…)
    Há a necessidade de abandonar os comportamentos miméticos, as repetições ritualizadas e as pressões sociais e do grupo, para estabelecer uma relação única e irrepetível, uma relação livre.
    Acreditar, e acreditar em Jesus Cristo significa uma relação que compromete e envolve toda a pessoa com a sua história, os seus pontos fortes e as suas debilidades, uma adesão a outra pessoa que determina que a resposta seja única, pois também Jesus é único e único somos cada um de nós.”…
    Obrigada, Frei José Carlos, por questionar-nos, por fazer-nos reflectir sobre as nossas atitudes e gestos tantas vezes mecanizados, começando no orar pouco reflectido, sem ponderarmos as palavras proferidas.
    Bem-haja por recordar-nos que …”cada um de nós e cada relação estabelecida com Deus por Jesus Cristo é sempre única e pessoal, intransmissível, irrepetível, viva e actual.”…
    Peçamos ao Senhor que ilumine e abençõe o Frei José Carlos.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que volte a partilhar um poema de Frei José Augusto Mourão, OP


    levanta-te e anda


    a cada um de nós é dada esta ordem:/”levanta-te e anda”/a fé é um nascimento e um caminho a andar//

    a impotência assumida na fé/tem valor de poder que salva//

    não basta estar de acordo com a mensagem recebida/basta sim o acolhimento da passagem do anjo/que assinala
    o túmulo aberto/basta acreditar no perfume do jardim da páscoa//

    não te rendas às evidências sensíveis/nem dês realidade à morte de que foges//

    que a Palavra de vida nos acorde/desse lugar cómodo/a partir do qual julgamos saber do que falamos/a vida e a morte/
    mal definidas sempre//

    que o revelador nos inicie/no mistério da incorruptibilidade/e da alegria//


    (In, “O nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)

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