segunda-feira, 2 de junho de 2014

Vós me deixareis só! (Jo 16,32)

A última ceia de Jesus com os discípulos, antes da sua paixão, é um momento paradoxal, um momento em que a luz e as trevas se fazem presentes, em que o amor e a traição se contrastam de tal maneira que é impossível ficar insensível.
É nesta ceia que os discípulos aparecem perdidos, desconcertados face aos gestos de Jesus, como a lavagem dos pés. Mas por outro lado, e após as diversas promessas do Espirito Santo, que lhes era tão estranho como tudo o que viviam, afirmam a Jesus que agora lhes falava claro, que agora tudo se tornava compreensível.
Como estavam enganados, e como Jesus bem o sabia! Por isso diante da confiança que eles manifestavam Jesus coloca-os imediatamente face ao abandono, à dispersão que a sua prisão provocaria. Afinal, na compreensão que diziam ter havia ainda outros interesses presentes.
O anúncio de Jesus, marcado certamente pela tristeza, não está carregado de azedume nem de revolta, enuncia-se apenas como uma evidência face às circunstâncias. O abandono dos discípulos não se compara com o amor do Pai, amor e presença que permanecem para além de todas as circunstâncias.
Este anúncio de Jesus, e o convite que se lhe segue para que tenham a paz, mostra-nos o olhar mais largo de Jesus, a sua perspectiva de futuro, a confiança que deposita nos discípulos para além do imediato e do abandono. Jesus acredita na recuperação da fidelidade, na conversão dos discípulos.
Esta confiança e esta visão mais alargada deveriam ser para nós um alento, um incentivo a não temer o regresso à fé, o regresso à Igreja, a não temer a conversão. Jesus conhece-nos e conhece as nossas infidelidades, sabe quantas vezes o deixámos só e o abandonámos.
A nossa fé pode fraquejar, a nossa fidelidade pode andar um pouco frouxa, mas ainda assim Jesus deixa-nos a sua paz, abre-nos a porta da sua confiança para que possamos regressar, para que retomemos a relação com ele.
Ele nunca está só, mas nós podemos ficar sós, e por essa razão nos deixa a sua paz para não nos perdermos na nossa solidão.

 
Ilustração: “Jesus lavando os pés aos discípulos”, Iluminura dos Evangelhos de Otto III, Biblioteca Estatal de Munique.   

2 comentários:

  1. Realmente ficamos muitas vezes sós, sobretudo quando a nossa fé fraqueja, quando a nossa fidelidade está longe de ser o que devia. Nesses momentos é que verdadeiramente precisamos de confiar, de sentir a paz de Deus, para sermos capazes de de voltar para trás e recomeçar. Inter Pars

    ResponderEliminar
  2. Caro Frei José Carlos,

    Após a leitura atenta do texto da Meditação que partilha interroguei-me se deveria escrever algumas linhas que não revestissem o cariz de um “libelo”. Nas linhas quebradas da vida de muitos de nós, a dúvida não reside na espera, no acolhimento de Jesus porque como afirma ...” Jesus conhece-nos e conhece as nossas infidelidades, sabe quantas vezes o deixámos só e o abandonámos”. … Acreditamos que Jesus na Sua infinita misericórdia espera por todos. E é bom saber que assim é.
    E, permita-me, Frei José Carlos, a forma directa e sem rodeios como me exprimo. As razões do afastamento, a dificuldade no regresso não à fé mas à Igreja, resulta, em parte, do acolhimento, da compreensão e do comportamento de alguns dos seus membros. E sentimos quão importante é a vida em comunidade …
    Como salienta …” O anúncio de Jesus, marcado certamente pela tristeza, não está carregado de azedume nem de revolta, enuncia-se apenas como uma evidência face às circunstâncias (…) e o convite que se lhe segue para que tenham a paz, mostra-nos o olhar mais largo de Jesus, a sua perspectiva de futuro, a confiança que deposita nos discípulos para além do imediato e do abandono”. …
    Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, que são um estímulo, um alento, por recordar-nos que …” Jesus deixa-nos a sua paz, abre-nos a porta da sua confiança para que possamos regressar, para que retomemos a relação com ele.” …
    Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o proteja.
    Boa semana. Bom descanso.
    Fraternalmente,
    Maria José Silva

    ResponderEliminar