Celebramos a
solenidade do Pentecostes, um acontecimento e um mistério que a leitura dos
Actos dos Apóstolos e do Evangelho de São João nos apresentavam de forma
diferente.
Não podemos dizer que os
diferentes relatos estão em contradição, ou que se opõe, bem pelo contrário,
partindo do mesmo princípio que é o dom do Espirito por Jesus Cristo apresentam
facetas que se complementam e iluminam.
Neste sentido, o
relato que os Actos dos Apóstolos nos apresenta parte de duas realidades, dois
acontecimentos prévios que são relidos e assumidos à luz da novidade de Jesus e
do mistério da sua ressurreição.
São Lucas, ao
descrever a descida do Espirito Santo sobre os apóstolos, tem presente, e aí
insere o acontecimento cristão, a festa judaica das colheitas, a festa de
agradecimento do dom da lei e da posse da terra, o Pentecostes judaico, bem
como o grande acontecimento da torre de Babel, quando os homens tentaram alcançar
os céus pelos seus meios e foram dispersos pela diferenciação das línguas.
Partindo destes
acontecimentos, o autor dos Actos dos Apóstolos mostra como o Espirito Santo, o
Espirito dado por Jesus, permite o mútuo conhecimento e a unidade dos povos,
uma única linguagem acessível a todos os homens e mulheres. Em oposição à
tentação da torre de Babel, de alcançar os céus pelos seus próprios meios, o Pentecostes
é a oferta dessa acessibilidade na medida do acolhimento do Espirito Santo
prometido por Jesus.
Por outro lado, se o Pentecostes
judaico celebrava o dom da lei, escrita sobre tábuas de pedra, a descida do
Espirito Santo punha em evidência a nova lei já gravada no coração, tal como
tinha sido prometido e profetizado pelo profeta Ezequiel.
Coração que, podemos
dizer, é um dos elementos centrais do relato que nos é apresentado pelo
Evangelho de São João, Evangelho que congrega a ressurreição, a ascensão e a
descida do Espirito Santo num mesmo dia, evidenciando dessa forma a unidade intrínseca
dos três acontecimentos. É pela ressurreição que Jesus é elevado aos céus e é
pela ressurreição que se cria a possibilidade da vinda do Espirito Santo sobre
os apóstolos.
A centralidade do
coração é colocada em destaque pelo convite de Jesus, convite que se repete no
momento em que o ressuscitado se faz presente no meio dos apóstolos, “a paz
esteja convosco”.
Esta tradicional e
comum saudação, “Shalom”, adquire neste contexto uma outra dimensão, deixando
de ser um cumprimento quotidiano, para adquirir uma dimensão reconciliadora,
uma dimensão de perdão, que é necessário para que o futuro e a missão outorgadas
anteriormente se possam desenvolver.
A saudação de Jesus
vai ao encontro de um processo de culpabilização e de medo no qual os discípulos
se tinham enredado face ao abandono e traições aquando da prisão, condenação e
morte do mestre. Era essa culpa que não lhes permitia sair fora, lançar mão da
missão, e até viver plenamente o mistério da ressurreição de Jesus.
A saudação de Jesus, a
paz que é necessária, é o impulso para sair dessa rede de culpa, é a
oportunidade para aceitar que apesar dos erros e das falhas, das traições,
Jesus continuava a contar com eles para a realização da missão. Só na medida da
libertação dessa culpa perderiam o medo e poderiam abrir-se e acolher o Espirito
Santo, o Espirito de Jesus.
Este apelo e convite
de Jesus, esta saudação, continua hoje a ser extremamente importante para nós,
e é necessário que tomemos consciência dele no momento do Pentecostes, nesta
celebração do dom do Espirito Santo.
De facto, não
poderemos acolher em verdade e de forma plena o Espírito que Deus nos envia se
não estivermos em paz, se não nos tivermos perdoado nas nossas falhas e faltas,
conscientes que Deus nos conhece nas nossas debilidades, mas ainda assim não
deixa de apostar em nós, não deixa de contar connosco para realizar o seu
projecto.
