A noite caiu já e com
a escuridão do seu manto veio o frio. Um vento gélido trespassa as roupas e
faz-se sentir à flor da pele.
É verdade que as noites
de primavera são ainda frescas, mas esta noite o frio faz-se sentir de forma
intensa, é como se abraçasse tudo o que existe, como se nos quisesse engolir tal
como a escuridão imensa da noite.
No princípio da noite
havia ainda uma fogueira, crepitavam os ramos secos enquanto as hastes verdes
lançavam nuvens de fumo intenso. À sua volta uns quantos soldados, judeus como
ele, uma criada que parecia conhecê-lo, que não deixava de afirmar que também ele
era discípulo daquele Jesus que tinham trazido manietado.
Alienado pelo calor do
fogo que aquecia o corpo, ou pelo medo daquela voz feminina que não deixava de
o apontar a toda a gente, teve a hipócrita ousadia de dizer que não o conhecia,
que nunca o tinha visto, que não era seu discípulo.
E como querendo
convencer-se disso mesmo foi negando, uma, duas e três vezes, até que um galo
cantou e o seu canto o penetrou mais gélido que o próprio frio da noite. Na voz
do galo ouviu a voz do Mestre “hoje mesmo me negarás três vezes”.
O fogo que ainda
crepitava deixou de o aquecer e no seu coração um outro fogo se ateou, o fogo
da culpa e do remorso, o fogo devastador da traição. Subitamente o frio da
noite tornou-se o maior conforto, como uma carícia, e saiu desesperadamente à procura
da fonte desse frio para que o seu fogo pudesse ser extinto.
Deambulando pela
noite, pelas veredas vazias de gente, buscou ansiosamente, desesperadamente, e
sem saber como viu-se novamente no jardim das oliveiras. Ainda há tão pouco
tempo tinham estado ali, todos reunidos com o Mestre, com o seu querido Mestre,
jamais imaginando que um dos seus o viria entregar com um beijo.
Com o vento frio a bater-lhe
no rosto, a arrastar-lhe as lágrimas que dolorosamente escorriam, lembrou-se
das palavras de Jesus quando aquela multidão conduzida por Judas se aproximou
para o prender, “sou eu, sou eu a quem buscais!”
O Mestre não tinha
recuado um passo, não se tinha escondido, enfrentou a verdade e a demanda
daqueles que vinham à sua procura para o levar preso, enquanto ele se tinha
acobardado diante de uma pobre criada, certamente menos livre que ele.
No frio da noite Pedro
aqueceu-se naquelas palavras de Jesus, nas palavras do Mestre que sem qualquer
movimento de resistência se deixava apanhar e levar. Aquelas palavras dirigidas
à multidão em fúria dirigiam-se agora a ele, “sou eu, sou eu quem te pode dar a
paz, sou eu a quem tu buscas na tua perda e na tua dor”.
E no vento gélido da
noite as palavras continuaram a ressoar e a ecoar para todos aqueles que
buscam, os culpados que buscam o perdão ou os amantes que buscam o amado, “sou
eu a quem buscais”.
"Sou eu a quem tu procuras"... são palavras dirigidas a nós, que buscamos perdão para os nossos erros, que procuramos o apoio d´Aquele a quem amamos, para os nossos projectos, para a nossa
ResponderEliminarcaminhada.
Caro Frei José Carlos,
ResponderEliminarSe em determinados momentos, a Quaresma pode parecer um pouco longa, a vivência da Semana Santa assume sempre um cariz especial, em que algumas vezes, voltamos a colocar-nos questões que só aparentemente estão resolvidas, conjugada com o quotidiano que nos desassossega, que nos surpreende em permanência.
Na realidade, o texto da Meditação que teceu em prosa poética, levou-me a interrogar-me se historicamente estava a situar-me há mais de dois mil anos ou na actualidade, ou se nestes dois referenciais …
E, seja qual for a situação e as circunstâncias de cada um de nós, ainda que as nossas lágrimas possam ser motivadas, por vezes, por causas diferentes das de Pedro, só Jesus nos pode aquecer quando O buscamos e somos capazes de ouvir o murmúrio …”sou eu, sou eu quem te pode dar a paz, sou eu a quem tu buscas na tua perda e na tua dor”. …
Um grande obrigada, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, profundas e belas, que nos confortam, pelo caminho de reflexão diária a que nos levou ao longo de mais um período quaresmal com a esperança de alcançarmos a manhã de Páscoa, a Ressureição do Senhor, a luz e a renovação permanente a que somos chamados a operar juntamente com Cristo, na vida de cada um de nós. Bem-haja.
Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
Um abraço mui fraterno e amigo,
Maria José Silva