domingo, 26 de janeiro de 2014

Homilia do III Domingo do Tempo Comum

O Evangelho que acabámos de escutar apresenta-nos os primeiros passos da vida pública de Jesus, passos simples, sem nada de extraordinário, marcados apenas pelo convite a uns quantos para que o sigam.
Esta simplicidade dos começos está no entanto carregada de sentido, de força, que podemos constatar na situação geográfica em que tal acontece e no sem sentido do convite feito por Jesus, ser pescadores de homens.
A situação geográfica, Cafarnaum, território de Neftali e de Zabulão, terra dos gentios, marca inequivocamente a fronteira, o espaço de fronteira em que Jesus se coloca. O projecto de Jesus distancia-se assim não só de Jerusalém mas também do seu espaço habitual, da sua Galileia natural.
Desde os primeiros momentos vemos aquilo que depois vamos encontrar em todo o Evangelho, em toda a vida de Jesus, a busca e o encontro daqueles que estão excluídos ou que são marginalizados. Cafarnaum é já o sinal indiciador desta orientação de Jesus.
Cafarnaum representa também, e para além da marginalidade, a universalidade da missão de Jesus, pois aquela cidade e o seu território era terra conquistada pelos gentios no passado, era terra aberta a outras ideias e a outros povos.
Diante desta situação, e desta escolha de Jesus, podemos e devemos perguntar-nos pelo nosso posicionamento em termos de Igreja, ou seja, como enfrentamos os desafios da fronteira, da marginalidade e da universalidade.
E esta pergunta tem ainda mais sentido quando nos deparamos nos nossos ambientes comunitários e paroquiais com espíritos de grupo, com um egocentrismo comunitário que nos impede de dar um passo no sentido do conhecimento e do acolhimento do outro.
Custa-nos tanto colocar no lugar do outro, dar ao outro a oportunidade de partilhar as suas experiências e os seus motivos, as raízes de pertença que são comuns mas que tantas vezes não partilhamos nem somos capazes de fortalecer pela nossa partilha e solidariedade.
E este desafio, esta realidade, é tanto mais importante quanto percebemos que desde o primeiro momento aquilo que Jesus pede é que se seja pescadores de homens, que deixemos as nossas redes habituais e nos arrisquemos na pesca dos homens.
Convite e proposta por demais estranha e extravagante, que deve ter sido difícil de compreender, mas que ainda assim não teve qualquer oposição, qualquer questionamento. Diz-nos o Evangelho que os discípulos deixaram as redes e os barcos e seguiram Jesus.
No final da história ficamos a saber que não foi bem assim, que os pescadores continuaram ligados às suas redes e à sua pesca no lago, e que foi necessário um encontro após a ressurreição de Jesus nas margens desse mesmo lago para que eles percebessem o total alcance do convite que desde o primeiro momento lhes tinha sido feito.
O encontro após a ressurreição, em que Jesus partilha o pão e os peixes, mostra-nos que na realidade daqueles homens havia algo a mudar, mas não era fundamentalmente a sua profissão e actividade quotidiana.
O convite a ser pescadores de homens é afinal um convite a uma relação profunda com Jesus, verdadeiro homem e verdadeiro Deus, a um outro sentido para a vida, e a uma outra relação com os homens, irmãos que devem partilhar do nosso amor.
Neste sentido, e como o convite se mantém vivo e actual, não podemos deixar de ter bem presente as palavras de São Paulo aos Coríntios, ou seja, que a nossa fé, o nosso testemunho, a nossa missão, não é mais que dar a conhecer Jesus Cristo, o amor de Deus que nos entrega o seu filho para que por ele possamos também ser filhos.
Uma vez mais somos convidados a deixar o nosso egocentrismo comunitário ou grupal, e a consciencializar-nos que não somos pescadores de homens para nós, para o nosso grupo ou comunidade, mas somos anunciadores de Jesus Cristo, pescadores de homens para Cristo.
À luz da imagem da maternidade, que são Paulo também usa para se expressar face àqueles que lhe são queridos na fé, também nós somos chamados a ser mães e pais dos nossos irmãos na fé, a gerar para Jesus Cristo novos irmãos na fé.
Saibamos escutar o convite de Jesus a segui-lo e a pescar homens para o seu Reino, nunca esquecendo que a nossa acção e missão é mais uma página que se acrescenta ao Evangelho, a nossa página, objecto de alegria para nós, para os nossos irmãos e para Deus.

 
Ilustração: “Jesus ressuscitado junto ao lago”, de Hans Leonhard Schaufelein, Colecção Mikhail Perchenko.

2 comentários:

  1. Caro Frei José Carlos,

    A linguagem da Homilia do III Domingo do Tempo Comum desconcerta-nos e desafia-nos. A mudança de comportamento dos discípulos na sequência do encontro com Jesus após a Sua morte e ressurreição de entre os mortos marca uma ruptura com o passado e um passo decisivo para a compreensão e testemunho do Evangelho. Também para cada um de nós, a passagem do Jesus histórico para o Jesus vivo, o Deus connosco, acontece quando espiritualmente somos capazes de estabelecer, interiorizar, viver uma relação profunda com Jesus que se faz presente, na busca de um encontro.
    Como nos salienta …”O convite a ser pescadores de homens é afinal um convite a uma relação profunda com Jesus, verdadeiro homem e verdadeiro Deus, a um outro sentido para a vida, e a uma outra relação com os homens, irmãos que devem partilhar do nosso amor.”…
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homilia, profunda, eslarecedora, que nos desinstala, recordando-nos a …”escutar o convite de Jesus a segui-lo e a pescar homens para o seu Reino”. …
    Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Votos de uma boa semana, com paz, alegria, confiança e esperança.
    Bom descanso,
    Um abraço mui fraterno e amigo,
    Maria José Silva

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  2. Frei José Carlos,

    Agradeço-lhe esta bela e maravilhosa partilha da Homilia do III Dimingo do tempo comum,que nos deixa um grande desafio de mudança de vida no nosso dia a dia.Obrigada,pelas palavras partilhdas,que nos dão força para prosseguirmos o caminho e,pela excelente ilustração.Que o Senhor o ilumine o ajude e o proteja.Continuação de uma boa semana com alegria e paz.Bem-haja,Frei José Carlos.
    Um abraço fraterno.
    AD

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