É esse acolhimento do
perdão, de uma nova oportunidade que Deus nos concede, que nos permite anunciar
e realizar a missão do perdão que Jesus nos indicou. Se não tivermos feito a
experiência de nos sabermos perdoados não seremos capazes de levar o perdão aos
outros.
E esta experiência é extremamente
importante para não cairmos na tentação em que caiu a comunidade de Corinto à
qual São Paulo se dirige na leitura que escutámos, a tentação da superioridade.
Se soubermos perdoar saberemos apreciar os dons dos Espirito Santo, saberemos
valorizar a diferença e viver com cada um e com todos como membros activos de
um corpo vivo.
Desta forma poderemos
tornar presente e actual a experiência do Pentecostes que os Actos dos
Apóstolos nos apresentam, porque a linguagem da aceitação, do perdão e do amor
é compreensível em qualquer língua e a qualquer homem.
Se vivermos a lei
gravada no coração, a lei a que Jesus sempre se reportou e que o Espirito Santo
faz brilhar na sua divinidade, poderemos construir a unidade dos homens e
mulheres expressa nesse projecto da torre de Babel, assente agora já não no
nosso desejo de chegar ao céu, mas de acolher o céu que veio até nós.
1 – “Pentecostes”, de Grão Vasco, da capela da portaria do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.
2 – “Pentecostes”, painel de azulejos na capela de Nossa Senhora de Fátima, Pousada.
Caro Frei José Carlos,
ResponderEliminarTerminado o Tempo Pascal, a meditação sobre a Liturgia do Domingo da Festa de Pentecostes e a Homilia que teceu conduzem-nos ao mistério da Ressureição de Jesus, à necessidade da intervenção do Espírito de Jesus junto dos discípulos fechados por causa das suas faltas e receios e à necessidade da intervenção de Jesus para prosseguirem a missão para que tinham sido chamados e à comparação e reflexão sobre os nossos comportamentos.
Como nos afirma …” A saudação de Jesus, a paz que é necessária, é o impulso para sair dessa rede de culpa, é a oportunidade para aceitar que apesar dos erros e das falhas, das traições, Jesus continuava a contar com eles para a realização da missão. Só na medida da libertação dessa culpa perderiam o medo e poderiam abrir-se e acolher o Espirito Santo, o Espirito de Jesus.
Este apelo e convite de Jesus, esta saudação, continua hoje a ser extremamente importante para nós, e é necessário que tomemos consciência dele no momento do Pentecostes, nesta celebração do dom do Espirito Santo.”…
Precisamos sair de nós próprios, deixar as nossas certezas, as nossas seguranças e/ou inseguranças, ir ao encontro do outro, do inesperado, da surpresa e sermos verdadeiros testemunhos do Evangelho.
Que o sopro, o fogo e a força do Espírito Santo nos liberte, que não nos deixe fechar nos nossos medos, ressentimentos, nas nossas faltas e fragilidades e que o amor misericordioso do Senhor nos conceda a paz interior para nos perdoarmos, para podermos perdoar o outro, como nos recorda no texto da Homilia.
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homilia, clara e profunda, por recordar-nos que …” não poderemos acolher em verdade e de forma plena o Espírito que Deus nos envia se não estivermos em paz, se não nos tivermos perdoado nas nossas falhas e faltas, conscientes que Deus nos conhece nas nossas debilidades, mas ainda assim não deixa de apostar em nós, não deixa de contar connosco para realizar o seu projecto.”…
Que o Senhor o cumule de todas as bençãos.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
Frei José Carlos,
ResponderEliminarObrigada,pela maravilhosa e profunda partilha da Homilia do Domingo da Festa de Pentecostes,que gostei muito, e pela sua ilustração.Desejo-lhe uma boa semana e um bom descanso.Bem-haja,Frei José Carlos.Que o Senhor o ilumine o ajude e o abençoe.
Um abraço fraterno.
AD