domingo, 1 de abril de 2012

Homilia do Domingo de Ramos ou da Paixão do Senhor

É surpreendente quando lemos os Evangelhos e os comparamos internamente, e externamente uns com os outros, o espaço que ocupa o relato da Paixão de Jesus, o processo redacional em que se inclui a sua prisão, condenação e morte.
Mais que em qualquer outro momento da vida de Jesus, os evangelistas procuraram contar tudo o que se tinha passado naquele processo, inserir no relato dos acontecimentos todos os pormenores que ajudavam a compreender o mistério que tinha acontecido, as verdadeiras e cabais dimensões de tudo o que se tinha passado.
Por vezes ficamos mesmo com a sensação que houve uma tentativa de investigação junto de testemunhas qualificadas e credenciadas para que pudessem relatar o que de facto se tinha passado.
Neste Domingo de Ramos em que damos início à celebração da semana santa e que nos conduzirá à celebração da Páscoa da Ressurreição, encontramo-nos com a leitura do Evangelho de São Marcos, tanto no momento da bênção dos ramos, como depois na celebração eucarística dominical.
E na leitura que fazemos no momento da bênção dos ramos não podemos deixar de reparar no número de vezes que é referido o jumentinho sobre o qual Jesus devia entrar em Jerusalém.
Em poucas linhas o jumentinho é referido quatro vezes, duas vezes na voz do narrador, uma vez na boca de Jesus e outra vez na boca dos que estavam junto do jumentinho e eram estranhos à acção dos discípulos.
Pode parecer-nos um devaneio reparar neste pormenor, mas ele adquire importância na medida em que temos consciência de que não há pormenores em vão, dados irrelevantes nos relatos dos Evangelhos e muito menos no relato do mistério central da vida de Jesus.
Neste sentido, se por um lado o jumentinho tem o objectivo básico de servir à entrada de Jesus em Jerusalém, uma entrada consentânea com a profecia de Zacarias, ele serve também para expressar uma dimensão de libertação que acontece com essa entrada e com a própria morte de Jesus.
Três das referências ao jumentinho colocam-no como preso e portanto é necessário libertá-lo para que se possa trazer a Jesus e possa servir para a entrada em Jerusalém. A questão que os estranhos à acção colocam aos discípulos é sobre a razão da libertação do jumentinho.
Ao servir-se do jumentinho para entrar em Jerusalém, Jesus dá assim cumprimento à profecia de Zacarias, mas assume também a dimensão de libertação que estava subjacente à mesma profecia e ao mesmo sinal profético do jumentinho.
Os evangelistas ao relatarem esta entrada e ao marcaram a necessidade de libertação do jumentinho, revelam também o mistério de libertação que Jesus vai operar, uma libertação imediatamente lida de forma equivocada pelo povo como libertação da cidade do jugo do opressor, mas posteriormente lida na verdade como libertação do jugo do pecado pela entrega da vida de Jesus.
A celebração do mistério da paixão, morte e ressurreição conduz-nos assim obrigatoriamente para a consciência da libertação que Jesus operou nas nossas vidas, na vida da humanidade quando nos libertou do pecado pela entrega livre da sua vida.
A aclamação festiva e gloriosa que o povo de Jerusalém fez na expectativa da libertação da cidade é-nos hoje também solicitada, ainda que de uma forma mais profunda, pois Jesus não nos veio libertar historicamente de nenhum opressor ou império, mas da escravatura do pecado e da distância em que nos encontrávamos da relação com Deus.
Cantemos pois com alegria “Hossana, bendito o que vem em nome do Senhor”, porque o nosso Salvador já veio e já nos libertou de toda a opressão.

Ilustração: “Entrada em Jerusalém”, de Pedro de Orrente, Museu do Hermitage.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Bem-haja por nos salientar no texto da Homília do Domingos de Ramos que teceu a “dimensão de libertação do projecto de Jesus”.
    Como nos salienta ...” se por um lado o jumentinho tem o objectivo básico de servir à entrada de Jesus em Jerusalém, uma entrada consentânea com a profecia de Zacarias, ele serve também para expressar uma dimensão de libertação que acontece com essa entrada e com a própria morte de Jesus.”…
    Obrigada, Frei José Carlos, por nos recordar que …” A celebração do mistério da paixão, morte e ressurreição conduz-nos assim obrigatoriamente para a consciência da libertação que Jesus operou nas nossas vidas, na vida da humanidade quando nos libertou do pecado pela entrega livre da sua vida.(…)
    “Cantemos pois com alegria “Hossana, bendito o que vem em nome do Senhor”, como nos convida.
    Peçamos ao Senhor que o testemunho de Jesus e a forma como vivemos o período quaresmal nos ajude na nossa transformação, reforçando a nossa fé e as nossas forças para que a participação de cada um de nós na construção de um mundo novo, mais justo, mais solidário e fraterno se torne realidade.
    Votos de uma boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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