De acordo com uma
tradição bastante antiga celebramos hoje conjuntamente os martírios de São
Pedro e São Paulo, fazendo memória única das vidas e das missões daqueles dois
apóstolos que são conhecidos como as colunas da Igreja.
As leituras que
escutámos e que nos apresentam estes dois discípulos, na sua diversidade e
unidade, mostram-nos que não há missão sem a protecção do Senhor e que essa
missão não prescinde da nossa realidade e condição humana.
Neste sentido a
história da evasão de Pedro da cadeia de Jerusalém, na qual o rei Herodes o
tinha mandado prender, é bastante sugestiva quando lemos os diversos elementos
numa dimensão alegórica.
Assim, não podemos
perder de vista que a primeira ordem do anjo a Pedro é que ele se ponha de pé,
se levante da sua prostração, e que imediatamente coloque o seu cinto e calce
as suas sandálias. São necessidades materiais para que abandone a prisão, mas
sugerem-nos também como o chamamento do Senhor nos obriga a erguer-nos da nossa
condição pecadora, a tomar a nossa vida em mãos e a agir diligentemente para
seguirmos o seu apelo.
Deus quer e necessita
que tomemos a nossa realidade humana em mãos, que a elevemos à dignidade divina
quando escutamos a sua palavra e a acolhemos prontamente. Mas para que a nossa
obra possa ser de facto concretizada necessitamos envolver-nos num manto, que
não serve para nos esconder, mas que nos protege e permite seguir em frente. O manto
em que Pedro se envolve é o manto da fé, é o manto da confiança de que Deus não
abandona aqueles que ama e se colocaram à sua disposição.
Erguido na sua
condição, envolvido pela fé, Pedro pode passar as diversas barreiras, pode ultrapassar
as hostilidades levantadas contra ele, e pode afirmar convictamente que o Senhor
liberta, que o Senhor protege, que o Senhor não desampara aqueles que se
comprometem com Ele.
A leitura da Carta de
São Paulo a Timóteo vai na mesma linha de pensamento e assim também Paulo
reconhece ao discípulo predilecto que a sua vida foi uma história difícil,
complexa e exigente, mas que em todas as circunstâncias nunca deixou de sentir
a protecção de Deus. Ao ter guardado a fé, ao ter-se deixado envolver pelo
manto da fé em Jesus, pôde combater o bom combate e terminar a sua carreira,
que se perspectiva mais exigente e dolorosa face à situação de prisão.
É face a esta experiência
e a esta consciência que Paulo apela a Timóteo que não deixe de guardar a fé,
que não deixe de ser exigente na sua missão e exigente com aqueles que lhe foram
confiados como cristãos e discípulos de Jesus. Se Deus concede alguma graça, se
o Espirito Santo ilumina e permite dizer que Jesus é o Messias Filho de Deus, é
para que essa graça e essa verdade possam chegar a outros, para que cada um
possa ser ponte e elo de ligação para com Deus que vem ao nosso encontro.
Os itinerários e
percursos de Paulo e Pedro são assim um modelo e um exemplo para cada um de
nós, são como que um paradigma do nosso caminhar espiritual.
Caminho que passa
antes de mais por uma conversão, por uma mudança de vida expressa nesse
levantar-se, quer seja numa situação de prisão, como aquela em que se encontra
Pedro, quer seja numa situação de queda, como a que Paulo sofreu a caminho de
Damasco. Deus não nos quer pelo chão nem prisioneiros das realidades que não
nos dignificam nem realizam como pessoas e filhos de Deus.
Este caminho de
conversão está marcado por um encontro que nos serve para aferir dos passos a
dar, das energias que possuímos e das que necessitamos. É o momento do encontro
pessoal com Jesus, esse momento que nos faz descobrir como somos muitas vezes
incapazes de dar os passos necessários e por isso somos levados por Jesus aos
ombros, como ovelha perdida e achada.
É este conforto, esta segurança,
esta consciência, que desperta em nós a fé, essa certeza de que não estamos
abandonados, mas somos queridos e amados de Deus. Ele vela por nós e como um mendigo
demanda apenas o nosso amor, o amor que nos realiza, que nos faz ser o que
somos verdadeiramente.
Assumindo esta
realidade podemos ser um signo eloquente diante dos outros e diante do mundo,
podemos tal como Pedro e Paulo levar a cabo a missão, combater o bom combate e
esperar com alegria a coroa de glória. Assumindo esta realidade podemos
responder e dizer quem Jesus é. Não já uma resposta estereotipada, doutrinal,
escutada da boca de outros, mas uma resposta única e pessoal, a resposta que o
Espirito Santo brotou em nós pelo acolhimento que lhe proporcionámos.
Que a felicidade de
Pedro e de Paulo ao reconhecerem Jesus como o Messias Filho de Deus nos alcance
igualmente e o testemunho do sangue derramado de cada um deles seja para nós um
alento nos combates e dificuldades da vida como cristãos.
1 – “A libertação de Pedro”, de Rafael, Salas de Júlio II, Palácio do Vaticano.
2 – “A Conversão de São Paulo”, de Nicolas-Bernard Lepicie.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarAo ler o belo texto da Homilia da Solenidade de São Pedro e São Paulo,tão profunda que nos reconforta e nos dá força para a nossa reflexão pessoal.Gostei muito desta bela Meditação,muito esclarecedora,as suas palavras são imprescindíveis.Obrigada,Frei José Carlos,pelas palavras partilhadas e pela beleza da ilustração.Que o Senhor o ilumine o abençoe e o guarde.Bem-haja.Desejo-lhe uma boa tarde e um bom descanso.
Um abraço fraterno.
AD